Foto sob CC0, estilizada por Global Voices.
Bem-vindo ao Undertones, o boletim informativo do Observatório da Mídia Cívica [1]! Em cada edição analisaremos um evento, uma tendência emergente, ou uma história complexa, identificando narrativas-chave de interesse público urgente, aprofundando o contexto e subtexto da mídia local, vernácula e multilíngue. Undertones também oferece um ponto de entrada para os conjuntos de dados públicos [2] que sustentam nosso trabalho do Observatório.
A invasão russa da Ucrânia no final de fevereiro coincidiu com importantes eleições de assembleia legislativa na Índia, reforçando a expressão do sentimento expansionista na trilha da campanha e em outros lugares.
As narrativas expansionistas estão presentes há muito tempo na mídia indiana, mas a guerra na Ucrânia deu a elas um impulso adicional. Agora que as eleições para a assembleia legislativa terminaram e com a vitória nos principais estado [4] do partido governista Bharatiya Janata (BJP [5]) – estabelecendo o tom para as eleições gerais indianas de 2024 – a mídia do BJP está procurando humilhar e silenciar os dissidentes.
Os grupos BJP e Hindutva [6] hipernacionalista também usaram a guerra para posicionar o primeiro-ministro indiano Narendra Modi como um líder global indispensável e promover o estabelecimento de uma “Índia Unida”.
Diplomaticamente, a Índia permaneceu neutra [7] em relação ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Dentro das fronteiras do país, no entanto, a grande mídia e grupos de extrema-direita expressaram apoio à invasão de Putin. Não só a Rússia é o parceiro mais antigo e estratégico da Índia, mas a ideologia expansionista de Putin tem semelhanças impressionantes com o hipernacionalismo de um dos conceitos-chave de Hindutva [8]: “Akhand Bharat [9]” ou “Uma Índia”, e os comentaristas estão traçando paralelos entre a desagregação da União Soviética e a divisão da Índia após o domínio colonial.
Narrativas perigosas
Tais narrativas são predominantes nas páginas do Facebook dos extremistas da Hindutva e nos meios de comunicação não verificados que operam nas redes sociais. Elas também podem ser encontradas na mídia de transmissão alinhada ao BJP, embora de uma forma mais sutil. Expressões de sentimentos pró-BJP, tais como “hail Modi”, que aparecem na seção de comentários abaixo dos posts nas redes sociais parecem ser trabalho de bots. Há alegações [10] de que o megaconglomerado Reliance Industries [11] está financiando uma empresa que promove anúncios pró-BJP e notícias falsas no Facebook.
1) “Toda a região de Jammu e Caxemira pertence à Índia” [12]
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, muitos tuítes e memes circulam nas redes sociais indianas exigindo que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, aproveite a preocupação mundial com a Ucrânia para imitar Putin e anexar a Cachemira e outros territórios. De acordo com esta narrativa, o aliado da Índia, a Rússia, está dando um exemplo de “reunificação do Estado”, e o Ocidente não está impedindo isso.
O Vale da Caxemira [13] é uma área disputada reivindicada pela Índia, Paquistão e pelos próprios caxemires. Quando a Índia conquistou a independência em 1947, seus territórios, em grande parte povoados por muçulmanos, foram esculpidos para formar o estado do Paquistão. A Caxemira foi a exceção e acabou sendo dividida em Caxemira administrada pela Índia e Caxemira administrada pelo Paquistão, chamada de “Caxemira Ocupada pelo Paquistão” (PoK) na Índia.
Enquanto os caxemires aguardam um referendo apoiado pela ONU que daria a eles o direito de escolher seu futuro, os líderes do BJP prometeram assumir toda a Caxemira. A dissolução [14] da Índia em 2019 do estado de Jammu e Caxemira foi um passo inicial nessa direção.
Este vídeo, que recebeu meio milhão de acessos, é uma entrevista com um especialista em política que afirma que a Índia deve seguir o exemplo da Rússia e atacar o Paquistão. A Índia deveria “conceder independência” às províncias paquistanesas de Sindh e Balochistan, e anexar “Paquistão Ocupou Cachemira”. O item afirma que outros países não fizeram nada para parar a guerra da Ucrânia, e eles também não irão parar a Índia se ela decidir atacar o Paquistão. A entrevista foi conduzida pela “The Newspaper TV [16]“, que opera nas mídias sociais.
