Zé Du, presidente angolano que permaneceu no poder por 38 anos, falece na Espanha

José Eduardo dos Santos, 74, Presidente de Angola entre 1979-2017. Foto: Romério Cunha/Flickr de Michel Temer/CC-BY 2.0

Presidente de Angola de 1979 a 2017, José Eduardo dos Santos (JES) faleceu no dia 8 de Julho de 2022, aos 79 anos. A informação foi avançada em comunicado pela Presidência de Angola:
O Executivo da República de Angola leva ao conhecimento da opinião pública nacional e internacional, com um sentimento de grande dor e consternação, o falecimento de Sua Excelência o ex-Presidente da República, Engenheiro José Eduardo dos Santos, ocorrido hoje às 11h10 , hora de Espanha certificada pelo boletim médico da clínica, em Barcelona, após prolongada doença.
Como forma de honrar o contributo de JES, o Governo angolano decretou 5 dias de luto nacional.

Quem foi José Eduardo dos Santos?

Mais conhecido pela alcunha Zé Du, José Eduardo dos Santos, foi chefe de Estado durante 38 anos, tendo cumprido uma das mais longas presidências no mundo. Engenheiro, militar e político angolano, dos Santos também esteve a frente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido que tem governado Angola desde que obteve independência, em 1975.
No início foi tido como um Presidente libertador que trouxe a paz aos Angolanos, sobretudo quando Angola passou por uma guerra civil. Contudo, ao longo dos anos a sua governação deixou de ser apreciada por conta das violações contra direitos humanos.
No dia 11 de Março de 2016,  anunciou que deixava a carreira política em 2018, ano em que completaria 76 anos. Porém, acabou deixando o cargo em Setembro de 2017, sendo sucedido por João Lourenço.

Redes sociais e reacções diversas

Numa mistura de sentimentos, entre exultação e indiferença, vários internautas referiram que a morte de José Eduardo dos Santos já era um dado consumado desde muito tempo. Luaty Beirão, activista político, que foi preso em 2015 e fez uma greve de fome de 36 dias na prisão, referiu:

Hoje consumou-se apenas a perda dos sinais vitais, o cidadão, esse, já andava “morto” desde 2018. Zero pena, zero emoções, é-me completamente indiferente. Com licença, tenho a semifinal do Wimbledon por assistir.

Na mesma publicação, houve quem afirmasse que não teria saudades do então Presidente de Angola:

Mandela morreu, fiquei triste, Maradona morreu, fiquei triste, Chadwich Bosseman ( Pantera Negra) morreu, fiquei triste, Mano Dibango morreu, fiquei triste, Carlos Burity morreu, fiquei triste, Jacob dos Kassav morreu, fiquei triste, Desmond Tutu morreu, fiquei triste, entre outros, Zé Du morreu, tó alegre, já vai tarde, que lhe sigam o Kopelipa, Nandó e o disse que tinha a ele fidelidade canina, Zé Maria…

Muitas das reacções sobre a morte de José Eduardo dos Santos partem de um sentimento de abandono que os Angolanos viveram ao longo dos seus mais de 30 anos de governação, como refere um dos internautas no Facebook:

O mais triste é ver angolanos a exaltarem o JES, agora que morreu. Eu até pensei que todo o dinheiro que roubou, a indiferença que teve em nos proporcionar o básico para viver fosse lhe salvar, afinal não… hrm. Sinto por ser humano, mas teve o fim que mereceu. Infelizmente ou felizmente, tudo o que fazemos na terra, pagaremos na terra.

De Moçambique vieram comentários que não olharam apenas para o que JES fez em Angola, mas sobretudo para o papel deste em relação aos outros países amigos de Angola. Quem assim o diz é Damião Cumbane, advogado moçambicano:

Quem quiser falar ou analisar a vida e o legado do Zedu a moda da Facebook ou Whatsaap, dos anos 2000, nunca vai poder enxergar o quão relevante foi o papel desempenhado por JES na libertação de Angola, do Zimbabwe, da Namibia e da abolição do Apartheid na África do Sul. JES foi um grande lutador pelas causas da libertação e emancipação do Povo Angolano e dos Povos da África Austral em geral nos momentos mais contubados da vida dos povos da Região Austral da África.
O mesmo tipo de reacção veio do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi:
Compatriotas!
Recebemos com tristeza a notícia da morte, em Barcelona, Espanha, do antigo Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, vítima de doença. José Eduardo dos Santos foi dos primeiros nacionalistas angolanos a despertarem para a necessidade da libertação de Angola, em particular, e de África, em geral, do jugo colonial.
A história da sua vida coincide com a dos nacionalistas da gesta libertadora dos países africanos, pela sua entrega abnegada à causa da liberdade e da emancipação do continente africano. Angola e África perdem um grande estadista, um diplomata de consensos.

O outro lado da governação de JES: escândalos e corrupção

Para além de ter governado Angola por longos anos, José Eduardo dos Santos foi frequentemente associado à grande corrupção e ao desvio de recursos do petróleo, em grande parte proveniente da província de Cabinda.
Sua família é detentora de imenso património, que inclui casas nas principais capitais europeias, participações em grandes empresas, sociedades controladoras em paraísos fiscais e contas bancárias na Suíça — um património acumulado ao longo de décadas de exercício do poder.
Seus oponentes o acusam de ignorar as necessidades sociais e económicas de Angola, concentrando seus esforços em acumular riqueza para sua família, ao mesmo tempo em que silencia a oposição ao seu governo. Antes de deixar o poder, em Junho de 2016, José Eduardo dos Santos nomeou a filha Isabel dos Santos para as funções de presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol.
Contudo, com a chegada do novo Presidente, João Lourenço, a situação mudou drasticamente para o campo da família de JES, tendo os seus filhos sido alvo de vários processos de investigação sobre casos de corrupção que duram até hoje.
Este cenário fez com se criasse um espaço de disputa entre o actual Presidente e JES, que se espelha na forma como os filhos de JES tratam a actual liderança do país. Por exemplo, não há ainda consenso sobre como serão os procedimentos para a sepultura de JES, uma vez que existem acusações por parte das filhas contra o actual Presidente.
A declaração de Tchizé dos Santos surge depois de se ter noticiado, citando a sua advogada em Espanha, que os filhos vão bloquear a trasladação do corpo de José Eduardo dos Santos para Angola, argumentando que não era esse o desejo do pai.

O senhor é o quê ao meu pai? É filho mais velho? Quem lhe deu autorização, o desplante, para me estar a convidar para o funeral do meu próprio pai?

Ainda não sabia que o meu pai tinha morrido e o senhor já tinha publicado a morte do meu pai, quem lhe deu mandato para divulgar sem eu ter conhecimento ainda? Quem lhe deu mandato para dizer quem deve ir ou não ao funeral?

Tchizé dos Santos, que vive há vários anos fora de Angola, perdeu o mandato de deputada do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em 2019 e afirma correr risco de vida no seu país, enquanto a irmã mais velha, Isabel dos Santos, também a residir no exterior, enfrenta vários processos judiciais e diz ser vítima de perseguição.
Angola terá eleições no próximo dia 24 de Agosto. Não se sabendo ainda que papel a morte de JES vai trazer para o momento político eleitoral. Há especulações que referem mesmo que a morte de JES terá impacto negativo para o actual partido no poder, devido às relações tensas entre o presidente do partido e Presidente de Angola, João Lourenço, e as filhas mais velhas do ex-chefe de Estado.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.