Tradições culinárias búlgaras como forma de restaurar memória cultural: a inesquecível tarhana da vovó

Prato feito com tarhana. Foto do arquivo pessoal de Temenuzhka Mateva, usada sob permissão.

Esta é a segunda de uma série de três partes escrita por Dessislava Dimitrova e Nevena Borisova sobre como as mulheres empresárias impulsionam o renascimento das tradições culinárias em diferentes partes da Bulgária por meio do movimento moderno de slow food, impulsionando o turismo e combatendo o despovoamento.

Tarhana é um alimento originário da Pérsia, e é preparado e consumido no sudeste da Europa e no Oriente Médio. Em geral, é um tipo de macarrão, que é preparado com massa lêveda, à base de uma mistura fermentada e seca de farinha e iogurte (tarhana branca) ou frutas e legumes (tarhana vermelha). Esse alimento artesanal é pouco conhecido hoje em dia, enquanto há apenas algumas décadas era preparado regularmente em muitas casas nas montanhas búlgaras de Strandzha, Sakar, e Ródope.

Mapa da Bulgária com a localização das aldeias Yavornitsa, Antimovo e Plevun. Baseado em mapas dos seus respectivos artigos da Wikipédia. CC BY-SA 3.0.

Diferentes pratos com tarhana também são feitos diariamente na aldeia do sul de Plevun, onde Temenuzhka Mateva esteve muitas vezes quando criança com a sua avó. Anos mais tarde, por razões sentimentais, Temenuzhka decidiu reavivar a tradição e se tornou empreendedora. Ela afirmou:

„Траханата бе закуска сутрин през цялата зима, но баба я добавяше и към всяко вече готово ястие – като поизстине, все поръсваше. Сега разбирам, че го е правила, за да „подсили“ храната, запазвайки и пробиотичните свойства на траханата. Например, на кисело мляко ще сложи малко, ще си надробим и ще ядем. На готов фасул, вече изстинал, и там поръсваше!“

“A tarhana era o nosso café da manhã durante todo o inverno, e a vovó também a acrescentava em todos os pratos preparados. Quando o prato esfriava, ela sempre adicionava um pouco de tarhana. Agora, entendo que ela fazia isso para “reforçar” a comida, porque também é uma forma de preservar as qualidades probióticas. As pessoas antigamente sabiam muito!”

Temenuzhka Mateva (à direita) com a sua neta. Foto do arquivo pessoal, usada sob permissão.

Ela acrescenta que a receita reflete as particularidades locais da própria região. Por exemplo, algumas aldeias onde são cultivados diferentes tipos de vegetais, alguns deles são misturados com a massa para a tarhana. E caso a fonte de subsistência local seja a criação de ovinos, o prato é preparado com mais iogurte.

Temenuzhka prepara um tipo específico de tarhana sem a adição de iogurte, frutas ou legumes. Para preparar massa lêveda, ela coloca lúpulo, milho, grão de bico e lentilhas na água. Depois de a água ferver e os ingredientes flutuarem à superfície, ela peneira a mistura e adiciona farinha de trigo einkorn e farinha de centeio. A massa lêveda fica em repouso para que possa crescer e depois é misturada com a farinha restante e o bulgur.

A outra parte da tarhana é o cereal bulgur, processado a partir do trigo einkorn. Após a massa ser feita (a partir do bulgur, da massa lêveda e do trigo einkorn), deve repousar de 2 a 3 dias num ambiente quente para que possa crescer. No final, a massa fermentada é passada por uma peneira perfurada, chamada darmon (дармонь em búlgaro). Os grãos resultantes devem ser secos ao sol e depois armazenados em sacos de papel ou tecidos durante todo o inverno. Quanto aos cereais, Temenuzhka pessoalmente prefere o trigo einkorn e o centeio, pois podem  ser cultivados sem produtos químicos.

A tarhana é uma forma de conservar as saudáveis qualidades nutricionais do iogurte, das frutas, dos legumes por meio fermentação. Esse alimento, geralmente preparado no verão após a colheita, apresenta duas variedades específicas: branca e vermelha. Como o seu preparo não inclui um processo térmico, pode ser seguramente considerado um “alimento vivo”, rico em bactérias ácido lácticas.

Embora a tarhana tenha servido de proteção contra a fome no passado, ela agora serve de escudo contra a perda de uma memória cultural.

Започнах да приготвям трахана, откакто имам внуче. Замислих се, че сега, когато съм баба, е време да предам на децата си онова, което съм запомнила от моята. В продължение на години опитвах да я възстановя такава, каквато я помня.

Comecei a preparar a tarhana desde que me tornei avó, com a ideia de que agora é hora de transmitir o que aprendi com a minha avó para a geração seguinte. E, em alguns anos, consegui recriar esta comida exatamente como me lembro dela.

Temenuzhka tenta popularizar o produto, mas ainda enfrenta uma série de dificuldades devido às normas de segurança alimentar. A tarhana não é formalmente registada como prato, portanto é mais difícil de oferecê-la em restaurantes. Apesar disso, Temenuzhka criou uma comunidade de Slow Food na região de Ivaylovgrad, e também utiliza as redes sociais para tornar o alimento mais popular.

Recentemente, muitas pessoas que provaram a tarhana desejam aprender como prepará-la. Para aquelas que apreciam a tradição secular, Temenuzhka considera organizar workshops em Plevun, na esperança de que os seus esforços tragam o alimento de volta para a mesa búlgara.

 

Este artigo faz parte de uma série sobre a revitalização das tradições culinárias búlgaras como forma de restaurar a memória cultural, destacando a experiência das mulheres empresárias que trabalham em zonas rurais despovoadas. A série inclui os seguintes artigos:
- Ervas selvagens da aldeia de Yavornitsa
- A tarhana inesquecível da avó de Plevun
- Os pratos esquecidos da vovó na aldeia de Antimovo

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