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Mulheres em toda a Turquia participam de marcha noturna anual

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Turquia, Direitos Humanos, Direitos LGBT, História, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Política, Protesto

Captura de tela de uma reportagem de  HaberTurk [1]

Apesar das tentativas do governo de impedir [2] protestos no Dia Internacional da Mulher, mulheres em toda a Turquia foram às ruas pedindo igualdade de direitos, igualdade salarial, melhor proteção contra a violência de gênero e a volta da Turquia à Convenção de Istambul [3], um tratado vinculante de direitos humanos do Conselho da Europa que se compromete a evitar, processar e eliminar a violência doméstica e promover a igualdade de gênero.

Esta é a 20ª vez consecutiva [4] que as mulheres na Turquia participaram da chamada “marcha noturna” para comemorar o dia. A tradição começou em 2003. Passando por cidades grandes e pequenas, milhares de mulheres se juntaram à marcha noturna, mesmo com a forte presença policial e a proibição de manifestações em cidades grandes como Istambul [4].

Pelo menos 38 mulheres foram detidas [4] apenas em Istambul, enquanto que em outras locais a polícia recorreu à violência, e muitas manifestantes foram atingidas por gás lacrimogêneo [5].

 

Grupos de mulheres se reuniram perto da Praça Taksim, em Istambul, apesar das fortes ações da polícia de choque e uso de gás lacrimogêneo. O governo proibiu a marcha noturna.

Tradicional marcha noturna feminista em Istambul. A polícia bloqueou cada pequena esquina, mas não pode impedir milhares de mulheres que ocupam as ruas. Tão poderosas!

Em Ankara, a polícia fez barricadas [15] onde as elas planejavam se encontrar. Mas mesmo assim, as manifestantes foram para ruas laterais e marcharam.

Grande número de participantes na marcha feminista noturna de Ankara. Apesar da intervenção policial, elas farão um comunicado à imprensa após a marcha.

As organizadoras da marcha feminista noturna, tuitando de sua conta oficial, disseram que nenhum obstáculo impediria as mulheres de participarem da marcha desse ano, em resposta à decisão [20] do Gabinete do Governador de Istambul de proibir a marcha com o objetivo de “proteger direitos e liberdades e evitar crimes”.

Todo os anos, no dia 8 de março, apesar dos desafios, reivindicamos nossos direitos, vidas, existência, igualdade e trabalho. Marchamos durante 19 anos  e marcharemos no vigésimo ano também.

Outras se juntaram em solidariedade, como as musicistas Melis Karaduman e Canay Dogan, que lançaram um single [23] chamado “Mulher” em razão do Dia Internacional da Mulher. A letra da música fala sobre a desigualdade de gênero e os problemas e ameaças que as mulheres enfrentam na sociedade turca.

A música suave do vídeo acompanha as duas cantoras que compartilham através da letra da canção o que muitas mulheres enfrentam diariamente:

You go out, eyes are always watching you, from behind
“Does your father know what time it is?”
Everyone else decides your life but you.
Because you are a woman and you've always been suppressed
But not this time, don't hide your light.

Don't walk behind me on a dark night
don't spy on me
After all we are all the same, we are all human
We recognize fear.

Se você sai, olhos estão sempre te vigiando, por trás/”Seu pai sabe que horas são?”/Todo mundo decide coisas na sua vida menos você/Porque você é mulher e você sempre foi reprimida/Mas não agora, não esconda sua luz/Não ande atrás de mim numa noite escura/não me espie/afinal somos todos iguais, somos todos humanos/reconhecemos o medo.

