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Como a música highlife igbo nigeriana trouxe esperança após uma guerra civil devastadora

Categorias: África Subsaariana, Nigéria, Arte e Cultura, Etnia e Raça, Mídia Cidadã, Música, A journey into African music

Jovem igbo tocando Abia (tambor). Imagem de Ou Travel and Tour [1], usada com permissão.

Leia a primeira parte desta série sobre os pioneiros da música highlife igbo aqui [2].

O highlife igbo proporcionou conforto e esperança para os igbos, grupo étnico que vive principalmente no sudeste da Nigéria, depois de uma guerra civil devastadora que terminou em 1970.  Diante dessa agonia, os músicos de highlife trouxeram consolo ao encapsularem as provações de seu tempo com um apelo para persistirem apesar das dificuldades prevalecentes. Durante os anos 1980 e 1990, o highlife igbo continuou a evocar o clima peculiar da época.

A guerra civil nigeriana eclodiu após o golpe de 1966 [3] que tentou derrubar um chefe de Estado do norte, liderado por oficiais igbo. A reação do golpe provocou um massacre de igbos e outros sulistas que viviam no norte da Nigéria. Imediatamente depois, a violência resultou em “mortes que chegaram a 30.000″, forçando “mais de 1 milhão” de igbos a fugir de volta para “a Região Leste”, de acordo com um estudo [4] de Helen Chapin Metz, pesquisadora da Biblioteca Americana do Congresso. Os igbos reagiram com a separação da Nigéria, criando a República de Biafra. Isso culminou na guerra civil Nigéria/Biafra de 1967-1970, que resultou na morte de “mais de um milhão de igbos étnicos e outros povos do leste”, explica [5] Chima J. Korieh, professor de História Africana na Universidade Marquette dos Estados Unidos.

Música highlife igbo pós-guerra civil

A guerra civil enviou mais de um milhão de [4] igbos, espalhados pela Nigéria, de volta para a região leste. Isso criou um highlife entrincheirado no leste [6], conta Oghenemudiakevwe Igbi, um acadêmico nigeriano. A mudança de código das letras do igbo para o inglês tornou o gênero highlife “um produto aculturado da música tradicional” da cultura igbo, de onde floresceu, afirma [7] Ikenna Onwuegbunna, um estudioso da música nigeriana.

Após a guerra civil nigeriana, de 1967 a 1970, os igbos estavam totalmente destruídos, tendo perdido suas vidas e meios de subsistência. O mantra oficial [8] do pós-guerra civil “sem vencedor, sem vencido” capturava o compromisso do governo com a reintegração de biafrenses no estado nigeriano. Contudo, a dura realidade era que o próprio governo nigeriano determinou que [9] “£20 fossem pagas a todos os titulares de contas bancárias biafrenses, independentemente do saldo das contas antes da guerra”. Isso prejudicou os sobreviventes da guerra talvez até mais do que o conflito real.

A música highlife igbo, representada pela banda Oriental Brothers International, oferecia um raio de luz em meio à realidade sombria. 

A banda Oriental Brothers International

Vinil original nigeriano (Afrodesia label [10]) da Oriental Brothers International (1976). 

Os irmãos Opara, Godwin Kabaka Opara, Ferdinand (Dan-Satch) Emeka Opara, Christogonous Ezebuiro “Warrior” Obinna e Kabaka Opara, juntamente com Nathaniel “Mangala” Ejiogu, Hybrilious Dkwilla’ Alaraibe e Prince Ichita, fundaram a The Oriental Brother em 1972. No final da década, o grupohavia lançado [11] 20 álbuns.

Uma das bandas mais bem-sucedidas da Nigéria, a The Oriental Brothers, desempenhou um “papel espiritual” fundamental em manter os igbos “sãos”, após o trauma provocado por uma “guerra tão cruel”, de acordo com o [12] All Music, um banco de dados global de música.

Infelizmente, após uma briga pela liderança com Dan-Satch [13] e com a saída de Kabaka em 1977 para formar a Kabaka International Guitar Band, a banda se separou. Três anos depois, Warrior também começou a carreira solo, formando a Dr. Sir Warrior and The Original Oriental Brothers. Anos depois, o grupo se reuniu [12] para gravar dois álbuns: “Anyi Abiala Ozo [14]” (1987) e “Oriental Ge Ebi [15]” (1996).

Da esquerda para a direita: Dan-Satch e Warrior, capa do álbum Oriental Brothers.

Em março de 2015, Dan-Satch Opara deu alguns insights sobre a inspiração para algumas das músicas da Oriental Band Brothers, durante uma entrevista para o The Nitch, um jornal on-line de entretenimento nigeriano. Por exemplo, “Ihe chi nyere m, onye a nana m” [16] é uma tradução literal do aforismo filosófico igbo, “que ninguém deve arrancar o que Deus me deu (ou outra pessoa)”. “Ebele onye uwa” [17], continua Dan-Satch [13], foi uma “premonição da separação da Oriental Brothers”.

