A versão original desta matéria foi escrita por Klly Ho e publicada na imprensa livre de Hong Kong (HKFP) em 18 de abril de 2022. A seguinte versão editada é publicada na Global Voices sob um acordo de parceria de conteúdo com a HKFP.
O ex-secretário chefe de Hong Kong, John Lee, apresentou-se oficialmente na liderança da corrida do próximo mês após receber 786 indicações em 13 de abril de 2022. Com 64 anos ele é o único, em um pequeno círculo, com esperanças nas eleições agendadas para 8 de maio. Lee está no caminho certo para ser eleito o próximo chefe executivo pelos 1.462 membros do Comitê Eleitoral que ele elegeu no ano passado.
A nomeação de Lee marcará a primeira vez que um ex-policial do setor de segurança do governo assumirá a liderança da cidade. Conhecido por sua abordagem linha dura desde que assumiu o leme da Secretaria de Segurança em setembro de 2017, o mandato de Lee viu os protestos de 2019 e a subsequente promulgação da lei de segurança nacional imposta em Pequim.
Em junho passado recebeu uma promoção sem precedentes para o segundo maior cargo na administração, no qual ficou encarregado de presidir um comitê poderoso para garantir que os candidatos a eleição fossem patriotas chineses.
Sobre o projeto de lei de extradição de 2019
Como o então chefe de segurança, Lee teve um papel fundamental no impulso do malfadado projeto de lei de extradição de 2019, que desencadeou a mais grave agitação política e social da cidade em décadas. Ele se manteve firme ao passar a polêmica proposta que teria permitido que os fugitivos fossem entregues às autoridades chinesas do continente, apesar das críticas de que um julgamento justo poderia não ser garantido sob o sistema jurídico pouco transparente da China, e preocupações de que o acordo poderia ser usado para sufocar a dissidência.
O sistema atual continha “brechas” que o governo deve “consertar”, disse ele em 8 de maio de 2019.
We have been an ostrich for 22 years.
Temos sido um avestruz por 22 anos.
A resolução do governo de apresentar a lei de extradição resultou em manifestações e protestos em larga escala dois meses depois, quando mais de um milhão de honcongueses – segundo estimativa dos organizadores – foram às ruas em 9 de junho para exigir que a “lei do mal” fosse eliminada.
O projeto de lei foi suspenso dias depois que dezenas de milhares de manifestantes cercaram a sede do governo no Almirantado para atrasar o debate legislativo. Mas a recusa da chefe executiva, Carrie Lam, em retirar a emenda proposta desencadeou outra manifestação em massa em 16 de junho, desta vez com uma participação aproximada de quase dois milhões de pessoas.
A marcha histórica fez com que Lam e Lee pedissem desculpas ao público pelo manejar mal o projeto de lei em 29 de junho de 2019. Ele se comprometeu a “ouvir amplamente as opiniões” antes de pressionar por uma política no futuro.
We admit there were deficiencies in our work promoting the amendment bill. It triggered social conflicts, disputes and anxieties. We apologise for this.
Admitimos que houve deficiências em nosso trabalho de promoção do projeto de emenda. Isso desencadeou conflitos sociais, disputas e ansiedades. Pedimos desculpas por isso.
Contudo, as desculpas dos altos funcionários pouco fizeram para amenizar o descontentamento público, e a agitação em toda a cidade continuou a agitar Hong Kong durante meses, e as exigências dos manifestantes se transformaram em apelos mais amplos pela democracia.
A força policial enfrentou alegações de má conduta no uso de gás lacrimogêneo, caminhões de canhão de água, balas de borracha e balas reais para reprimir os protestos. Enquanto isso, manifestantes bloquearam estradas, atiraram tijolos e bombas de gasolina, e vandalizaram lojas.
Em resposta às acusações de que a polícia na linha de frente havia falhado em exibir seus cartões de identificação, dificultando a apresentação de queixas contra a força, em 19 de junho de 2019, Lee disse aos legisladores que os policiais não tinham espaço em seus uniformes para exibir as credenciais.
The design of the uniform leaves no space for displaying the police officer’s number.
O desenho do uniforme não deixa espaço para a exibição do número do policial.
Ele também exortou os cidadãos a não “descarregar” seu descontentamento com o governo contra a força policial.
Quase três meses após o tumulto sem precedentes, a então chefe executiva de Hong Kong, Carrie Lam, anunciou que iria formalmente suspender a lei.
À medida que a agitação continuava a se desenvolver, Lee e outros altos funcionários endureceram sua interpretação dos protestos, emitindo fortes condenações e caracterizando o movimento de 2019 como “tumultos” e “violência negra” em toda a cidade.
Sobre a segurança nacional
Como outros funcionários de Hong Kong, Lee apoiou a lei de segurança nacional (NSL) que entrou em vigor em 30 de junho de 2020. Ele saudou a legislação que visa a secessão, subversão, conluio com forças estrangeiras e atos terroristas como colocando o “caos da cidade sob controle” e restabelecendo a segurança em Hong Kong.
A força policial ganhou autoridade para interceptar comunicações, exigir que os provedores de serviços de internet retirem informações, assim como procurar e apreender material jornalístico. Em uma entrevista com Sing Tao, em julho de 2020, Lee disse que os poderes eram “apropriados”.
Em seu primeiro post no blog como secretário chefe, datado de 3 de julho de 2021, Lee deu sua palavra de que o governo lançaria um “esforço total” para combater o que ele descreveu como terrorismo local.
The violent riots that had taken place in Hong Kong since June 2019… had the more profound consequences of ruining people’s law-abidingness and breeding homegrown terrorism.
