Para Usha Rani Das, de 98 anos, do estado de Tripurá [3], no nordeste da Índia, durante a maior parte de sua vida, a eletricidade em sua casa foi um luxo raro. Sua aldeia natal de Bikrampur, no remoto distrito de West Tripura [4], embora conectada à rede elétrica convencional, encontra-se frequentemente mergulhada na escuridão por longos e incertos períodos.
Mas a nonagenária agora desfruta alegremente de luz ininterrupta em sua casa. A tecnologia que tornou isso possível foi o micro domo solar [6] (Micro Solar Dome, MSD) energizado pela luz solar abundante em sua aldeia.
“Toda a minha vida, a luz tinha sido principalmente lâmpadas de querosene acessas após o pôr do sol, mas agora minha casa está muito iluminada”, disse Usha à Global Voices em uma entrevista por telefone.
O Departamento de Ciência e Tecnologia (DTS) do governo indiano financiou esses domos como parte de um programa para levar luz e eletricidade a algumas das moradias rurais remotas da Índia. Cada unidade custa 2.000 INR (cerca de USD 26), embora o DTS financie 1.500 INR (USD 19), deixando os beneficiários arcarem com 500 INR (USD 6) por unidade.
Os panchayats (conselhos de aldeias) locais prepararam a lista de beneficiários, identificando as famílias necessitadas com base na situação econômica e acesso à energia.
Este sistema de iluminação único é ideia do “homem solar” da Índia Santipada Gon Chaudhuri [7]. Pesando apenas 350 gramas, o aparelho fornece luz durante o dia e à noite. Ele é instalado no telhado da casa do beneficiário e integrado a dois painéis fotovoltaicos de 3 watts de cada lado, que captam a luz do sol, convertendo-a em eletricidade.
Embora todas as aldeias na Índia estejam conectadas à rede elétrica [8] de alguma forma, nem todas as famílias dispõem de energia. Atualmente, mais de 20% das pessoas na Índia não têm acesso [9], ou têm acesso limitado, à eletricidade devido ao fornecimento irregular ou de baixa qualidade.
“Isso ocorre porque essas famílias não podem pagar as contas de eletricidade e, portanto, não optaram por conexões; ou suas aldeias são em locais muito isolados, onde é caro instalar, manter ou reparar linhas de transmissão/distribuição”, disse Gon Chaudhuri em uma entrevista para a Global Voices.
O MSD, portanto, leva a luz facilmente ao alcance de famílias anteriormente desprovidas. Este projeto de 110 milhões de rúpias indianas (USD 1,4 milhão) foi desenvolvido pelo NB Instituto de Tecnologia Rural [10] (NB Institute for Rural Technology, NBIRT) — um instituto de pesquisa que trabalha com energia limpa liderado por Gon Chaudhuri, em colaboração com o Instituto de Tecnologia da Índia [11] (Indian Institute of Technology, IIT) de Kharagpur.
Até agora, o dispositivo foi instalado em cerca de 44.000 residências [13] em 12 estados indianos desde 2019.
Cada dispositivo MSD possui dois domos acrílicos hemisféricos transparentes. O domo superior capta a luz solar que passa através de uma estrutura tubular oca chamada “tubo solar”. Suas paredes são revestidas com material altamente refletivo que pode iluminar uma sala escura durante o dia.
Há um obturador abaixo do domo inferior que pode ser fechado se a luz não for necessária.
O domo inferior está equipado com luzes LED para uso noturno. A iluminação é fornecida por uma bateria de íons de lítio de 7,4 volts (V) com capacidade de 4,4 ampère-hora (Ah) que é carregada pelos dois painéis solares fixados nos telhados das casas. O sistema de iluminação de 3 watts de capacidade (equivalente à incandescência de uma lâmpada de 40 watts) pode funcionar por cerca de seis horas.
Além disso, o sistema possui uma entrada USB para carregar celulares. Alternativamente, também pode ser conectado a uma rede convencional para iluminação noturna.
Após a inovação do produto pelo NBIRT, o papel do Instituto de Tecnologia da Índia (IIT) foi de “socialização do produto com os beneficiários”, disse Priyadarshi Patnaik à Global Voices em entrevista por e-mail. Patnaik é professor de Humanidades e Ciências Sociais, liderando a equipe de pesquisa do IIT sobre MSD.
A equipe treinou os beneficiários sobre como usar o dispositivo e explicou como ele pode ajudá-los a atender às suas necessidades. “O objetivo era implantar e explorar respostas para identificar estratégias que pudessem tornar o MSD adequado em diversos contextos/culturas”, explicou Patnaik.
Essas práticas ajudaram a mudar a vida de aldeões como Bahamuni Murmu, da remota aldeia florestal de Surgidanga, no distrito de Bankura, Bengala Ocidental, que agora pode trabalhar após o pôr do sol e aumentar sua renda. “Com os produtos florestais que colho durante o dia, faço vassouras ou teço tapetes com a luz durante a noite, que posso vender no dia seguinte”, contou ela à Global Voices por telefone.
Por outro lado, Sukumoni Tudu, da aldeia de Kharujhor no mesmo distrito, está encantada por ver seus filhos estudarem até altas horas da noite sob a luz do MSD. “Também podemos carregar nossa lanterna ou até ter uma luz LED de 1 W extra na nossa casa com a entrada USB para várias outras atividades”, disse.
A equipe técnica também adicionou modificações inovadoras para atender às necessidades dos moradores, como incluir rádio FM no sistema. Isso foi especialmente útil para aldeias propensas a desastres na costa de Odisha, o que os ajudou a receber alertas antecipados sobre o clima e a se preparar para emergências, informou Patnaik.
O micro domo solar é o primeiro dispositivo de iluminação solar híbrido do mundo. Ele usa uma combinação de energia passiva (luz solar direta) e energia ativa (luz solar convertida em energia). Cada unidade do sistema reduz pelo menos 27 quilos de emissões de gases do efeito estufa por mês, explicou Chaudhuri.
O NBIRT treinou as comunidades locais para conservação e manutenção dessas unidades. De acordo com o instrutor mestre Tanmay Singha Mahapatra, os jovens da aldeia, com a ajuda de organizações sem fins lucrativos locais experientes, foram instruídos a instalar os aparelhos e a solucionar pequenas falhas.
“O MSD, no entanto, tem manutenção muito baixa. É necessária apenas a limpeza regular dos domos e dos painéis fotovoltaicos”, disse Mahapatra. Enquanto a bateria dura cerca de 18 meses, os painéis solares fotovoltaicos têm uma vida útil de 25 anos.
Enquanto isso, organizações como o Conselho Internacional de Inovações Solares (International Solar Innovations Council, InSIC) estão desenvolvendo mais inovações com o MSD. Em um projeto localmente chamado “Shaurya Radhuni” (forno solar) a capacidade da bateria é aumentada para 7 Ah e o dispositivo é conectado a um ventilador.
Este sistema está integrado em um fogão sem fumaça com baixo consumo de combustível. “A energia do MSD, além de iluminar a área, também opera o ventilador, o que torna o cozimento mais rápido e menos poluente”, explicou Richik Ghosh Thakur, membro do conselho do InSIC, em entrevista por telefone.