Outra música, “Iheoma” [18] foi sobre o prêmio Udoji de 1975. Em 1972, Jerome Udoji [19] foi o chefe da comissão encarregada pelo governo de reformar o serviço público pós-colonial e pós-guerra da Nigéria. A estrutura salarial aprimorada para funcionários públicos proposta [20] pela comissão foi posteriormente conhecida como o “prêmio Udoji”. Portanto, “Iheoma” ridicularizava a não inclusão dos músicos no pacote de ampliação salarial. Dan-Scotch explica [13]: “Algumas pessoas ganharam muito dinheiro e compraram motos ou carros. Nada foi dado a nós, músicos […] apesar da nossa contribuição para a felicidade do povo”.

A banda se destacou pela mistura única de instrumentação de guitarra congolesa com ritmos tradicionais igbos. As interpretações musicais comoventes e terapêuticas dominaram as rádios até os anos 1980. A The Oriental Brothers enfatizava a necessidade de uma vida pacífica e harmoniosa. “A maioria dos temas das canções foram extraídos de experiências da guerra mesclados aos ricos provérbios igbo”, sustenta [21] Amaka Obioji, jornalista do Legit, um site de notícias on-line nigeriano. 

Ozoemena Nsugbe’s egwu ekpili

Os tradicionais instrumentos musicais nigerianos egwu ekpili. Da esquerda para direita: Ichaka, ubọ aka, Ichaka e ọkpọkọrọ (também chamado de ekwe nta ou ekwe aka). Imagem de Giovana Fleck/Global Voices.

Egwu ekpili é um gênero de música tradicional igbo [22] predominante entre os igbos de Ọnịcha, Nsugbe, Nteje, Aguleri, no estado de Anambra, sudeste da Nigéria. Esse gênero é caracterizado pelo repertório de chamada e resposta. Essa música popular igbo “insere metáforas convencionais e conceituais para articular identidades e ideologias igbo proeminentes”, observa [23] Ebuka Elias Igwebuike, um estudioso da língua e da literatura nigerianas. Os instrumentos musicais ọkpọkọrọ (também chamado de “ekwe nta” ou “ekwe aka“), ịchaka e ubọ aka – instrumentos musicais egwu ekpili – remontam a cerca de 950 d.C. [24] nas sociedades tradicionais igbo. 

Capa do álbum de Akunwata Ozoemena Nsugbe.

Esse gênero foi integrado à música Igbo highlife com a guitarra e o piano predominantes [25], juntamente com a tradicional instrumentação ekpili igbo. Akunwata Ozoemena Nsugbe [26], que começou a cantar em 1967, e Chief Emeka Morocco Maduka [27], popularmente conhecida como “Eze Egwu Ekpili“, são alguns dos notáveis cantores de egwu ekpili. Os temas de suas canções eram principalmente filosóficos e moralistas.

Zigma Sound, uma fusão de highlife, música folclórica e vocais

Capa do álbum de Bright Chimezie

Bright Chimezie [28] promoveu uma mistura de música tradicional igbo, highlife e vocal por meio de seu Zigma Sound, que era popular no início dos anos 1980. Lembrado por seus dentes espaçados, Chimezie, apelidado Okoro Junior pelos fãs, manteve a cena musical nigeriana encantada com seu impressionante trabalho em inúmeras apresentações ao vivo.

O falecido jornalista nigeriano, Amadi Ogbonna, escreveu sobre [29] Chimezie:

His breathtaking performance on stage also endeared him to the crowd wherever he performed. A very creative musician, Bright Chimezie was able to infuse comedy into his songs. Songs like ‘Respect Africa, [30]’ ‘Okro Soup’ and ‘Oyibo Mentality [31]’ propelled him to national stardom.

Sua performance de tirar o fôlego no palco também cativava a plateia onde quer que ele se apresentasse. Um músico muito criativo, Bright Chimezie foi capaz de infundir comédia em suas canções. Músicas como ‘Respect Africa’, [30] ‘Okro Soup’ e ‘Oyibo Mentality [31]’ o impulsionaram ao estrelato nacional.

Chimezie, um forte adepto da “cultura e tradições africanas”, afirma [32] em uma entrevista de 2010 que usou a música para contar histórias de forma criativa. “A mensagem que estou tentando passar para as pessoas de lá é que devemos ter muito orgulho de onde viemos. O tipo de comida que comemos, o jeito que nos vestimos”, disse.  

Esses músicos do highlife que buscam inspiração na identidade igbo se aprofundaram nas questões existenciais enquanto, ao mesmo tempo, ofereceram entretenimento para seus fãs. Chimezie sustenta [32] que havia “uma filosofia” em sua música, evidente no “contexto lírico” que contava a história do povo. A fusão de instrumentos musicais ocidentais e igbo também deu às suas canções uma validade popular que ainda é moderna e única.

Encontre a playlist do Spotify da Global Voices destacando outras canções nigerianas igbo do gênero highlife aqui [33]. Para mais informações sobre música africana, consulte a nossa cobertura especialA [34]Journey into African Music [34]

Aqui está uma playlist de highlife igbo dos anos 1970 aos anos 1990: