Mulheres em toda a Turquia participam de marcha noturna anual

Captura de tela de uma reportagem de  HaberTurk

Apesar das tentativas do governo de impedir protestos no Dia Internacional da Mulher, mulheres em toda a Turquia foram às ruas pedindo igualdade de direitos, igualdade salarial, melhor proteção contra a violência de gênero e a volta da Turquia à Convenção de Istambul, um tratado vinculante de direitos humanos do Conselho da Europa que se compromete a evitar, processar e eliminar a violência doméstica e promover a igualdade de gênero.

Esta é a 20ª vez consecutiva que as mulheres na Turquia participaram da chamada “marcha noturna” para comemorar o dia. A tradição começou em 2003. Passando por cidades grandes e pequenas, milhares de mulheres se juntaram à marcha noturna, mesmo com a forte presença policial e a proibição de manifestações em cidades grandes como Istambul.

Pelo menos 38 mulheres foram detidas apenas em Istambul, enquanto que em outras locais a polícia recorreu à violência, e muitas manifestantes foram atingidas por gás lacrimogêneo.

 

Grupos de mulheres se reuniram perto da Praça Taksim, em Istambul, apesar das fortes ações da polícia de choque e uso de gás lacrimogêneo. O governo proibiu a marcha noturna.

Tradicional marcha noturna feminista em Istambul. A polícia bloqueou cada pequena esquina, mas não pode impedir milhares de mulheres que ocupam as ruas. Tão poderosas!

Em Ankara, a polícia fez barricadas onde as elas planejavam se encontrar. Mas mesmo assim, as manifestantes foram para ruas laterais e marcharam.

Grande número de participantes na marcha feminista noturna de Ankara. Apesar da intervenção policial, elas farão um comunicado à imprensa após a marcha.

As organizadoras da marcha feminista noturna, tuitando de sua conta oficial, disseram que nenhum obstáculo impediria as mulheres de participarem da marcha desse ano, em resposta à decisão do Gabinete do Governador de Istambul de proibir a marcha com o objetivo de “proteger direitos e liberdades e evitar crimes”.

Todo os anos, no dia 8 de março, apesar dos desafios, reivindicamos nossos direitos, vidas, existência, igualdade e trabalho. Marchamos durante 19 anos  e marcharemos no vigésimo ano também.

Outras se juntaram em solidariedade, como as musicistas Melis Karaduman e Canay Dogan, que lançaram um single chamado “Mulher” em razão do Dia Internacional da Mulher. A letra da música fala sobre a desigualdade de gênero e os problemas e ameaças que as mulheres enfrentam na sociedade turca.

A música suave do vídeo acompanha as duas cantoras que compartilham através da letra da canção o que muitas mulheres enfrentam diariamente:

You go out, eyes are always watching you, from behind
“Does your father know what time it is?”
Everyone else decides your life but you.
Because you are a woman and you've always been suppressed
But not this time, don't hide your light.

Don't walk behind me on a dark night
don't spy on me
After all we are all the same, we are all human
We recognize fear.

Se você sai, olhos estão sempre te vigiando, por trás/”Seu pai sabe que horas são?”/Todo mundo decide coisas na sua vida menos você/Porque você é mulher e você sempre foi reprimida/Mas não agora, não esconda sua luz/Não ande atrás de mim numa noite escura/não me espie/afinal somos todos iguais, somos todos humanos/reconhecemos o medo.

Enquanto isso, o principal partido da oposição, o Partido do Povo Republicano (CHP) prometeu voltar a implementar a Convenção de Istambul na Turquia. “Estamos determinados a impedir a violência contra a mulher. Quando chegarmos ao poder, planejamos começar a implementar a Convenção de Istanbul ainda na primeira semana. Iremos implementar efetivamente convenções internacionais e disposições legislativas nacionais”, disse Aylin Nazlıaka, presidente do departamento de mulheres do Partido Republicano do Povo, em uma coletiva de imprensa com as líderes dos departamentos de mulheres de 81 províncias e 973 distritos em 8 de março. A Turquia saiu da Convenção de Istambul em março de 2021, depois que o governo atual no poder, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP),  qualificou como o tratado de “normalização da homossexualidade”. Essa foi a primeira marcha das mulheres desde que a Turquia saiu da convenção.

A saída da Convenção de Istambul não foi o único retrocesso para os defensores de direitos das mulheres sob o governo do Partido Justiça e Desenvolvimento. Um dos maiores problemas que as mulheres enfrentam na Turquia é a violência contra mulheres. De acordo com um rastreador que documenta os nomes daquelas que morreram como resultado de violência, 418 mulheres foram assassinadas em 2021. Embora nem se passaram três meses, o rastreador já registrou 74 mortes em 2022. Vamos Parar o Feminicídio, outra plataforma que documenta a violência contra a mulher, registrou 280 feminicídios em 2021, um aumento importante comparado com os 80 feminicídios ocorridos em 2008. O governo turco não revela dados sobre o feminicídio. Entretanto, o partido afirma que tem feito mais pelas mulheres que os governos anteriores.

Mas os dados gritantes parecem não estar provocando nenhum impacto. O presidente Recep Tayyip Erdoğan  insiste que o “Plano de Ação para Combater a Violência contra a Mulher”, implementado em julho de 2021 pelo partido AKP, é suficiente para combater a violência contra as mulheres. Defensoras de direitos da mulheres discordam. Em uma entrevista em 2021 para a AlJazzera, Ayşe Faride Acar, uma acadêmica turca que supervisionou a implementação da Convenção da Turquia entre 2015 e 2019, disse: “As leis atuais não são adequadas. Ocorrem  assassinatos de mulheres todos os dias porque tanto a estrutura existente como a execução legal não são adequadas”.

A posição do presidente Erdoğan sobre os direitos das mulheres também explica a situação deteriorante. Enquanto ele se referia às mulheres como as “criaturas mais sagradas” em 2014 ao falar na Cúpula de Mulheres e Justiça em Istambul, ele notoriamente disse que a igualdade de gênero era “contra a natureza humana“. Dois anos mais tarde, disse que mulheres que trabalham eram “deficientes

O ranking global de desigualdade de gênero fala por si só. O informe mais recente do Índice de Desigualdade de Gênero (2021) colocou a Turquia em 133º lugar dentre 156 países. Em uma  análise recente solicitada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), a Turquia apresentou o menor ranqueamento de desenvolvimento de gênero entre os países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principalmente devido a disparidades na distribuição de renda. De acordo com um relatório de 2020 feito pelo centro de pesquisa da Confederação dos Sindicatos Progressistas da Turquia (DİSK-AR), “a renda salarial dos homens é 31,4% maior que a das mulheres”. Mas aqui, também, Erdoğan discorda. Ao falar em um evento organizado pela Associação Mulheres e Democracia (KADEM), o presidente se gabou de que, sob o governo de 20 anos do AKP, o percentual de mulheres no mercado de trabalho cresceu apenas 7%, passando de 27% para 34%.

As mulheres da marcha noturna de Istambul têm planos diferentes. Em um comunicado lido no final da marcha, as mulheres juraram que “a revolta feminista não irá terminar sem estabelecer um mundo igual e livre, onde não exista o patriarcado, o capitalismo, o racismo, as guerras, as invasões, a opressão religiosa e a exploração laboral!”. Vida a nossa luta feminista!”

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