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Rússia e América Latina, tão longe e tão perto

Categorias: América Latina, Europa Oriental e Central, Rússia, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais, The Bridge, Russia invades Ukraine

Ilustração por Erick Retana

Este artigo foi publicado originalmente na Connectas [1]. Uma versão abreviada e atualizada é publicada pela Global Voices sob um acordo de compartilhamento de conteúdo.

“A coisa mais significativa que aconteceu no mundo em termos de guerra e paz desde a Segunda Guerra Mundial.”

Foi assim que o presidente dos EUA, Joe Biden, descreveu [2] o que uma invasão russa na Ucrânia significaria para os Estados Unidos. Biden recusou-se a comentar sobre as prováveis consequências de tal situação, nem é necessário – ninguém ficaria indiferente. Então, em 24 de fevereiro, a Rússia atacou [3] a Ucrânia.

Mas, de que forma e com quais efeitos poderia um conflito como esse – que não é atenuado, apesar de todas as tentativas – ter sobre a América Latina?

Para tentar chegar a uma explicação, deve-se primeiro tentar entender a longa e complicada relação de amor e ódio entre Rússia e Ucrânia. A narrativa de que ucranianos e russos são um só povo é o principal argumento que Vladimir Putin está usando para justificar o que ele realmente esconde: o seu desejo de converter novamente a Ucrânia em Estado de satélite, como assim foi durante grande parte do século 20, em que se sujeitava a Moscou.

Vladimir Rouvinsky, professor da Universidade de Icesi, em Cali, na Colômbia, explicou seu ponto de vista a CONNECTAS:

In the end, Ukraine is nothing more than an excuse. What is really at stake here is the international order being challenged by new emerging powers, in this case, Russia. In a way, we are beginning to see how Russia will act on the world stage in the future. Putin believes that the United States still regards Latin America as its backyard and based on this, claims that Russia has the same right to influence Ukraine, Belarus and other nations in its surrounding area.

No final, a Ucrânia nada mais é do que uma desculpa. O que realmente está em jogo aqui é a ordem internacional sendo desafiada por novas potências emergentes, neste caso, a Rússia. De certa forma, começamos a ver como a Rússia irá agir no cenário mundial no futuro. Putin acredita que os Estados Unidos ainda consideram a América Latina como seu quintal e, com base nisso, afirma que a Rússia tem o mesmo direito de influenciar Ucrânia, Belarus e outras nações na região em seu entorno.

O presidente russo não aceitará que lhe digam o que fazer e como agir na região que era parte da ex-União Soviética. Segundo Rouvinsky, “Foi aí quando as ações recíprocas começaram a aparecer na América Latina, eu diria de forma mais simbólica, para demonstrar que a Rússia é capaz de gerar influência em território aparentemente estrangeiro”.

É claro que, pelo menos por enquanto, os destinos preferidos da Rússia são Venezuela e Nicarágua. Os  dois países têm regimes ditatoriais que Putin aproveita ao máximo, apoiando-os nos desafios que ambos enfrentam em termos de garantias democráticas e direitos humanos.

À primeira vista, Cuba também entraria nesta lista, mas o professor Rouvinsky discorda:

Today Cuba is separated from Russia by ideology. Cuba is socialist, Russia is capitalist. Cuba may agree with the anti-American discourse led by Maduro [4] and Ortega [5], but that is not enough to make it an ally. There is no longer that degree of trust from the time of the Soviet Union.

Hoje, Cuba está separada da Rússia pela ideologia. Cuba é socialista, a Rússia é capitalista. Cuba pode concordar com o discurso antiamericano liderado por Maduro [6] e Ortega [7], mas isso não é suficiente para torná-la uma aliada. Não há mais esse nível de confiança da época da União Soviética.

A influência russa parece ter se estendido além das ditaduras. Aparentemente, o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, foi adicionado à lista nos últimos dias, enquanto ainda estava no Kremlin. Fernández disse [8] a um Putin claramente satisfeito: “Estou determinado a tornar a Argentina não tão dependente do FMI e dos Estados Unidos, e a considerar outras oportunidades, e acredito que a Rússia tem um posição muito importante”.

Fernández continuou, indo além do qualquer um esperava:

We have to see how Argentina can become a gateway to Russia in Latin America, so that Russia enters in a more decisive way.

Temos que ver como a Argentina pode se tornar uma porta de entrada para a Rússia na América Latina, para que a Rússia entre de forma mais decisiva.

A Rússia é também o país sobre o qual mais se fala na Colômbia. As relações bilaterais foram afetadas pelas recentes declarações de autoridades de ambos os lados. Segundo o ministro da Defesa, Diego Molano, as complexas condições de segurança na fronteira com a Venezuela devem-se à presença de tropas da República Bolivariana que têm “o apoio do Irã e da Rússia.”

A embaixada russa respondeu [9] imediatamente: “Estamos perplexos com as contínuas tentativas de acusar a Federação Russa de suposta ‘interferência nos assuntos internos da Colômbia'”, sem nenhuma base”. De acordo com o representante diplomático, Molando está baseando suas acusações em “dados de inteligência” não substanciados.

Dessa forma, fica claro então que a Rússia, em seu desafio ao Ocidente, está fazendo sentir sua presença na América Latina. O professor Michael Shifter, do Diálogo Interamericano, disse à CONNECTAS que a Rússia “está demonstrando sua força ao se mostrar presente na região. (…) Putin está interessado em promover a democracia como ele a vê”. Além do mais, ele não está fazendo isso em um momento qualquer, diz Shifter, mas está “aproveitando o fato de que os Estados Unidos estão tendo sérios problemas internos, com uma situação política muito polarizada e muito tóxica”.

Junto com a Rússia surge um aliado nada improvável – A República Popular da China. De acordo com Shifter, “o pacto de solidariedade entre os dois países permite a atuação na Venezuela, onde estão fortemente envolvidos em projetos tecnológicos e infraestruturais”. O professor Shifter ainda comentou que, no passado, a República Popular da China estava mais interessada apenas em oportunidades comerciais, mas está gradativamente ousando fazer mais, “em vista da inegável perda de influência dos Estados Unidos na região”.

Isto ficou claro quando o presidente Fernández incluiu Pequim em sua turnê, após o que ele tuitou [10], “tive um encontro cordial, amigável e frutífero com Xi Jumping, presidente da China. Concordamos em incorporar a Argentina à Iniciativa Cinturão e Rota da Seda”. Ele também descreveu os resultados da reunião como “excelentes notícias (porque) nosso país obterá mais de 23 bilhões de dólares em investimentos chineses para obras e projetos”.

Ainda assim, com ou sem a China, Putin prova ser um jogador de xadrez agressivo, que não se importa em mover suas peças para onde quer que lhe agrade. Como observa Shifter, um elemento importante a considerar é que ninguém pode prever quanto tempo mais este homem – que é desafiador e autoritário, e parece personificar a astúcia – permanecerá no leme do poderoso navio russo.


 

For more information about this topic, see our special coverage Russia invades Ukraine [11].