- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Opositores russos e bielorrussos em Munique se unem para apoiar a Ucrânia

Categorias: Europa Ocidental, Alemanha, Rússia, Ucrânia, Ativismo Digital, Censorship, Esforços Humanitários, Etnia e Raça, Juventude, Mídia Cidadã, Protesto, Refugiados, Relações Internacionais, Russia invades Ukraine

Captura de tela do canal Yostef no Youtube [1] exibindo uma demonstração anti-invasão em Munique com a bandeira ucraniana e as cores branca-vermelha-branca bielorrussa usada pela oposição a Lukashenka.

Desde a eclosão da invasão russa da Ucrânia [2], as autoridades russas continuam alegando que a maioria dos cidadãos russos apoia a “operação militar especial”, como Moscou insiste em chamá-la na Ucrânia. Elas tentam convencer o público global e os cidadãos russos sobre suas opiniões realizando shows e eventos em apoio a Putin e suas políticas, tanto na Rússia [3] quanto no exterior [4]. No entanto, desde o primeiro dia da guerra, em 24 de fevereiro, muitos russos ao redor do mundo têm se manifestado em protestos contra a guerra [5] para mostrar seu desacordo com as decisões e ações de Moscou e expressar sua solidariedade ao povo ucraniano. Munique, cidade do sul da Alemanha, não é exceção, pois abriga uma comunidade significativa de russos e ucranianos. 

A comunidade russófona na Alemanha não é homogênea [6]. Inclui aqueles que vivem na Alemanha há muito tempo, mas nos últimos 20 anos assistem à televisão russa e culpam a União Europeia por todos os seus problemas. Em sua maioria, são pessoas que se mudaram da Rússia para a Alemanha na década de 1990 sob um programa de repatriação para alemães étnicos [7] e não voltaram para a Rússia desde então.

Mas, há também aqueles que viram a vida na Rússia com seus próprios olhos e experimentaram os ramos disfuncionais do poder, a opressão das pequenas e médias empresas e a repressão e restrições à liberdade de expressão. Na verdade, um grande número de russos na Alemanha [8] apoia os valores democráticos e é inequivocamente contra a guerra e o governo russo.

A primeira diferença entre os russos que vivem no exterior e os que vivem na Rússia é que eles têm acesso mais livre a diferentes fontes de informação [9] e não são tão condicionados pelas narrativas do Kremlin quanto aqueles que nunca saíram de seu país. Além disso, aqueles que vivem no exterior podem se expor abertamente e expressar suas opiniões sem medo de serem presos.

Há também uma comunidade bielorrussa [10] bastante grande na Baviera, onde Munique está localizada, e a maior parte dela é contrária ao governo de Lukashenka. Apesar do fato de as tropas bielorrussas não estarem oficialmente envolvidas na guerra na Ucrânia, Lukashenka forneceu [11] às tropas russas território para atacar cidades ucranianas e forneceu logística para o exército russo, tornando o país cúmplice desse derramamento de sangue.

Para condenar publicamente as ações de ambos os governos e também para demonstrar a amizade e a unidade dos povos que outrora pertenceram ao mesmo Estado, grande parte dos russos e bielorrussos, residentes em Munique no início de março, decidiu organizar protestos contra a guerra sob o slogan “Rússia e Bielorrússia contra a guerra”. O contato próximo entre as duas comunidades foi estabelecido através do Facebook [12] há mais de 5 anos e tornou-se ainda mais forte desde os eventos na Bielorrússia em 2020, quando comícios organizados pelos bielorrussos foram ativamente apoiados pelo povo russo na Alemanha.

Os protestos conjuntos contra a guerra acontecem quase todas as semanas e os organizadores criaram um grupo no Telegram [13] para coordenar e anunciar eventos que são especiais porque os manifestantes não usam as bandeiras oficiais de seus países, mas novas bandeiras alternativas e informalmente aceitas que simbolizam a filiação de pessoas ao seu país e nação, mas não aos governos em vigor. Os bielorrussos têm uma bandeira nas cores branca-vermelho-branca, que surgiu e ganhou popularidade durante os eventos no país em 2020.  Os oposicionistas russos, por sua vez, começaram recentemente a usar uma bandeira branca-azul-branca, que difere da bandeira oficial branca-azul-vermelha como um símbolo de protesto antiguerra [14]. A nova bandeira apareceu como solução para aqueles que não estão dispostos a abandonar sua origem e idioma, mas não querem se associar ao regime fascista de Putin, para aqueles que amam sua pátria e se opõem abertamente ao regime em nome de seus compatriotas na Rússia.

