Ásia Central teme aumento da militância no Afeganistão com invasão da Ucrânia pela Rússia

Combatentes do Talibã. Captura de tela do canal Vice News no YouTube.

Em 8 de maio de 2022, o governo do Afeganistão, liderado pelo Talibã, informou que está investigando o ataque de foguetes do Estado Islâmico (EI) ao Tajiquistão a partir da província afegã de Takhar, já que o EI admitiu ter disparado oito foguetes em 7 de maio em direção a “alvos militares não especificados no Tajiquistão”. Em reação, oficiais tadjiques mencionaram, com cautela, balas disparadas acidentalmente durante uma batalha entre as forças talibãs e militantes do EI no lado afegão da fronteira, mas mantiveram a prontidão operacional de suas tropas fronteiriças. Com a crescente tensão na região, pode-se concluir que a lua de mel do Talibã terminou definitivamente, em relação aos vizinhos da Ásia Central.

De acordo com certas percepções, o Talibã poderia considerar a Rússia como empacada na guerra com a Ucrânia, tornando o momento ideal para pressionar os Estados da Ásia Central a fazer concessões políticas. O Tadjiquistão, um país que criticou abertamente o novo governo talibã, poderia ser um alvo importante. Desde o início da conquista do Talibã, em agosto de 2021, o governo tadjique, apoiado por uma presença militar russa, recusou-se a estabelecer comunicação com o Talibã. A capital Dushanbe não reconheceria o domínio do Talibã, enquanto o novo governo continuasse a excluir os tadjiques étnicos, que constituem 1/4 da população do Afeganistão.

Essa pressão não se limitou de forma alguma ao uso da força, uma vez que as ameaças verbais, dirigidas a seus vizinhos, tornaram-se comuns na política afegã. Assim, em 6 de maio de 2022, Gulbuddin Hekmatyar, ex-primeiro-ministro e líder do partido pró-talibã Hezb-e Islami, declarou que o Tadjiquistão praticamente declarou guerra ao Afeganistão ao fornecer abrigo à oposição afegã. Portanto, em retaliação, o Afeganistão deveria oferecer refúgio à oposição tadjique. Ele fez seu ameaçador discurso em Dari, uma língua intimamente relacionada ao Tadjiquistão, após seu encontro com Amir Khan Muttaqi, o ministro interino das Relações Exteriores do Talibã, descrevendo o Tadjiquistão como fraco, pequeno e frágil (ضعیف، کوچک، شکننده).

Não é surpresa que ameaças e ataques contra o Tadjiquistão ocorreram em meio a relatos de confrontos na província nordeste de Panjshir, entre as forças talibãs e a Frente Nacional de Resistência do Afeganistão, a aliança anti-talibã dominada pela etnia tadjique que abriu um escritório de representação no Tadjiquistão em outubro de 2021. Além disso, o Tadjiquistão foi o terceiro país que mais acolheu refugiados afegãos registrados (depois do Paquistão e Irã), e é o quarto destino dos afegãos recém-chegados desde 2021 (depois do Paquistão, Irã e Uzbequistão).

Vista do Vale de Panjshir, no Afeganistão. Foto de UN Photo/Homayon Khoram, via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

Anteriormente, em 18 de abril de 2022, a província islâmica de Khorasan (ISKP), ativa associada do EI principalmente no Afeganistão e Paquistão, alegou ter lançado um ataque com foguetes contra uma base militar no Uzbequistão, perto da cidade de Termez, mas as autoridades uzbeques logo desmentiram as afirmações de forma semelhante à do Tadjiquistão.

Já em janeiro de 2022, o ministro da Defesa do Talibã, Mohammad Yaqoob, filho do mulá Omar, fundador do Talibã, exortou tanto o Tadjiquistão quanto o Uzbequistão a devolver ao Afeganistão os aviões militares levados para lá pelos pilotos treinados pelos EUA da Força Aérea Afegã, que fugiram para a Ásia Central junto com a retirada das tropas dos EUA em agosto de 2021, solicitando a eles que não testassem sua paciência e não os obrigassem a tomar “adotar possíveis medidas de retaliação”. Diante disso, em 10 de janeiro de 2022, na conferência da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) da aliança militar liderada pela Rússia, o presidente tadjique, Emomali Rahmon, advertiu seus colegas chefes de Estado sobre mais de 40 campos de treinamento para terroristas localizados no noroeste do Afeganistão, abrigando mais de 6.000 militantes, e acrescentou que alguns na Ásia Central têm compartilham da mesma opinião.

