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Não vim para flertar, mas para comprar limões

Categorias: América Latina, Colômbia, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Ideias, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, The Bridge, Pride 2022: Community resistance

Imagem [1] licenciada sob CC0 [2]

Vivências cotidianas podem ser desafiadoras para uma mulher diversa, e até mesmo fazer compras pode ficar complicado. Sou alvo de atitudes tóxicas, que vão desde olhares maliciosos até agressões físicas. E continuo me perguntando, por quê? O que fiz de tão ruim para ser tratada desse jeito?

Os mesmos comportamentos se repetem constantemente com o motorista do ônibus, o guarda do prédio ou o dono da mercearia.

Um exemplo disto é o que acontece quase sempre que saio para comprar limões. Eu digo olá, mas não recebo um cumprimento de volta; eu enfrento hostilidade automaticamente. E, se eles respondem, dizem algo como “o que você quer?”. O que eu quero é não ser tratada agressivamente. E quero os limões, é claro.

Em outro momento, pensei que queria ser tratada do mesmo jeito que são tratadas as outras mulheres que compram na loja. Mas então pensei nas cantadas indesejadas dadas pelos donos das lojas em suas vizinhas e sobre como ficam contrariados se elas não sorriem e flertam de volta. Não quero isso também. Vou dizer de novo: só quero ser tratada com respeito.

Por experiência própria, posso dizer que as pessoas veem minha expressão de gênero como uma piada ofensiva, e já me preparo para ser tratada como homem. Essas pequenas agressões são inevitáveis, e na maioria das várias vezes prefiro fingir que nada aconteceu. Pela mesma razão, evito fazer perguntas ou comentários dão a possibilidade de me tratarem erroneamente como homem por meio da linguagem.

Então, em vez de perguntar se eles têm limões, porque sei que responderiam “sim/não, senhor”, prefiro dizer algo como “onde posso encontrar limões?”. Porque, de novo, o que eu quero é comprar limões e não dar ao dono da loja uma oportunidade de expressar sua odiosa opinião sobre minha vida.

E quando é hora de pagar, eles dão a impressão de que estão me fazendo um favor especial, a julgar pelo olhar em seus rostos, como se estivessem me dando limões de graça ou fosse sair correndo com eles. Ou quando estou na fila, os caixas agem como se eu não estivesse ali e dizem às pessoas atrás de mim para avançarem. Então, a mulher que sou reclama: estou aqui primeiro!

Também já tive os itens que estava comprando jogados em mim. Quando isso acontece, além de ser humilhada porque tenho que recolher os limões do chão, me pergunto por que me tratam desse jeito. O termo “masculinidades frágeis” me vem à mente, e tento aplicar o que aprendi sobre isso neste contexto.

Falo com outras mulheres que estão no processo de transição e descobrimos experiências em comum. Os homens que nos atendem acham que é um favor, mas há algo mais por trás disso. Sentem que estamos ferindo seu ser masculino. Pensam que se eles interagirem com mulheres como nós vão se tornar homossexuais, vão se tornar gays.

Para eles, a palavra “homossexual” é um termo ambíguo que reflete as suas incompreensões com relação a qualquer pessoa, homem ou mulher, que se veste de uma forma que não aprovam. Para eles, não somos mais do que “bichas disfarçadas”. Mas eles não parecem achar que somos muito “homossexuais” quando insinuam que estamos cegamente desesperadas para dormir com qualquer homem que apareça em nosso caminho.

A narrativa “respeito homossexuais, mas não quero ter nada a ver com eles” significa que qualquer interação com alguém que se desvia de seus padrões preconceituosos é interpretada como uma atração física ou sexual. Se perguntamos ao motorista de ônibus sobre o itinerário, ele vai achar que estamos flertando, e ele responde como se tivéssemos dado um soco nele.

São tão limitadas as suas compreensões sobre o mundo que, em primeiro lugar, não param para pensar que o mundo não gira em torno deles. Segundo, uma pessoa normal não pensa que qualquer um que cruza seu caminho é um potencial parceiro sexual. E terceiro, nem todos têm atração por homens, e quem é atraído por homens não sente atração por todos eles.

Gostaria de ver o dia que, ao ir a um lugar, os guardas me tratem com respeito sem me examinar de cima a baixo, respeitem o nome com o qual me identifico e não me chamem como bem entenderem. Mas, acima de tudo, sem agressão física e sem ataques à minha sexualidade.

Gostaria de ver o dia que meu chefe não me chame em seu escritório para falar que o jeito que me visto confunde as pessoas, mas, em vez disso, ouvir que me apoia e que não vai tolerar comportamentos desrespeitosos com relação a mim. Espero, sim, que um dia que me chame para me falar sobre uma promoção no trabalho, não sobre meus genitais.

Espero que chegue o dia que comprar limões seja só isso, e que a loja não se transforme em mais espaço onde as pessoas são tratadas de acordo como que elas supostamente têm debaixo das saias. As pessoas que compram limões não são pênis ou vaginas com pernas; são pessoas.