Esta é a primeira de uma série de três partes escrita por Dessislava Dimitrova e Nevena Borisova sobre como as mulheres empresárias impulsionam o renascimento das tradições culinárias em diferentes partes da Bulgária por meio do movimento moderno de slow food, impulsionando o turismo e combatendo o despovoamento.
A cultura búlgara detém um incrível tesouro de receitas e tradições culinárias. Os chamados alimentos artesanais (porque, entre outros motivos, são produzidos de forma não mecânica e são fenômenos culturais na sua essência) variam em diferentes regiões. Embora essas várias tradições revelem muito sobre cultura e história, elas tendem a ser cada vez mais esquecidas mesmo pelos habitantes locais devido a uma combinação de memória desvanecida, o “colonialismo” da comida comercial e o estilo de vida. Um grande fator é a tendência de décadas de grande despovoamento das aldeias búlgaras.
No entanto, há pessoas que combatem essas tendências recriando tradições culinárias locais. Conseguimos entrevistar três delas, que vêm de cantos diferentes da Bulgária, mas têm algo em comum: acreditam que a sua vocação é preservar o patrimônio local como parte de uma identidade coletiva.
Todas as três são apoiadas pela ONG global Slow Food, fundada pelo ativista italiano Carlo Petrini em 1986. Essa organização tem como objetivo encontrar pessoas que façam esse trabalho e ajudá-las no acesso à publicidade e feiras locais e internacionais.
Os alimentos e ervas mágicas na aldeia de Yavornitsa
“Acabei de cozinhar, então tenho tempo para conversar agora”, diz Rukie Izirova. Depois começa a falar sobre os alimentos locais que também prepara para turistas e visitantes da sua pensão e restaurante na aldeia de Yavornitsa, no sudoeste da Bulgária.
O nome da aldeia vem da palavra “yavor“, que significa árvore de bordo. Árvores centenárias são abundantes na região. Yavornitsa tem uma lista de eleitores com cerca de 800 pessoas, o que não é um número pequeno para uma aldeia búlgara, mas nem todas vivem lá permanentemente.
Rukie é membro da comunidade búlgara mulçumana Pomak, a única na aldeia. Ela se sente acolhida na aldeia natal do seu marido, para onde se mudou em 1972 e trabalhou como professora. Mas sempre sentiu que era diferente, porque os pomaks desenvolveram uma identidade distinta tanto de outros muçulmanos como de cristãos. Depois que Rukie deixou o ensino em 1996, abriu sua pensão, que se tornou um importante estabelecimento turístico para a aldeia.
A aldeia fica na cordilheira de Belasica, que fornece um estoque abundante de ervas e especiarias. No espírito da tradição, Rukie adora cozinhar com ervas selvagens. Ela “atualiza” algumas das receitas para que “se adaptem ao gosto contemporâneo”. Com o intuito de popularizar esses alimentos, ela promove uma feira anual de degustação local chamada “Belasica de Inverno”, que apresenta mais de 25 tipos de receitas locais.
Algumas das “coisas verdes” que Rukie colhe na primavera são secas e congeladas para serem usadas durante o inverno, incluindo urtiga e paciência, um tipo de alho selvagem que cresce apenas na montanha.
“Na primavera, faço um mingau de diferentes plantas verdes do bosque. Também colho ervas para o chá – tília, tomilho, erva-de-São-João – todas típicas da região”, diz. Ela tem acumulado conhecimentos sobre ervas e tradições culinárias ao falar com os aldeões mais velhos, e ao transmiti-los a aprendizes dedicados – sua filha e a sua netinha.
„Когато дойдох в селото, се чудех какво все берат хората по ливадите, как сладко мирише, особено дивият чесън. В менюто ползваме билки, характерни за района. Много хубава салата например става от тученицата – към свежите листа добавяме лимон, зехтинче, скилидка чесън, две лъжички майонеза и кисело мляко. Тази салата е прекрасна!“
“Quando cheguei a esta aldeia, fiquei perplexa quando vi a abundância de plantas que as pessoas da região colhem dos campos. Fiquei espantada com a variedade de fragrâncias, em particular com o cheiro do alho selvagem. No nosso cardápio utilizamos ervas que são características desta região. Por exemplo, pode-se fazer uma salada muito saborosa a partir da beldroega comum, colhemos as folhas carnudas frescas e adicionamos limão, óleo de girassol, um dente de alho, duas colheres de chá de maionese e um pouco de iogurte. A salada fica simplesmente maravilhosa!”
A professora aposentada também conserva alimentos, faz massas e compotas, assim como lyutenitsa, o aperitivo dos Bálcãs (também grafado ljutenica). Seu restaurante utiliza apenas vegetais cultivados em casa, e ela não compra bebidas gaseificadas. Em vez disso, faz sucos de pêssego, dente-de-leão e sabugueiro.
Quando questionada sobre como se descreveria, Rukie diz que “o seu caminho tem sido espinhoso, mas é bem-sucedido porque a levou ao que sempre quis fazer”.
Esta é a primeira de uma série de três partes. A segunda e terceira partes serão publicadas nos dias seguintes.