[15]
Veja mais análises deste item aqui e outros itens que mostram esta narrativa, incluindo aqueles que datam de antes da invasão da Ucrânia: IN_164 [17], IN 236 [18], IN_268 [19], IN_272 [20], IN_305 [21]
2) ” A Índia devia imitar a Rússia e perseguir o objetivo da Índia Unida” [22]
Esta narrativa surgiu como resultado da invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022. Os grupos Hindutva mostraram apoio a Putin, alegando que a aspiração do líder russo de criar uma nova URSS, ou império russo, é semelhante à ambição Hindutva de criar uma “Índia Unida”. Esta narrativa é mais ampla do que a anterior e se baseia nela.
O conceito de “Akhand Bharat [9]” (“Uma Índia” ou “Índia Unida”) está entre os princípios-chave do movimento nacionalista hindu. Os grupos hinduístas, portanto, celebram abertamente a semelhança ideológica com Putin e expressam apoio a suas ambições expansionistas.
Muitos apoiadores de Hindutva também chegaram ao ponto de exigir que a Índia ataque o Paquistão e devolva a Índia ao seu estado geográfico anterior a independência. Para eles, a Rússia tem uma reivindicação legítima sobre a Ucrânia como um antigo estado soviético, assim como a Índia sobre o Paquistão, como uma parte da Índia, juntamente com outros países do sul da Ásia, como Bangladesh, Tibete e Nepal.
[23]
Veja mais análises deste item de mídia aqui e outros itens que mostram esta narrativa: IN_287 [27], IN_291 [26]
3) O prestígio e poder global da Índia aumentaram sob a liderança de Narendra Modi” [28]
Quando o governo da BJP chegou ao poder na Índia em 2014, o primeiro-ministro Narendra Modi prometeu liderar a Índia para se tornar uma superpotência mundial. Para os grupos BJP e pró-Modi, essa oportunidade se apresentou com a guerra na Ucrânia.
Em geral, Modi é visto como um super-herói por seus seguidores, mas desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, memes e postagens por grupos de direita têm promovido a visão de Modi como um poderoso “macho alfa” ou “Vishwa Guru” (“Líder Mundial”) que é capaz de parar a guerra, especialmente porque o diplomata ucraniano Igor Polikha pediu [29] o apoio da Índia.
Também na mídia de radiodifusão, Modi foi saudado como um líder e salvador global [30] após a controversa [31] evacuação dos estudantes indianos da Ucrânia.
A mídia Pro-Modi não pode ser examinada isoladamente das eleições da assembleia legislativa estadual. Em uma época em que Modi tem sido criticado pela crescente violência antimuçulmana na Índia, as reportagens da mídia têm tentado melhorar sua imagem retratando-o como um líder global forte e necessário.
O canal de notícias on-line não verificado “NIO TIMES” compartilhou um vídeo no Facebook que glorifica Putin e argumenta que o Ocidente é impotente diante dos líderes da Rússia e da Índia. Já que a aliança de Putin e Modi ameaça o Ocidente, eles têm usado a Ucrânia como isca para a Rússia. O item conclui dizendo que Narendra Modi pode evitar uma catástrofe global, convencendo Putin a se acalmar. O vídeo, que obteve 179 mil likes, indica que a Índia deve apoiar a Rússia.
[32]
Veja mais análises deste item aqui [32] e outros que mostram esta narrativa, incluindo os que saúdam o governo de Modi pela evacuação de estudantes indianos: IN_282 [33], IN_295 [34], IN_296 [35], IN_305 [21], IN_310 [36], IN_313 [37]. Além disso, segue uma análise do Twitter feita por um jornalista independente zombando desta narrativa: IN_264 [38]
Veja todo o nosso conjunto de dados sobre a Índia [39]
Observatório da mídia cívica no MozFest
Identificar informações erradas e desinformação on-line pode parecer um jogo sem esperança de “Whac-A-Mole” ou “acertar a toupeira”. Em 10 de março, no MozFest [40] 2022, hospedado pela Fundação Mozilla, nossa equipe do Observatório de Mídia Cívica discutiu como os métodos e pesquisas do Observatório utilizam análise narrativa, contextual e subtextual para construir uma compreensão mais completa dos ecossistemas de mídia. A sessão “Além da verificação de fatos tipo “Whac-A-Mole”: usando a análise narrativa e contextual para decodificar a informação errada/desinformação”, está disponível aqui [41], basta inscrever-se para um ingresso gratuito [42]!
Na próxima semana: mais sobre as narrativas Rússia-Ucrânia
Os pesquisadores do Observatório da Mídia Cívica estão decodificando narrativas sobre a invasão russa da Ucrânia em seus respectivos países. Esta é uma investigação em andamento. Veja o boletim informativo da próxima semana para mais informações.