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Como a guerra entre Rússia e Ucrânia afeta as relações entre os Estados Unidos e a Venezuela

Categorias: América do Norte, América Latina, Venezuela, Economia e Negócios, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais, Russia invades Ukraine

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela (Wikimedia commons, CC BY 4.0), Joe Biden, presidente dos Estados Unidos (Wikimedia commons, CC BY 3.0 EUA). Montagem feita pela Global Voices.

A invasão russa à Ucrânia tem gerado um surpreendente efeito dominó nas relações bilaterais entre dois países do outro lado do mundo, Estados Unidos e Venezuela. No dia 8 de março, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a proibição das importações de petróleo, gás e outros produtos russos, enquanto outros países ocidentais indicavam a sua intenção de reduzir gradualmente a dependência de fontes de energia russas. Com a falta de abastecimento energético russo e com os grandes países produtores de petróleo que fazem parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) incapazes ou não dispostos a cobrir o déficit, os preços do petróleo e gás continuaram a subir.

Como medida imediata à proibição, o governo Biden pediu ao setor petrolífero norte-americano para aumentar a sua produção, mas uma combinação de problemas na cadeia de abastecimento, escassez de mão-de-obra e falta de investimento deixa claro que a indústria do país não conseguirá atender a toda a demanda a curto prazo. Para atender a esta necessidade, o governo Biden recorreu ao mais improvável dos parceiros, a Venezuela.

Resumo das relações entre Estados Unidos e Venezuela

Os Estados Unidos e a Venezuela mantêm relações diplomáticas [1] desde 1835, mas as tensões mais explícitas começaram no governo do ex-presidente Hugo Chávez. A relação piorou com o seu sucessor, Nicolás Maduro, por conta do que os Estados Unidos identificaram como um aumento da repressão à oposição, aos meios de comunicação e à sociedade civil, e pela resistência [2] venezuelana ao que é considerado a política [3] imperialista norte-americana. Apesar disso, os dois países mantiveram uma forte relação econômica durante anos [1], e os Estados Unidos foram reconhecidos como um dos parceiros comerciais mais importantes da Venezuela, tendo importado [4] mais de US$ 40 bilhões em petróleo em 2007, com um comércio superior a US$ 50 bilhões entre os dois lados.

Em 2008, os Estados Unidos impuseram a primeira das suas inúmeras sanções [5] em resposta ao que consideraram como abusos dos direitos humanos e corrupção desenfreada por parte do governo da Venezuela e de certas figuras venezuelanas. As relações foram piorando até Maduro romper formalmente [6] os laços diplomáticos com os Estados Unidos em janeiro de 2019, quando o ex-presidente Donald Trump reconheceu Juan Guaidó, líder da oposição venezuelana, como presidente provisório do país.

Fatos recentes

De acordo com o The New York Times [7], dois funcionários de alto escalão do governo norte-americano viajaram para a Venezuela no início de março para conversações com o governo de Maduro. Os especialistas interpretaram isso como uma tentativa da administração Biden de restabelecer os laços com a Venezuela, que, por sua vez, também demonstrou interesse [8]. Numa aparente demonstração de boa vontade, e apenas uma semana após manter conversações com uma delegação do governo dos Estados Unidos, o governo venezuelano libertou [9] dois cidadãos norte-americanos que estavam presos. O governo de Maduro também anunciou planos de retomar as conversações com a sua oposição [10].

A resposta

As reações à aparente mudança de posição do presidente Biden em relação à Venezuela foram alvo de críticas de ambos os lados [11] do espectro político. Comentaristas dos Estados Unidos descreveram estas ações como hipócritas [12], interesseiras [13] e cínicas, uma vez que o governo Biden, inicialmente, havia dado continuidade à postura linha-dura de Donald Trump ao governo de Maduro.

Nas redes sociais, os venezuelanos também criticaram a atitude. Uma pessoa afirmou [14] que os venezuelanos queriam que os Estados Unidos os “ajudassem a se livrarem de Maduro, não a comprar petróleo”, enquanto outros latino-americanos ridicularizaram o governo americano por considerarem a sua postura falsa, já que a posição dos Estados Unidos sobre o socialismo ao longo do tempo tem sido bem diferente. A maioria dos comentaristas nas redes sociais [15] expressaram opiniões semelhantes.

 

Não queremos que os Estados Unidos comprem o petróleo da Venezuela nem que suspendam as sanções, não. Queremos é que nos ajudem a nos livrar do Maduro e de seu bando de uma vez por todas.

O líder da oposição, Juan Guaidó, ecoou esse sentimento e se opôs à flexibilização das sanções, e divulgou uma declaração afirmando [17] que, “antes de isso acontecer, é necessário que haja progressos reais em direção à democracia e à liberdade da Venezuela”. Por outro lado, representantes do governo de Maduro confirmaram [18] as negociações, mas pressionaram para que os Estados Unidos acabem com as sanções e reconheçam formalmente Nicolás Maduro como presidente, e deixaram claro que isso é indispensável.

Desde o início desses acontecimentos, o governo Biden nega [19] que esteja buscando uma mudança de política em relação à Venezuela. Um funcionário de alto escalão do governo declarou que as conversas mantidas com o governo de Maduro tiveram o intuito de garantir a liberação dos cidadãos norte-americanos presos na Venezuela e incentivar a retomada das negociações com a oposição venezuelana.

Mais além

Alguns especialistas [20] pediram que os Estados Unidos aumentassem sua produção de petróleo, mas a solução não é tão simples. Os Estados Unidos já são o maior produtor mundial de petróleo bruto, mas também são o maior consumidor do mundo. Além disso, o petróleo dos Estados Unidos é “mais leve e diferente [21]” do que o que é utilizado no país. Portanto, a plena independência energética é uma perspectiva difícil. O Canadá disse estar disposto a aumentar [22] os fluxos de gasodutos para os Estados Unidos, mas até isso tem suas limitações. Como acontece no caso dos países da OPEP, vários produtores se mostraram contrários a ajustar suas metas e planos de gastos para aumentar significativamente a produção, portanto, os Estados Unidos continuarão precisando de mais. Neste sentido, a aparente tentativa de Biden de cortejar o governo venezuelano faz sentido, apesar das críticas.

O Governo dos Estados Unidos se viu encurralado e nenhuma de suas opções está livre de riscos. Incentivar o aumento da produção de petróleo para limitar o déficit de abastecimento poderia alcançar seu objetivo de conter o preço do gás a curto prazo, mas isso afetará [21] suas metas de energia limpa a longo prazo. Por outro lado, muitos verão a normalização das relações com a Venezuela como um endosso tácito a um governo que o próprio Estados Unidos não reconhece como legítimo.