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O protesto do clã Kuti por meio da música, e outros nigerianos que cantaram contra o apartheid

Categorias: África Subsaariana, Nigéria, Arte e Cultura, Mídia Cidadã, Música

A banda de Julias (Nigéria). Imagem por Steve Terrell [1], 26 de setembro de 2015 (CC BY 2.0 [2]).

Músicos nigerianos falam abertamente sobre injustiça social em seu país. O termo “música de protesto”, como gênero musical, ganhou validação cultural nos anos 1970 e é utilizado até hoje. Essas músicas versavam contra a ditadura militar, o apartheid na África do Sul, e a brutalidade policial, como parte dos protestos da #EndSARS [3] (“acabem com a SARS”), liderados pela juventude.

O pai do protesto musical nigeriano

Representação artística de Fẹlá Aníkúlápò Kútì. Imagem por Danny PiG [4] via upload do Flickr em 11 de setembro de 2012. (CC BY-SA 2.0 [5]).

Fẹlá Aníkúlápò Kútì (1938–1997), o pai da música de protesto na Nigéria, utilizou o distinto gênero musical Afrobeat, cujas letras eram repletas de “humor sarcástico, revolta contra as autoridades, e consciência política”, como meio de lutar contra a injustiça social, aponta [6] Titilayo Remilekun Osuagwu, acadêmico da Universidade de Port Harcourt, na Nigéria.

A genialidade de Fela estava em sua conceitualização das raízes da opressão. É por isso que sua música permanece, até hoje, uma ferramenta poderosa que “sustenta os protestos recorrentes”, afirma [7] Olukayode ‘Segun Eesuola, cientista político, acadêmico da Universidade de Lagos, na Nigéria.

Durante sua carreira musical, ao longo de mais de três décadas, ele elevou o nível de consciência política de gerações de cidadãos nigerianos. Entretanto, isso resultou em várias interpelações violentas de agentes de segurança de governos consecutivos.

É compreensível que grande parte da música de Fela tenha se direcionado contra os abusos dos sucessivos governos militares no país. A Nigéria esteve sob uma ditadura militar por 29 anos (de 1966 a 1979, e de 1983 a 1999).

No momento do falecimento de Fela, em 1997, sua impetuosa obra musical o consagrou como “um ‘músico político’, por excelência, na percepção global”, sustenta [9] Tejumola Olaniyan, professor de literatura e línguas africanas da Universidade de Wisconsin-Madison, em seu livro inspirador, “Arrest the Music! Fela & His rebel art and politics.” (“Prisão à música! Fela & sua arte e política rebeldes”, em tradução livre).

Femi e Seun Kuti: tal pai, tal filho

Os dois filhos de Fẹla, Femi e Seun, herdaram e “levaram adiante [10]” a

Femi Kuti, apresentando-se no Warszawa Cross Culture Festival. Imagem de Henryk Kotowski via Wikimedia Commons [11], 25 de setembro de 2011 (CC BY-SA 3.0 [12]).

paixão de seu pai, por fazer justiça social através da música.

Femi Kuti [13], o filho mais velho de Fela é, ele próprio, um talentoso saxofonista de Afrobeat. Algumas canções de Femi, como “Sorry Sorry [14]“, “What Will Tomorrow Bring [15]” e “97 [16]“, não poupam os governantes corruptos e incompetentes.

Por exemplo, em “Sorry Sorry”, Femi lamenta a tentativa hipócrita das elites no poder que, às escondidas, destroem a nação, mas, em público, pretendem resolver os problemas:

Politicians and soldiers make meeting/Our country dem wan repair/Dem dey make like say/Dem no know/Say na dem a spoil our country so

Políticos e soldados se reúnem/eles querem consertar o nosso país/eles agem como/se não soubessem/que são aqueles que estragaram o nosso país.

Femi, indicado diversas vezes ao Grammy, é arrojado e impaciente como o seu pai. Em uma entrevista ao jornal nigeriano Vanguard, em fevereiro de 2011, criticou duramente a classe corrupta da Nigéria [17]: “É muito claro que as coisas estão péssimas em nosso país. Os políticos continuam roubando dinheiro, não temos boas estradas, educação adequada, água potável e por aí vai. Não posso aceitar isso. A maioria dos nigerianos está sofrendo. Eu não aceito isso e meu pai nos mostrou um jeito de reivindicação, por meio da música. É isso que estou fazendo”.

Seun Kuti no festival Marsatac, em 2008, em Marselha, na França. Imagem por Benoît Derrier [18] via Wikimedia Commons (CC BY-SA 2.0 [5]). 

O filho mais novo de Fela, Seun Kuti, é um músico e defensor da justiça social. Seun participou ativamente nos protestos #OccupyNigeria (“ocupar a Nigéria”), em 2012, contra o aumento do preço dos combustíveis. Ele também se envolveu [19] nos protestos #EndSARS, em 2020.

Seun foi descrito como o “Príncipe dos Afrobeats“, seguindo os passos de seu pai, o rei do Afrobeat.

Toyin Falola, historiador e professor de estudos africanos, também afirma [20]: “O alinhamento de Seun não começou há pouco tempo. Ele mostrou interesse na música, principalmente no tipo de música que seu pai cantava, e passou a se apresentar junto de Fela e da banda Egypt 80 quando tinha apenas nove anos. Não seria inapropriado dizer que é um ato de prodígio”.

Vozes nigerianas contra o apartheid na África do Sul

Capa do disco de vinil de Sonny Okosun.

As músicas criticando as lideranças políticas não se limitaram apenas à ditadura militar. 

Músicos nigerianos como Sonny Okosun, Majek Fashek, Onyeka Onwenu e muitos outros também protestaram contra o apartheid na África do Sul, reivindicando a soltura de Nelson Mandela.

Sonny Okosun (1947—2008), astro da música highlife e do reggae, condenou a opressão contra jovens negros sul-africanos, causada por governos do apartheid, em “Papa's Land [21]” (1977) e “Fire in Soweto [22]” (1978).

Seguindo os passos de Okosun, o guitarrista e estrela do reggae Majek (Majekodunmi) Fashek [23] (1936–2020), dedicou sua música “Free Africa, Free Mandela” ao sul-africano Nelson Mandela, descrevendo-o como um prisioneiro com consciência.

Onyeka Onwenu (Imagem crédito do Fã-clube [24] de Onyeka Onwenu, no Facebook).

Porém, uma das interpretações mais cativantes e comoventes de protesto contra o apartheid é a da cantora, atriz e jornalista nigeriana Onyeka Onwenu [25], em sua música “Winnie Mandela [26]“.

Onyeka definiu “Winnie Mandela” como a “alma de uma nação lutando para ser livre!”.

Onyeka explicou que escreveu a música após assistir a um documentário sobre os Mandela, que a emocionou. Ela se “identificou” com a “solidão e o sofrimento de Winnie”.

Durante a noite seguinte, a compositora nigeriana teve insônia e colocou “sua dor em uma música”, para “retribuir a Winnie por sacrificar sua vida pela luta do apartheid“, escreveu [27] em abril de 2018.

Outros nigerianos que cantaram contra a injustiça social do apartheid foram Victor Essiet e os Mandators, na música “Apartheid [27]“.

Leia a segunda parte desta série aqui [28].

Veja a playlist da Global Voices no Spotify, que destaca essas e outras músicas banidas do mundo inteiro, aqui [29]. Para mais informações sobre músicas banidas, veja a nossa cobertura especial Striking the Wrong Notes [30]