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Ucranianos usam marketplaces do VKontakte para informar russos sobre a guerra

Categorias: Rússia, Ucrânia, Ativismo Digital, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, RuNet Echo, Civic Media Observatory, Country Monitor Observatory 2021-2022
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Captura de tela de uma postagem no marketplace em um grupo do VK em que os moderadores proibiram todos os comentários. Ilustração: Ivan Sigal

A cidade russa de Rubtsovsk apareceu nas notícias [2] recentemente após soldados russos serem vistos [3] enviando grandes quantidades de mercadorias da cidade bielorrussa de Mazyr [4] para vários destinos na Rússia. A maioria dos pacotes foram enviados para a cidade de Rubtsovsk, na região russa de Altai, de acordo com algumas fontes da mídia da Bielorrússia [5]. Acredita-se que sejam mercadorias roubadas da Ucrânia. Agora, os usuários ucranianos estão intervindo diretamente em um mercado on-line como forma de se comunicar com os russos sobre a guerra, uma vez que os moradores de Rubtsovsk anunciam itens que podem ter sido saqueados.

Ao fazer isso, eles estão desafiando a propaganda russa, mostrando aos usuários do VK de Rubtsovsk vídeos e fotos da Ucrânia, incluindo imagens dos soldados que enviaram pacotes de 450 kg “de volta para casa”, e imagens de sangue, assassinatos e bombardeios.

Embora não se saiba exatamente onde os soldados russos estavam posicionados [2] na Ucrânia, Mazyr não fica longe da região de Kiev, onde, na cidade de Bucha [6] e muitas outras [7], o exército russo parece ter cometido crimes de guerra horríveis contra civis, incluindo assassinato, estupro, tortura e saques.

A fonte de mídia russa “The Village [8]” descreve Rubtsovsk como uma cidade “depressiva” que foi construída na década de 1940 em torno de uma fábrica de tratores, que faliu em 2011.

Existem quatro prisões em Rubtsovsk e nos arredores. A população da cidade é de cerca de 140.000 habitantes e os salários médios giram em torno de 250 dólares por mês. Na verdade, isso não é extraordinário: existem milhares de cidades como Rubtsovsk em várias regiões da Rússia. Elas são chamadas de “monotowns” [9] e geralmente foram construídas em torno de algum grande empregador industrial que nos anos após o colapso da URSS tornou-se obsoleto, mas as cidades permaneceram.

Vista de Rubtsovsk. Foto: Slyfox1693 – trabalho próprio [10], CC BY-SA 4.0. [11]

Como na maioria das cidades de tamanho médio, VKontakte (“Estar em contato”) e Odnoklassniki (“colegas de classe”) são as redes sociais preferidas entre os usuários da internet. Na nossa pesquisa anterior [12], nos concentramos no grupo intitulado “Typical [nome da cidade]”, no qual os usuários compartilham fotos, notícias da cidade e histórias. Há também um grupo “Typical Rubtsovsk [13]”. Mas em 5 de abril, algo ocorreu na vida on-line provincial deste grupo do VK: “ATENÇÃO! INFORMAÇÃO IMPORTANTE!”, afirma um anúncio em russo na página principal. Fomos atacados por uma rede de bots e comentaristas ucranianos! Para evitar a violação do artigo 207.3 do Código Penal da Federação Russa, bloquearemos todos os comentários temporariamente. Devemos lembrar aos nossos assinantes que há uma guerra informativa conduzida contra a Rússia com todos os métodos possíveis”.

No entanto, outro grupo, talvez ainda mais popular no VKontakte de Rubtsovsk, permaneceu aberto a comentários. O grupo, que é público, chama-se “Ouvido em Rubtsovsk [14]” e tem 26.819 membros. Dedica-se principalmente à venda ou troca de utensílios domésticos ou roupas, e aluguel de apartamentos.

