Música de Protesto: jovens músicos nigerianos cantam contra a injustiça social

Percussionistas entretendo os manifestantes do #EndSARS. Imagem de Salako Ayoola, CC0 através da Wikimedia Commons, outubro de 2020.

Leia a primeira parte desta série aqui

A Nigeria conta com uma longa história de músicas de protesto e a paixão por cantar contra os problemas sociais não acabou na década de 1970.

Com o objetivo de seguir os passos dos músicos que os precederam, que cantaram contra a ditadura militar e exigiram a liberdade de Nelson Mandela do governo sul-africano do apartheid, os jovens cantores nigerianos continuam com a respeitável tradição de cantar contra as injustiças sociais.

Apesar de algumas críticas afirmarem que a música de protesto na Nigéria chegou ao fim entre as décadas de 1990 e 2000, os cantores nigerianos seguiram se pronunciando contra a violência policial e outros problemas sociais. Logo surgiu o protesto do #EndSARS, movimento juvenil que reviveu a cena musical da Nigéria em prol da justiça social.

Antes do protesto #EndSARS

Foto retirada do álbum de Asa

Bukola Elemide, profissionalmente conhecida como Asa, é uma cantora e compositora franco-nigeriana, e uma das vozes de África mais importantes para a música de protesto. Sua canção “Jailer“, lançada em 2007, faz referência aos complexos problemas de violência policial na Nigéria: “Assim que me trata como uma escrava moderna, senhor carcereiro.”

A canção “There is fire of the Mountain“, que Asa lançou nesse mesmo ano, fala do iminente destino que virá caso nada seja feito para deter a violência policial: “Desperto pela manhã/ Te direi o que vejo na minha televisão/ Vejo o sangue de um menino inocente/ E todos estão assistindo”. Ambas as canções poderiam ser uma previsão do que seriam os protestos do #EndSARS.

A música de Asa é uma fusão de “um pouco de Bob Marley, um tanto de Fela Anikulapo Kuti, somado a algo de India Arie, pré-mesclado com Miriam Makeba junto com Angélique Kidjo e para finalizar, clássicos iorubas”, afirma Marc Amigone, jornalista do Huffington Post.

Em 9 de agosto de 2018, “This is Nigeria”, do cantor Folarin Falana, mais conhecido por seu nome artístico Falz, foi considerada “inapropriada para a rádio”. Aparentemente a agência reguladora de radiodifusão pública, a Comissão de Radiodifusão da Nigéria (NBC), não gostou da letra da canção de Falz, e a descreveu como “vulgar” e, por isso, a proibiu para de ser difundida publicamente: “Isso é Nigéria, veja como vivemos agora, são todos delinquentes”. As autoridades advertiram que qualquer estação de rádio que violasse a proibição pagaria uma multa de 100.000 nairas nigerianos (U$D 276,00)

A canção “This is Nigeria” de Falz, lançada em 25 de maio de 2018, imita “This is America” do cantor americano Childish Gambino. É uma representação satírica da corrupção política, violência policial, execuções extrajudiciais, fraudes por e-mail, vício em drogas e fundamentalismo religioso. “This is Nigeria” começa com a voz de Femi Falana, advogado, ativista dos direitos humanos e pai de Falz.

Música de protesto do #EndSARS

Em outubro de 2020, os jovens da Nigéria lideraram o protesto do #EndSARS, difundido nacional e internacionalmente, exigindo o fim da violência policial. O protesto foi brutalmente interrompido durante a noite do 20 de outubro de 2020 e deixou “48 vítimas, incluindo 11 pessoas assassinadas e 4 desaparecidas”, o que os resultados de pesquisas classificaram como o “massacre” de Lekki, chamado assim por conta da estação de pedágio onde ocorreu.

O movimento #EndSARS foi uma resposta contra o Esquadrão Especial Antirroubo (SARS), unidade policial da Nigéria conhecida por prender, intimidar e assassinar cidadãos fora dos limites da lei. Entre janeiro de 2017 e maio de 2018, a Anistia Internacional documentou 82 casos de tortura e execução extrajudicial consumados pelo SARS.

Durante o protesto do #EndSARS, a canção “Mr. President”, lançada em 2006 por Chinagorom Ouoha, conhecido por seu nome artístico African China, tornou-se um sucesso instantâneo:

My God, policeman go see white / E go tell you say, I say that thing na red / Tell me something I don’t know

Meu Deus, o polícia verá branco/ E dirá que é vermelho/ Me conte algo que eu não sei

Além disso, a canção de Timaya, “Dem Mama”, lançada em 2007, se destacou notoriamente durante as manifestações pela ênfase que fazia à violência dos organismos de segurança nigerianos contra os cidadãos.

Burna Boy em una apresentação em Gana. Imagem de Ameyaw Debrah via Wikimedia Commons, 18 de agosto de 2014 (CC BY-SA 3.0).

Porém, Uma das canções mais surpreendentes dos protestos do #EndSARS foi20.10.20” do rapper e cantor Damini Ebunoluwa Ogulu, mais conhecido pelo seu nome artístico, Burna Boy. A letra emotiva, que termina com um áudio dos jovens manifestantes durante o tiroteio na estação de pedágio de Lekki, é comovente: “20 de outubro de 2020/ Você leva um exército para matar muitos jovens por Lekki/ É água, água é o que cai dos meus olhos/ Nada do que diga poderá justificar suas mortes (…) 20 de outubro de 2020/ Você leva um exército para matar muitos jovens por Lekki/ É água, água é o que cai dos meus olhos/ Nada do que diga poderá justificar suas mortes”.

A música de protesto da Nigéria se esgotou?

Alguns levantaram a ideia de que a música de protesto juvenil contemporânea chegou ao fim logo após a morte de Fẹlá Aníkúlápò Kútì en 1997.

Florence Nweke, músico acadêmico da Universidade de Lagos, na Nigéria, afirma que “existe um vazio na cena musical de protesto da Nigéria” desde que Felá morreu. Nweke afirma que isso se deve ao “aumento de dinheiro no meio musical”, pelo qual os jovens cantores nigerianos “hesitam em manifestar sua desconformidade quando surge a possibilidade de infiltração política de músicos que recebem patrocínios do Estado”, comenta Nweke. No entanto, outra forma de encarar essa situação é que a música de protesto não chegou ao fim, mas evoluiu junto com a sociedade nigeriana.

A arte ainda “cumpre um papel essencial na manutenção das lutas sociopolíticas”, indica o jornalista nigeriano Adekunle Falade. As músicas de protesto da Nigéria sempre captaram e expressaram o sentimento das pessoas, tarefa que os jovens músicos nigerianos parecem ter herdado dos seus predecessores.

De todo modo, desde os protestos do #EndSARS, percebe-se um aumento na quantidade de jovens cantores nigerianos que protestam contra a má gestão do governo e, ainda mais importante, suas canções garantam que a memória dos jovens que morreram durante o protesto não será esquecida.

Encontre a lista de reprodução da Global Voices, que une essas e outras canções proibidas ao redor do mundo, aqui. Para obter mais informação sobre músicas proibidas, veja a nossa cobertura especial, Striking the Wrong Notes.

Lista de reprodução de músicas de protesto de jovens músicos nigerianos:

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