Os violentos protestos ocorridos em Hong Kong desde junho de 2019 tiveram as consequências mais profundas de arruinar a capacidade das pessoas de cumprir a lei e de criar o terrorismo caseiro.
Citando o “ataque do lobo solitário” a um policial durante o aniversário da entrega da cidade, o oficial advertiu que as homenagens ao suspeito que cometeu suicídio equivaliam a glorificar e encorajar um ato de terror. Foi como o “terrorismo doméstico” muitas vezes emergiu, alegou Lee, acrescentando que muitas vezes também poderia derivar do “incitamento ao ódio, à discórdia e à divisão”.
O então secretário chefe também comentou sobre o primeiro julgamento de segurança nacional de Hong Kong, no qual o réu Tong Ying-kit foi preso por nove anos por incitar a secessão e se envolver em atos terroristas. Lee disse que a sentença tinha que ser suficientemente dissuasiva para advertir o público a não infringir a lei.
[I]f anyone tries to challenge the Hong Kong National Security Law… it is tantamount to playing with fire and [they] will pay a heavy price…
Se alguém tentar desafiar a Lei de Segurança Nacional de Hong Kong… é o mesmo que brincar com o fogo e [eles] pagarão um alto preço…
Apple Daily e Stand News
Em seus últimos dias como chefe da Secretaria de Segurança, Lee congelou 18 milhões de HKD (US$ 2,3 milhões) de ativos do jornal pró-democracia Apple Daily, depois que a polícia de segurança nacional prendeu vários executivos seniores e invadiu a redação pela segunda vez em junho do ano passado. A ação forçou o tabloide, em operação a 26 anos, a fechar e imprimir sua última edição uma semana após as prisões.
O rápido desaparecimento do Apple Daily infligiu um “duro golpe” na liberdade de imprensa da cidade, disseram os críticos, mas Lee insistiu que o caso nada tinha a ver com “trabalho jornalístico normal” e, em 17 de junho de 2021, disse aos outros membros da imprensa para “manter distância” do Apple Daily.
Ordinary journalists are different from them… [for] anyone who tries to use journalistic work as a shield to engage in crimes endangering national security, the SAR government must use the strictest measures to clamp down [on them].
Os jornalistas comuns são diferentes deles… [para] qualquer um que tente usar o trabalho jornalístico como um escudo para se envolver em crimes que ponham em perigo a segurança nacional, o governo da RAE deve adotar as medidas mais rígidas de repressão [sobre eles].
Lee fez observações semelhantes quando o governo se apressou em um segundo canal de notícias que tinha uma inclinação pró-democracia em dezembro do ano passado. Sete pessoas ligadas ao jornal digital Stand News foram detidas por suspeita de infringir a lei de sedição da era colonial, com dois ex-editores de topo mais tarde acusados de conspirar para publicar publicações sediciosas.
O veículo independente fechou no mesmo dia das prisões e da batida policial, deletando todo o seu conteúdo.
Falando como secretário chefe, Lee pediu aos jornalistas que se distanciassem dos “elementos malignos” que “prejudicaram a liberdade de imprensa” em 29 de dezembro de 2019.
Professional media workers should recognise that these are the bad apples who are abusing their position simply by wearing a false coat of media worker… they will pollute press freedom.
Os jornalistas profissionais da mídia devem reconhecer que estas são as maçãs ruins que estão abusando de sua posição simplesmente vestindo uma capa falsa de profissionais da mídia… eles vão poluir a liberdade de imprensa.
Sobre as sanções nos EUA
Lee estava entre os 11 funcionários de Hong Kong e chineses sancionados pelo Departamento do Tesouro dos EUA em agosto de 2020 por “minar a autonomia de Hong Kong” e “restringir a liberdade de expressão ou reunião dos cidadãos de Hong Kong”.
O então ministro de segurança foi considerado envolvido em “coagir, prender, deter ou prender” pessoas sob a lei de segurança, assim como desenvolver, adotar e implementar a legislação.
Lee voltou aos EUA em 8 de agosto de 2020, acusando-os de ser um “hipócrita” que adotou “dois pesos e duas medidas”, acrescentando que o país tinha suas próprias leis protegendo a segurança nacional.
Safeguarding national security is only natural. The US wants to use those so-called sanctions to intimidate [me] – it will not succeed.
Salvaguardar a segurança nacional é apenas natural. Os EUA querem usar as chamadas sanções para intimidar [a mim] – não terão sucesso.
Sobre Xinjiang
Há muito tempo, a China é acusada de violações dos direitos humanos contra sua minoria uigure, incluindo o envio de grupos de direitos estimados em até um milhão de pessoas para “campos de reeducação”, como parte de uma repressão “antiterrorista” na vasta região ocidental de Xinjiang.
Em dezembro de 2018, o subsecretário de Segurança, Sonny Au, liderou uma delegação de nove membros para visitar Xinjiang em um intercâmbio com as autoridades locais relacionado com a prevenção de atos terroristas.
Lee disse aos legisladores, em 9 de janeiro de 2019, que Hong Kong poderia aprender com a forma como as autoridades de Xinjiang enfrentaram o que viam como atos de terror.
ICTU was of the view that Xinjiang’s counter-terrorism experience could be of reference to Hong Kong in formulating and optimising our counter-terrorism strategy and capability.
A Unidade Interdepartamental de Luta Contra o Terrorismo foi de opinião que a experiência de Xinjiang na luta contra o terrorismo poderia ser uma referência para Hong Kong na formulação e otimização da nossa estratégia e capacidade de luta contra o terrorismo.