Perto de novo Censo, brasileiros discutem inclusão de orientação sexual e gênero na pesquisa

Bandeiras LGBTQIA+ sendo estendidas | Image: Uso autorizado sob licença Unsplash

Bandeiras LGBTQIA+ na Parada de Londres, em 2019 | Foto: Daniel James/Uso autorizado sob licença Unsplash

Uma decisão da Justiça Federal do estado do Acre, do dia 3 de junho de 2022, determinou que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inclua, no próximo Censo Demográfico, questões referentes a orientação sexual e identidade de gênero da população do Brasil. Porém, ela acabou suspensa por uma corte superior cerca de 20 dias depois.

A decisão atendia a um pedido do Ministério Público Federal do estado da região norte, mas poderia passar a valer para todo o país. Segundo o canal de notícias Globo News, a ação apresentada diz que a ausência destas perguntas “configura um real impedimento para a formulação de políticas públicas que atendam as necessidades da população LGBTQIA+”.

O IBGE diz que só irá se manifestar sobre a suspensão depois que a Advocacia Geral da União tiver examinado a mesma.

A questão coloca em debate no Brasil a necessidade de inclusão e, ao mesmo tempo, a chance de adiamento da pesquisa sobre o cenário da população brasileira por falta de recursos na operação. O último censo foi realizado em 2010.

Uma proposta semelhante já havia sido apresentada no ano passado pelo senador Fabiano Contarato — homossexual assumido, ele mesmo já foi alvo de ataques homofóbicos. O projeto de lei cita a invisibilidade da população LGBTQIA+ como parte do problema da falta de políticas do poder público para enfrentar a violência contra esse público.

“Sem dados completos, inequívocos, atuais e tratados estatisticamente, continuaremos mantendo apagadas as identidades desses indivíduos e nos recusando a reconhecer que existe um problema público de exclusão social e produtiva de uma parcela considerável da população brasileira”, diz o projeto de lei apresentado pelo senador.

No site do Senado, 291 pessoas se colocaram a favor da proposta, enquanto 218 se manifestaram contrárias, até 28 de junho.

Decisão judicial

Na ação, o IBGE citou um processo anterior, que teve decisão da Justiça federal no sentido contrário: pela não inclusão dos campos de identidade de gênero e orientação sexual no levantamento.

O juiz federal Herley da Luz Brasil, porém, afastou a interferência da decisão anterior na atual e avaliou que, se há quatro anos o IBGE não possuía metodologia de referência para viabilizar o pedido, como explica o site Conjur, isso mudou:

Ocorre que, já no ano de 2021, a Inglaterra e o País de Gales criaram e aplicaram metodologias próprias em seus censos, aptas a quantificarem a população LGBTQIA+.

(…) em 2022 temos diversos exemplos internacionais de Estados que incluíram quesitos relativos à matéria em seus censos, a saber, Reino Unido, Canadá, Escócia e Nova Zelândia, o que demonstra que é possível a indagação da população sobre o tema.

O juiz diz ainda que “caso seja necessário, é bem mais provável ser menos prejudicial adiar-se o Censo por alguns dias do que se passarem mais 10 anos sem esses dados”.

Na ação, o MPF se manifestou dizendo:

O censo demográfico do IBGE ignora totalmente a identidade de gênero e a orientação sexual em seus questionários. Trata-se de uma verdadeira limitação em sua metodologia censitária, que, além de excluir importante parte da população brasileira do retrato real que deve ser demonstrado pela pesquisa, também restringe o alcance das políticas públicas que efetivam os seus direitos fundamentais.

O desembargador federal José Amilcar Machado, que suspendeu a decisão, afirmou que se baseou “aspectos gerenciais e temporais”, segundo o site G1, já que o início do Censo está próximo e “sua não ocorrência acarretaria mais males do que benefícios à população”. Ele ressalta, no entanto, que é “imprescindível” ter as questões nos próximos censos.

Visão da comunidade LGBTQIA+

Há 13 anos no topo da lista de países que mais matam pessoas trans no mundo, conforme relatório publicado pela Transgender Europe (TGEU), o Brasil se consolidou como um dos países que mais registra casos de violência contra pessoas LGBTQIA+.

O Censo — que já vinha sendo adiado nos últimos anos por questões como a pandemia do COVID-19 e orçamento — é a principal pesquisa responsável por definir os rumos e as medidas que o Governo Federal deve tomar frente às necessidades da população.

Erika Hilton, presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo, primeira vereadora trans na maior metrópole da América Latina e ativista dos direitos LGBTQIA+, comentou em suas redes sociais à época da decisão:

Ativistas, como a vereadora do Rio de Janeiro Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, criticaram a derrubada da decisão no dia 27:

A ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) chamou a resistência do IBGE em adotar as medidas de “LGBTIfobia institucional”:

O lado do IBGE

Cerca de uma semana depois da decisão, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística afirmou que:

A menos de dois meses do início da operação do Censo Demográfico 2022, não é possível incluir no questionário pergunta sobre “orientação sexual/identidade de gênero” com técnica e metodologia responsáveis e adequadas —  muito menos com os cuidados e o respeito que o tema e a sociedade merecem.

O instituto alega que adicionar novas questões demandaria alterar a metodologia utilizada e ocasionaria um aumento de recursos federais que ultrapassariam o orçamento — de cerca de R$ 2,3 bilhões (US$ 450 milhões) — previsto para o Censo 2022.

O IBGE diz ainda que “um Censo não pode ser levado a campo partindo de um questionário não estudado, não testado e com equipe não devidamente treinada”.

Há pessoas LGBTQIA+ que também não concordam com a decisão judicial, colocando entre os pontos contra o fato de que nem sempre as pessoas assumiram para a família ou publicamente sua orientação sexual ou identidade de gênero:

O IBGE ainda defendeu que questões sobre a comunidade LGBTQIA+ podem ser abordadas em outras pesquisas, com diferentes metodologias e objetivos, alegando que as questões são inseridas em levantamentos previstos para 2023, como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua e Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde.

Dados hoje

Em maio, o IBGE divulgou os resultados referentes ao primeiro levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) — um inquérito de saúde de base domiciliar — que incluiu uma questão relacionada à orientação sexual dos entrevistados.

Realizada em 2019, investigando o tema de forma experimental e por meio da autoidentificação pela primeira vez, a pesquisa concluiu que 2,9 milhões de adultos no Brasil se declararam homossexuais ou bissexuais — o país tem uma população estimada em 214 milhões de pessoas.

A pesquisa busca abarcar temas que envolvem a saúde da população e seus impactos no serviço público:

Em entrevista ao G1, Lucas Costa Almeida Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal no Acre, pontuou:

A PNS se depara com as limitações de uma coleta direcionada a um tema específico (saúde) e é realizada em apenas 108 mil domicílios. Por outro lado, o censo demográfico inclui toda a população brasileira e poderá traçar um retrato fidedigno do perfil social, geográfico, econômico e cultural das pessoas LGBTQIA+ no Brasil, porque cobre pequenas áreas geográficas e grupos populacionais que poderiam ser perdidos ou deturpados em pesquisas menores, como a PNS.

A pesquisa do censo brasileiro tem previsão de início em agosto.

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