O primeiro anúncio na página é de brincos de prata:

O primeiro comentário, feito por Evgeniya, pergunta: “diga-me, por favor, isso é uma das coisas roubadas da Ucrânia? Soldados de Rubtsovsk roubaram muito lá. Eu não gostaria de ter coisas que são amaldiçoadas…”

Yurii aparece em seguida com uma foto de itens que parecem ser de uma zona de guerra: “Alguém os viu? Eles estão em Rubtsovsk…”

Várias pessoas estão furiosas: “O que você está dizendo? Não comente se não pretende comprar!” Ou, de forma mais agressiva: “Você segurou uma vela [quando eles roubaram isso?]?”, sugerindo que os próprios comentadores ucranianos são culpados. Um usuário chamado Tanya sugere: “Eles estão sendo pagos por cada comentário!”, e uma usuária chamada Maria diz: “Você está totalmente ferrado”.

No anúncio seguinte, alguém está vendendo uma bolsa “em boa condição”.

“Mostre-nos a etiqueta de preço”, diz Alex.

“Eles estavam com pressa e, de qualquer forma, provavelmente não sabem qual é o preço”, responde Vitaly.

Mais abaixo na página, há um anúncio vendendo uma jaqueta de inverno azul.

“Você tem o recibo desta jaqueta, Anya?”, pergunta o primeiro comentário. Anya responde que comprou a jaqueta há dois anos e que não, ela não tem.

“Você a roubou?”, pergunta Ivan.

“Por que você está destruindo este post com seus comentários, Ivan?”, ela continua.

“Por que você está destruindo nossa terra com corpos de seus soldados mortos, Anya?”, ele responde.

Rubtsovsk é uma vergonha. O mundo inteiro está vendo. Os bens roubados da Ucrânia chegarão em breve. Lave-os bem, sangue é difícil de limpar. #Kramatorska #Bucha #massacre #HeroesZ

Reações?

Algumas pessoas negam a origem das mercadorias.

“Eu sei por que existem posts como este. Porque o SDEK (o serviço postal) distribuiu na internet informações com dados pessoais, telefones e endereços. Supostamente, os soldados enviaram coisas para Rubtsovsk. E de alguma forma, os ucranianos decidiram declarar que foi o exército russo que saqueou, não os ucranianos. Eles não poderiam ter sugerido que as pessoas compraram essas coisas na Bielorrússia. Que nosso exército tem bons salários; eles não podiam pensar nisso, é claro.”

Alguns ficam indignados: “Por que você dá espaço para esses comentários neste grupo?! Eles estão obviamente mentindo!”

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O texto diz: “Não à guerra! Amigos, por favor, não se acostumem com a guerra, não se acostumem com mortes e violência… A Rússia também será um país livre”.

Alguns adotam uma perspectiva histórica: “Sabemos o que seu Bandera fez, e você é igual”.

Enquanto outros ficam com raiva: “Volte para sua maldita Ucrânia!”

No entanto, nenhum deles pode facilmente livrar-se das acusações.

Isso é uma coisa boa? Alguns ativistas acreditam que, seja qual for o meio, expor a verdade sobre a guerra contra a Ucrânia é uma das únicas maneiras de alcançar os “russos comuns”. A coalizão feminista antiguerra [16] está encorajando as pessoas a escreverem a verdade em cédulas e livros.

Uma jovem artista de São Petersburgo, Sasha Skolichenko [17], trocou etiquetas de preço em um supermercado por declarações antiguerra e posteriormente foi presa por isso.

[18]

Uma das obras de arte de Sasha. Lê-se: “o amor é mais forte do que a guerra e a morte”.

Os usuários do VK estão procurando por coisas saqueadas em Bucha e em outros lugares. Possivelmente, os moderadores serão lentos; e os algoritmos, muito atrasados. A imagem a seguir tem um comentário: “Você os tirou de um cadáver na Ucrânia?”

 

NOTA: todos os comentários foram traduzidos do russo pelo autor.