Improvável aproximação da Rússia com o Talibã

De fato, a partir do momento do colapso do governo afegão, após a retirada das tropas dos EUA e aliadas e da rápida tomada do poder pelo Talibã, os três estados da Ásia Central que fazem fronteira com o Afeganistão: Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, pretendiam defender suas fronteiras por meio do reforço da segurança e da diplomacia, confiando, principalmente, nas iniciativas russas. Nesse cenário, durante a consulta em Moscou, em 8 de julho de 2021, a Rússia parecia mesmo ter conseguido obter uma promessa do Talibã de não violar as fronteiras dos Estados da Ásia Central. Contudo, deve-se notar, que na mesma reunião o Talibã assegurou sua disponibilidade para respeitar os direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres, mas com o passar do tempo foram sendo adotadas políticas mais duras em relação às mulheres, forçando-as a cobrir o rosto, restringindo o trabalho e a educação. Mais tarde, os diplomatas afegãos, representando o governo Talibã, receberam credenciamento no Ministério das Relações Exteriores da Rússia, enquanto a embaixada afegã em Moscou foi entregue ao Talibã.

Mulheres na votação eleitoral em Kabul, no Afeganistão, 20 de Agosto de 2009. Foto de UN Photo/Eric Kanalstein, via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

Embora o reforço da segurança na região, após a conquista do poder pelo Talibã, a Rússia, com uma grande base militar no Tajiquistão e envolvida em equipar e treinar as tropas tadjiques da fronteira durante décadas, inicialmente não viu necessidade de envolver as forças da OTSC na proteção da fronteira com o Afeganistão, destacando, por outro lado, a necessidade de equipamentos militares e assistência técnica. No entanto, em agosto de 2021, a Rússia realizou um exercício militar conjunto com tropas tadjiques e uzbeques no campo de treinamento de Kharbmaidon no Tajiquistão, próximo à fronteira afegã, modernizando, nesse meio tempo, o equipamento militar de sua base. Mais tarde, em outubro de 2021, a OTSC realizou exercícios militares no Tajiquistão, envolvendo tropas da Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tajiquistão.

Após a invasão russa da Ucrânia

Entretanto, a invasão russa da Ucrânia e sua brutal conduta de guerra, muitas vezes comparada ao fracasso soviético no Afeganistão, fez com que até mesmo os talibãs os instassem a “desistir de tomar posições que poderiam intensificar a violência”, deslocando o equilíbrio estratégico de poder na região para longe da Rússia.

Não apenas faria o Talibã deixar de ser o agressor mais proeminente do mundo e desviaria a atenção ocidental do Afeganistão, mas também poderia eventualmente desobrigar o Talibã de seus acordos de segurança com a Rússia, que agora não tem “dinheiro ou força militar sobrando” devido a sanções e fracassos militares, e assim não pode desempenhar um papel vital na busca de reconhecimento internacional do Talibã.

Do ponto de vista militar, os planos da Rússia de rearmar suas bases militares no Quirguistão e Tajiquistão até o final de 2022, bem como o ambicioso programa de parceria estratégica da Rússia com o Cazaquistão para 2022-2024, agora parecem todos vagos, já que, logo após algumas semanas da guerra da Ucrânia, a Rússia supostamente pediu ajuda militar e econômica à China. A Ucrânia alegou que a Rússia poderia tirar algumas tropas de sua base na Armênia, enquanto a retirada de tropas e mercenários da Síria e da Líbia para reforçar sua campanha ucraniana, abriu as portas para oportunidades estratégicas para pequenas e maiores potências na região.

Tanque russo destruído na Ucrânia. Captura de tela do canal da BBC News no YouTube.

Em meio a estes desenvolvimentos, os Estados da Ásia Central, cujas economias começaram a sofrer mesmo antes da guerra russo-ucraniana, estão agora ameaçadas com o aumento da violência e da instabilidade no Afeganistão, o que ativou grupos militares, incluindo o ISKP que realizou ataques ao Tadjiquistão e ao Uzbequistão. Alguns desses grupos recrutam extensivamente tadjiques e uzbeques e realizam campanhas de mídia e propaganda em línguas da Ásia Central, proclamando a “grande jihad para a Ásia Central”. Além disso, alguns até os consideram como ataques do Talibã executados através da filial local do EI, já que a filial estabeleceu vínculos com a Rede Haqqani, o ramo do Talibã.

No momento, enquanto os fracassos militares da Rússia na Ucrânia e seu isolamento econômico e político deixaram os estados da Ásia Central sozinhos com seus temores de aumento da militância islâmica no Afeganistão, as notícias sobre o longo confronto entre as forças talibãs e as tropas fronteiriças tadjiques, de 15 de maio de 2022, começaram a quebrar o silêncio que durou apenas uma semana. Por outro lado, o presidente russo Vladimir Putin parece expropriar a cúpula da OTSC, que começou em Moscou em 16 de maio de 2022, para expressar suas queixas sobre o “ódio do neonazismo na Ucrânia”, encorajado pelo Ocidente, e ameaçar a Finlândia e a Suécia por suas intenções de aderir à OTAN, em vez de realmente lidar com a ameaça afegã.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.