Geopolítica da desinformação e segurança cibernética na Europa

Guerra de teclados. Foto da Global Voices, CC BY 3.0.

Este artigo analisa a associação entre desinformação e segurança cibernética que poderia levar a diferentes efeitos na sociedade, em relação aos acontecimentos atuais na Rússia e na Ucrânia.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, nações em toda a Europa se posicionaram para responder à crise, levantando questões não apenas sobre suas consequências para os países afetados e além, mas também sobre várias implicações em torno da desinformação e dos direitos digitais.

Como a tecnologia progrediu rapidamente ao longo dos anos, resultando em uma revolução digital, vários especialistas em segurança concluíram que certos avanços poderiam levar a “guerras híbridas” nas quais as armas cibernéticas e a desinformação podem se tornar um tipo de arma na guerra psicológica em todo o mundo. Da mesma forma, a atual pandemia também chegou acompanhada pela chamada “infodemia”. Portanto, é crucial compreender as práticas de informação que influenciam nossa vida cotidiana, como parte essencial da manutenção da segurança e estabilidade mundiais.

O que é desinformação?

A desinformação, também conhecida como propaganda negra, é a disseminação de informações enganosas que podem minar a confiança democrática, ao mesmo tempo em que representa uma ameaça notável em muitos aspectos, incluindo a segurança, sem que o público-alvo esteja ciente de sua influência. É necessária uma abordagem estratégica que compreenda criticamente o contexto político e os vários motivos ocultos para combater a desinformação. Alguns dos riscos comumente associados à desinformação são dilemas graves falsos, narrativas populistas ou apatia do público.

Ela tem sido usada ao longo da história, desde as guerras romano-persas (54 a.C. – 628 d.C.), durante toda a propaganda nazista da Segunda Guerra Mundial (quando o termo “grande mentira” foi cunhado, descrevendo uma mentira tão colossal que ninguém a questionaria), até os últimos anos em que o fenômeno se generalizou com o surgimento das plataformas de rede social e o controverso caso Cambridge Analytica de 2018.

De acordo com o estudo atualizado do Departamento de Política de Relações Exteriores da UE de 2021 sobre Desinformação e Propaganda, a melhor arma contra ela é a “alfabetização crítica da mídia”. Isto a torna uma questão de segurança cibernética, uma vez que as plataformas de rede social frequentemente servem como seus amplificadores primários.

A frente de desinformação

No momento, a guerra da desinformação continua em tempo real. De acordo com a TIME, o Kremlin realizou uma campanha de desinformação utilizando vários métodos enquanto invadia a Ucrânia, para manipular a narrativa pública. O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, declarou:

De acordo com a inteligência, a Rússia planeja uma grande operação de ‘desumanização’ dos ucranianos e acusa a Ucrânia de supostas ações desumanas. Não confie em notícias falsas. A Ucrânia defende sua terra em uma guerra justa e defensiva. Ao contrário da Rússia, nós não visamos jardins de infância e civis.

Cindy Otis, pesquisadora de desinformação e ex-analista da CIA entrevistada pela TIME, identifica uma das principais táticas no campo de batalha como desinformação, que intimida e desmoraliza a população civil e militar ucraniana. A propaganda russa tem sido especialmente difundida por meio do Telegram, um aplicativo popular de mensagens que utiliza criptografia de ponta a ponta.

Em 26 de fevereiro, Facebook, Apple, Twitter e YouTube enfrentaram pressão devido a guerra, o que enfatizou as dificuldades das grandes empresas de tecnologia para moderar o conteúdo em grande escala. Facebook, Google e Twitter removeram perfis de usuários que violavam as diretrizes ao espalhar desinformação, além de impor outras limitações, como a desmonetização e a proibição de veicular anúncios.

A partir de 4 de março, os reguladores russos proibiram o Facebook e o Twitter em resposta as suas limitações nos meios de comunicação estatais russos, como o Russia Today, afirmando que tais restrições violavam os princípios-chave da liberdade de informação. O parlamento russo também aprovou uma lei punindo a divulgação intencional de “informações falsas” sobre os militares com multas e uma pena de prisão de até 15 anos. Posteriormente, vários veículos de mídia ocidentais suspenderam as reportagens na Rússia.

Enquanto isso, a proibição do Facebook e do Instagram pelo regulador russo da Internet, Roskomnadzor, em 14 de março, resultou em um aumento de 2.000% na demanda de VPNs (Redes Privadas Virtuais) na Rússia.

Os países ocidentais recebem continuamente um fluxo imediato de informações de uma série de fontes diferentes, o que pode muitas vezes criar uma sobrecarga de informações – inevitavelmente, algumas delas são desinformações compartilhadas de um canal de notícias para outro, seja como manipulação deliberada da mídia, seja inadvertidamente.