Enquanto isso, o principal partido da oposição, o Partido do Povo Republicano (CHP) prometeu [24] voltar a implementar a Convenção de Istambul na Turquia. “Estamos determinados a impedir a violência contra a mulher. Quando chegarmos ao poder, planejamos começar a implementar a Convenção de Istanbul ainda na primeira semana. Iremos implementar efetivamente convenções internacionais e disposições legislativas nacionais”, disse [24] Aylin Nazlıaka, presidente do departamento de mulheres do Partido Republicano do Povo, em uma coletiva de imprensa com as líderes dos departamentos de mulheres de 81 províncias e 973 distritos em 8 de março. A Turquia saiu [25] da Convenção de Istambul em março de 2021, depois que o governo atual no poder, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP),  qualificou como o tratado de “normalização da homossexualidade”. Essa foi a primeira marcha das mulheres desde que a Turquia saiu da convenção.

A saída da Convenção de Istambul não foi o único retrocesso para os defensores de direitos das mulheres sob o governo do Partido Justiça e Desenvolvimento. Um dos maiores problemas que as mulheres enfrentam na Turquia é a violência contra mulheres. De acordo com um rastreador que documenta os nomes daquelas que morreram como resultado de violência, 418 [26] mulheres foram assassinadas em 2021. Embora nem se passaram três meses, o rastreador já registrou 74 mortes [27] em 2022. Vamos Parar o Feminicídio, outra plataforma que documenta a violência contra a mulher, registrou 280 feminicídios [28] em 2021, um aumento importante comparado com os 80 feminicídios ocorridos em 2008 [29]. O governo turco não revela [30] dados sobre o feminicídio. Entretanto, o partido afirma que tem feito mais [31] pelas mulheres que os governos anteriores.

Mas os dados gritantes parecem não estar provocando nenhum impacto. O presidente Recep Tayyip Erdoğan  insiste que o “Plano de Ação para Combater a Violência contra a Mulher”, implementado [32] em julho de 2021 pelo partido AKP, é suficiente para combater a violência contra as mulheres. Defensoras de direitos da mulheres discordam [33]. Em uma entrevista [34] em 2021 para a AlJazzera, Ayşe Faride Acar, uma acadêmica turca que supervisionou a implementação da Convenção da Turquia entre 2015 e 2019, disse: “As leis atuais não são adequadas. Ocorrem  assassinatos de mulheres todos os dias porque tanto a estrutura existente como a execução legal não são adequadas”.

A posição do presidente Erdoğan sobre os direitos das mulheres também explica a situação deteriorante. Enquanto ele se referia às mulheres como as “criaturas mais sagradas [35]” em 2014 ao falar na Cúpula de Mulheres e Justiça [36] em Istambul, ele notoriamente disse que a igualdade de gênero era “contra a natureza humana [37]“. Dois anos mais tarde, disse que mulheres que trabalham eram “deficientes [38]

O ranking global de desigualdade de gênero fala por si só. O informe mais recente do Índice de Desigualdade de Gênero (2021) [39] colocou a Turquia em 133º lugar dentre 156 países. Em uma  análise recente [40] solicitada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), a Turquia apresentou o menor ranqueamento de desenvolvimento de gênero entre os países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principalmente devido a disparidades na distribuição de renda [41]. De acordo com um relatório de 2020 [42] feito pelo centro de pesquisa da Confederação dos Sindicatos Progressistas da Turquia (DİSK-AR), “a renda salarial dos homens é 31,4% maior que a das mulheres”. Mas aqui, também, Erdoğan discorda [31]. Ao falar em um evento organizado pela Associação Mulheres e Democracia (KADEM), o presidente se gabou de que, sob o governo de 20 anos do AKP, o percentual de mulheres no mercado de trabalho cresceu apenas 7%, passando de 27% para 34%.

As mulheres da marcha noturna de Istambul têm planos diferentes. Em um comunicado lido no final da marcha, as mulheres juraram [43]que “a revolta feminista não irá terminar sem estabelecer um mundo igual e livre, onde não exista o patriarcado, o capitalismo, o racismo, as guerras, as invasões, a opressão religiosa e a exploração laboral!”. Vida a nossa luta feminista!”