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Tayta Sinchi: “A medicina ancestral é sabedoria, não bruxaria ou folclore”

Categorias: América Latina, Equador, Indígenas, Língua, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Saúde, Rising Voices

Arte de Sairy Lligalo, sairyartlligalo.com [1]. Publicada sob permissão.

No Equador, povos e nacionalidades indígenas, afro-equatorianos, e montubios [2] defendem maior reconhecimento das filosofias originárias da região e o enfoque da saúde integral por meio da medicina tradicional.

José Yánez del Pozo, também conhecido no país como Tayta Sinchi, acompanha esse movimento há muitos anos a partir do estudo e da escrita do conhecimento ancestral. Originário da província de Bolívar no Equador, Tayta Sinchi é autor de livros como Yanantin, La filosofía dialógica intercultural del Manuscrito de Huarochiri [3] [Yanantin, A filosofia dialógica intercultural do Manuscrito de Huarochiri] y Allikai: La salud y la enfermedad desde la perspectiva indígena [4] [Allikai: A saúde e a doença a partir da perspectiva indígena]

Rasu Paza Guanolema, professor de quíchua, uma das línguas ancestrais [5] do Equador, e Belen Febres, sua aluna [6], encontraram-se com Tayta Sinchi, que compartilhou algumas das contribuições da filosofia Abya Yala [7], nome utilizado por alguns povos originários para se referir ao que agora é conhecido como o continente americano. “Este nome é um símbolo de identidade e respeito pelas origens deste território”, explica Tayta Sinchi.

Foto de Tayta Sinchi, publicada sob permissão.

Ele acrescenta que, apesar de ter dedicado grande parte de sua vida ao estudo deste conhecimento, não foi assim que se aprofundou na filosofia. “O primeiro contato que tive com a filosofia foi por meio de pensadores clássicos e ocidentais. Essa é a filosofia que ainda é ensinada no Equador, como se fosse a única que existisse e como se não houvesse mais nada”, explica Tayta Sinchi. No entanto, enquanto escrevia sua tese de doutorado fora do país, conheceu a filosofia Abya Yala. “Encontrei o manuscrito de Huarochiri [3], um texto que foi escrito na língua quíchua na região que hoje é o Peru, no início da colonização, então tinha uma abordagem diferente da europeia que começou a nos dominar a partir de 1492″, conta.

Tayta Sinchi explica que este texto combina o pensamento andino da época e fornece respostas para algumas questões filosóficas como o que acontece após a morte, para onde vamos, o que significa ser bom ou ruim e o que é família. Assim, consegue responder às perguntas que todos nós nos fazemos, mas de uma perspectiva diferente.

“É fundamental que voltemos a esses conhecimentos ancestrais que ainda estão vivos nas comunidades porque neles podemos encontrar caminhos que nos ajudem nas questões atuais”, diz Tayta Sinchi. Ele enfatiza que a maneira de entender e abordar a saúde não é exceção, pois a visão de saúde que emerge da filosofia dos povos e nacionalidades de Abya Yala tem muito a oferecer.

“Esta filosofia fala sobre o sentido da saúde, o sentido da origem da doença e o sentido das formas de cura, que não correspondem às formas ocidentais”, explica Tayta Sinchi. Isso se deve ao fato de que o pensamento dos povos e nacionalidades de Abya Yala parte de princípios, lógicas e sistemas de valores que sustentam estilos de vida diferentes e, portanto, enquadram uma visão de saúde também diferente.

Tayta Sinchi explica que uma das principais contribuições dessa medicina é focar nas múltiplas causas de cada doença. “Na medicina ancestral, não se trata de tomar um comprimido e pronto. Essa medicina entende que a cura não está apenas em tratar os sintomas de uma doença, mas de entender o motivo que temos essa doença”, diz ele.

Arte de Sofía Silva, sofiasilva.art. [8] Publicado sob permissão.

Ainda acrescenta que a busca pelas múltiplas causas da doença está ligada a um princípio fundamental da filosofia Abya Yala: a relacionalidade. De acordo com esse princípio, todos os fatos e seres se desdobram em uma cadeia de relações interdependentes que devem ser recíprocas. Assim, essa visão não coloca o ser humano no centro, mas o considera parte de um todo, pois sustenta que todos os seres do universo são iguais e complementares.

A concepção de saúde que parte dessa filosofia é a de estar bem, em harmonia e equilíbrio consigo mesmo, com outras pessoas, com a Mãe Natureza ou Pachamama, com seus ancestrais ou antepassados e com a espiritualidade própria. Desta maneira, a saúde não está relacionada apenas com o campo físico de uma pessoa, mas  abrange a mente, o corpo, as emoções e o espírito do ser humano de uma maneira coletiva. Isto é, não somente busca a saúde da pessoa, mas de todo o seu ambiente.

Por este motivo, o processo de cura não se baseia apenas em aliviar os sintomas físicos da pessoa, mas também em outros elementos como a música e o canto, a dança, a linguagem, a natureza ou Pachamama, a gastronomia, o vestuário, as invocações ou rezas e as práticas e rituais medicinais. Por meio desses fundamentos buscamos alcançar a harmonia corporal e espiritual da pessoa e suas relações consigo mesma, com os demais e tudo o que a rodeia.

Devido a todas as contribuições que essa medicina pode oferecer, Tayta Sinchi considera que  deveriam ser abertos espaços para um intercambio profundo de conhecimentos. Para isso, pensa que a maneira como a medicina é ensinada deveria mudar. “As faculdades de medicina deveriam ensinar  diferentes filosofias e práticas de saúde com a mesma importância, não partindo da falsa ideia de que só a medicina ocidental cura e o resto é bruxaria ou folclore. Isto é, precisamos expandir nossa forma de entender a saúde e a cura”, expressa.

No entanto, conta que na prática não é assim, pois considera que não é dado o mesmo valor à palavra e ao conhecimento dos povos e nacionalidades indígenas, afro-equatorianos e montubios que habitam o Equador. Ele entende que isso faz com que os recursos públicos não sejam distribuídos equitativamente, o que deve mudar. “Precisamos nos juntar em vez de julgar e nos separar. Só assim poderemos melhorar nossa saúde de maneira integral e ampliar nossa perspectiva como sociedade”, conclui Tayta Sinchi.