A ABC tem um exemplo disso: a editora australiana Esther Chan, da First Draft, indicou um vídeo de 2020, supostamente mostrando aviões de guerra sobre a Ucrânia, que foi compartilhado uma hora após a declaração de guerra do presidente russo Vladimir Putin, mas que era falso. Outro post disseminado, que mostrava imagens aparentemente de uma batalha, acabou sendo um clipe de um videogame. O Index.hr da mídia croata também publicou recentemente um artigo desmascarando todas as informações falsas que eles tinham publicado erroneamente até o momento sobre a guerra.

A frente de guerra cibernética

Especialistas afirmam que os ciberataques são uma parte central da guerra moderna e que se espalham rapidamente pela economia global através das cadeias de abastecimento. Pouco antes da invasão militar, um grupo de hackers russos realizou uma série de ataques cibernéticos mirando o governo ucraniano, bancos, defesa e sites de aviação, que afetaram os sistemas da Letônia e Lituânia que tinham conexões particulares com o governo ucraniano.

Ao mesmo tempo, os hackers liderados pelo grupo Anonymous declararam guerra cibernética contra a Rússia. Logo depois, a RT.com foi declarada sob um ataque DDoS (negação de serviço), no qual o alvo é inundado pelo tráfego, desabilitando assim o fluxo de trabalho normal. Os sites do Kremlin e da estatal Duma foram periodicamente desativados também devido a ataques DDoS.

Em meio à crise Rússia-Ucrânia, o Banco Central Europeu solicitou aos bancos europeus em toda a zona do euro que aumentassem suas defesas cibernéticas, declarando que a questão deveria ser uma prioridade máxima em meio à intensificação das tensões geopolíticas, segundo a Reuters. O Wall Street Journal relatou que os ciberataques russos sobre a Ucrânia poderiam se espalhar para outros países, após advertências emitidas por oficiais de segurança ocidentais, assim como o EUObserver.

Mapa da Ucrânia com soldados de plástico. Fotografia da Global Voices, CC BY 3.0.

Em um esforço para ajudar os países sob ataque cibernético, a UE ativou uma Equipe de Resposta Cibernética Rápida composta por 8-12 funcionários nacionais de segurança cibernética de 6 países europeus – Croácia, Estônia, Lituânia, Holanda, Polônia e Romênia – que foi implantada em toda a Europa.

Em 26 de fevereiro, Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia para a transformação digital, anunciou no Twitter a criação de um exército de TI para defesa e contra-ataques, chamando “talentos digitais” para juntarem-se ao esforço de resistência.

Embora as consequências a longo prazo ainda sejam difíceis de avaliar, os especialistas dizem estar mais preocupados com ataques institucionais do que pessoais, relata a DW.

Desinformação e liberdade de expressão

Há um dilema contínuo em torno da desinformação, censura e liberdade de expressão, particularmente à medida que os governos introduzem a regulamentação das redes sociais para abordar a questão de informações falsas. As empresas da plataforma têm suas próprias políticas de moderação, que às vezes geram críticas por restringir manifestações legítimas. Embora os governos possam assumir um papel direto na promoção da moderação transparente de conteúdo on-line, há também o risco de que alguns governos possam rotular um conteúdo crítico como desinformação, limitando assim a liberdade de expressão.

No relatório “Desinformação e Liberdade de Opinião e Expressão“, Irene Khan, relatora especial da ONU sobre liberdade de opinião e expressão, examinou essas ameaças no contexto da desinformação:

“…the free flow of information is a critical element of freedom of expression and places a positive obligation on States to proactively put information of public interest in the public domain, and promote plural and diverse sources of information, including media freedom. It can be a valuable tool for countering disinformation.”

…o fluxo livre de informações é um elemento crítico da liberdade de expressão e impõe aos Estados uma obrigação positiva de colocar proativamente informações de interesse público no domínio público, e promover fontes de informação plurais e diversas, incluindo a liberdade da mídia. Ela pode ser uma ferramenta valiosa para combater a desinformação.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CEDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR) consagram o direito à liberdade de expressão. A liberdade de expressão pode ser restringida de acordo com o artigo 10 da CEDH e o artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR), que exigem que todas as restrições sejam previstas por lei e necessárias para o objetivo legítimo de respeitar os direitos e a reputação de outros e proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde pública ou a moral.

No âmbito da UE, dado que a desinformação e a informação incorreta representam uma ameaça em evolução, há muitas iniciativas contra elas destacando, entre outras coisas, a necessidade de cooperação, verificação de fatos e criação de resiliência social e fontes de informação confiáveis, especialmente no ciberespaço.

Evidentemente, o surgimento de novas tecnologias está impactando fortemente aspectos da vida moderna; a extensão desta crise ainda permanece uma questão em aberto. Em meio ao rápido crescimento da informação e desinformação on-line, é importante fomentar um diálogo social de qualidade que vise conectar os indivíduos, em vez de isolá-los.


Para mais informações sobre este tema, veja nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia.

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