Haverá um mundo sem Putin, mas podemos viver em um mundo sem a Rússia?

O Kremlin, sede do governo da Rússia. Foto por Larry Koester, disponível no Flickr (CC BY 2.0).

A implementação de sanções contra a Rússia tem gerado reações contraditórias. Fontes russas, tanto do governo quanto dos oligarcas, alegam que o Ocidente está mirando na direção errada. Enquanto alguns índices mostram que a economia do país foi, de certa forma, afetada, alguns analistas sugerem que isso não é o suficiente para de fato pressionar o fim da guerra.

Definitivamente, há uma margem para causar mais danos à elite russa, mas é questionável se futuras punições podem levar à mudança do posicionamento das elites ou à destituição de Vladimir Putin e sua comitiva.

Em seu livro “Da ditadura à democracia“, Gene Sharp sugere que a forma de “matar” um ditador é privá-lo do apoio popular. Essa ainda parece ser uma opção distante para a Rússia, considerando o apoio, ativo ou passivo, que ele recebe da maioria da população.

Mas não é só com a revolta popular que se muda a alta cúpula de um país. Como apontado em “O manual do ditador“, quando o seletorado (a elite mais poderosa de um país, de quem o ditador depende para se manter no poder) se cansa de um líder, ele pode destitui-lo e organizar uma troca de governo. A destituição de Putin não significaria, automaticamente, uma mudança radical na sociedade russa, mas poderia atenuar o conflito com a Ucrânia.

Rumores sobre o Kremlin parecem indicar que uma reforma da elite está no ar. Mas essa ainda é uma opção distante se as sanções continuarem atingindo toda a comitiva de Putin. Imagine que você é alguém bastante próximo de Putin para conseguir planejar um golpe. Você teria que encarar o legado da guerra e criar uma história para acalmar o descontentamento por ter liquidado o político mais famoso do país; e sem poder contar com muito apoio externo: você provavelmente seria punido, correria o risco de ter suas propriedades em Londres e seu iate confiscados a qualquer momento, ou até mesmo de ser preso se pisasse nos EUA ou na UE. Você teria qualquer garantia de que tirar Putin abriria o caminho para a sua própria redenção?

Por esse preço, a escolha é entre ficar no barco que está afundando ou pular em mar aberto sem um colete salva-vidas. Muitos reclamam, mas poucos, se houver algum, aproveitariam tal chance na Rússia de hoje.

Em poucas semanas, é possível pôr em risco a estrutura de 30 anos que formou a elite atual? E isso pode ser feito de fora? Não haverá uma segunda revolução russa tão cedo. Em algum momento, Putin sairá, mas quem substituí-lo será alguém feito do mesmo barro.

Putin nunca aceitará a derrota, mas talvez exista entre suas elites alguém disposto a amenizar a situação e culpar o atual presidente pela guerra e tudo mais. As sanções atuais e a pressão diplomática podem ser uma forma eficaz de mudar a posição da Rússia sem causar uma guerra mundial, mas se toda a elite russa for criminalizada na mesma medida, quem aceitará o peso de se tornar o(a) próximo(a) presidente russo(a)? E ele(a) estará aberto(a) ao diálogo com o Ocidente?

Tenho pouca esperança de que o(a) próximo(a) líder russo(a) seja fã da UE, que respeite a liberdade individual ou até mesmo que se importe com seu povo, mas ele(a) precisa ser mais aberto(a) do que Putin a um diálogo construtivo com seus vizinhos.

Não podemos importar a democracia para a Rússia; é algo que os próprios russos precisam fazer, quando, e se, a sociedade russa se preocupar com isso. Mas podemos, pelo menos, limitar os riscos de guerras futuras e abrir o caminho para um diálogo sobre temas cruciais — não com Putin, mas com quem sucedê-lo. E é mais fácil entrar em um acordo conversando do que cortando as relações e baseando seus atos em suposições sobre o que o outro lado pensa.


 

Para mais informações sobre este assunto, veja nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia.

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