Um dos manifestantes, Andrey Sobolev, descreveu à Global Voices sua motivação para participar da seguinte forma: “Eu entendo como é importante, agora, preservar a amizade entre os povos da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, mostrando e oferecendo apoio de nossa parte para que nossos filhos possam viver em paz e harmonia no futuro”.

Anna, que pediu para não mencionar seu sobrenome, é uma das organizadoras dos protestos e compartilhou suas preocupações com a Global Voices:

As a Russian, I feel responsible for how our people will be perceived in the future. So we try to join our hands against the war — we come out for rallies, we support Ukrainians by collecting humanitarian aid, meeting and resettling refugees and, of course, we support the protesters in Russia. The latter is one of our primary goals: to unite and consolidate Russian society in Munich and to build a bridge to the communities of other cities and countries and to Russia so that we can plan further joint actions together.

Como russa, sinto-me responsável por como nosso povo será visto no futuro. Então, tentamos nos unir contra a guerra, saímos para manifestações, apoiamos os ucranianos coletando ajuda humanitária, encontrando e reassentando refugiados e, claro, apoiamos os manifestantes na Rússia. Este último é um dos nossos principais objetivos: unir e consolidar a sociedade russa em Munique e construir uma ponte com as comunidades de outras cidades e países e com a Rússia para que possamos planejar juntos outras ações conjuntas.

Manter-se em contato com a pátria não é fácil, em geral. Um dos momentos mais dolorosos para russos e bielorrussos antiguerra, que vivem no exteriors é precisamente a comunicação com parentes e amigos que vivem nos países agressores. Eles têm que percorrer as narrativas da propaganda sobre o que está acontecendo na Ucrânia e na Europa, onde os russos estão sendo supostamente discriminados.

“Ao contrário da propaganda de Putin, podemos dizer com segurança que ninguém está nos assediando aqui, na verdade, é exatamente o contrário: somos apoiados pela sociedade, no trabalho e nas universidades”, afirma Anna. A descrição desta realidade não vai muito longe e muitas pessoas, infelizmente, têm que diminuir ou deixar de se comunicar com quem já esteve próximo a elas. No entanto, há casos em que, com a ajuda de fatos e explicações lógicas razoáveis, torna-se possível, senão convencer as pessoas, pelo menos fazê-las analisar e questionar o que está sendo transmitido na TV russa.

Além da população dentro da Rússia, os ativistas também tentam alcançar os russos locais que ainda não estão integrados à sociedade alemã e ainda recebem informações principalmente de fontes russas. Os protestos visam chamar a atenção deles e mudar suas opiniões para que possam divulgar ainda mais informações equilibradas para seus parentes e conhecidos na Rússia no futuro.

É importante ressaltar que as ações organizadas por bielorrussos e russos também contam com a participação de seus amigos ucranianos, a fim de demonstrar a ausência de ódio contra indivíduos que conhecem pessoalmente e contra as nações russas e bielorrussas. Um dos participantes ucranianos, Denis, definiu sua posição à Global Voices nos seguintes termos:

Yes, today Russia and Belarus have become hostile states for us, but Russians and Belarusians have not become hostile people. I have many friends who come from Russia and Belarus. I see their support and assistance to refugees from my country every day and I just can't call these people enemies.

Sim, hoje a Rússia e a Bielorrússia se tornaram estados hostis para nós, mas russos e bielorrussos não são pessoas hostis. Eu tenho muitos amigos que vieram da Rússia e da Bielorrússia. Eu vejo muito apoio e ajuda aos refugiados dos meus países todo dia e simplesmente não posso chamar essas pessoas de inimigos.

Um dos ativistas russos, Alexander, começa seu discurso nos protestos pedindo aos presentes que aplaudam a si mesmos por encontrarem força e oportunidade de se manifestarem e fazerem ouvir suas vozes. “Somos russos”, diz ele, “estamos orgulhosos por termos nascido na Rússia e precisamos mostrar ao mundo que aqui somos verdadeiros russos e estamos fazendo coisas boas. Estamos ajudando refugiados, estamos tentando mudar este mundo para melhor e estamos unidos!”


 

Imagem cortesia de Giovana Fleck.

Para mais informações sobre este tópico, consulte nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia [2].