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A internet da Ucrânia pode suportar ataques em longo prazo e destruição pela Rússia?

Categorias: Europa Oriental e Central, Rússia, Ucrânia, Ativismo Digital, Censorship, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Relações Internacionais, Tecnologia, RuNet Echo, GV Advocacy, Russia invades Ukraine

Captura de tela do canal da Euronews no YouTube [1] mostrando como as pessoas em Kiev buscam abrigo nos metrôs enquanto permanecem informadas com o auxílio das redes móveis.

Na Ucrânia, a internet se tornou a principal frente de defesa contra a invasão russa [2]. É como os militares informam os ucranianos [3] sobre os próximos ataques russos, sobre a organização da ajuda humanitária [4], como os vigilantes cibernéticos são reunidos [5] e como o resto do mundo fica sabendo [6] sobre a guerra. Tornou-se a arma mais importante da Ucrânia, dominando a narrativa da guerra e resistindo à desinformação russa. A internet é também a forma como empresas ocidentais, como a Microsoft, têm sido capazes de analisar e corrigir [7] vulnerabilidades nas redes da Ucrânia, criando uma defesa eficaz contra os ataques cibernéticos de Moscou. Muitos especialistas têm perguntado [8] por que a Rússia não tentou destruir a infraestrutura da internet na Ucrânia.

Em 2014, o controle da Rússia sobre as redes de internet da Crimeia foi uma das principais causas [9] para o sucesso do referendo de adesão da península à Federação Russa. Moscou esperava [10] uma manobra semelhante durante a invasão da Ucrânia. Desde 24 de fevereiro, Vladimir Putin tem confiado na internet ucraniana para organizar a oposição interna a Volodymyr Zelenskyy e exortar os ucranianos a pegar em armas contra seu próprio governo. Embora a narrativa da Rússia não tenha sido ouvida pela maioria dos ucranianos, ela convenceu alguns [11] a ajudar os militares russos, marcando o terreno de aterrissagem e bombardeando alvos.

Se a guerra se arrastar e a Rússia continuar incapaz de controlar a narrativa dentro da Ucrânia, poderá ter como alvo a infraestrutura central de telecomunicações. Até agora, muitas manobras militares russas foram centradas nos centros urbanos de internet da Ucrânia. Em antecipação, empresas e governos em todo o mundo ajudaram a fortalecer as redes de comunicação do país. O magnata dos Estados Unidos Elon Musk [12] doou um número desconhecido de sistemas de comunicação por meio do satélite Starlink em caso de grandes perturbações na internet. Os operadores europeus de telecomunicações ofereceram serviços gratuitos [13] aos ucranianos. Embora gentis e úteis, esses gestos serão ineficazes se a Rússia decidir atacar os cabos submarinos e de fibra óptica.

O estado da infraestrutura da internet na Ucrânia

O ciberespaço pode ser mais bem compreendido por uma estrutura de três camadas. [14] A camada mais fundamental é a infraestrutura física: cabos submarinos de fibra óptica e satélites que transmitem dados. A segunda camada é composta pelos protocolos que permitem que computadores e redes de sub-rede se comuniquem entre si: TCP/IP, Border Gateway Protocol (BGP) e o Domain Name System (DNS). Ambas as camadas são extremamente vulneráveis à manipulação. Cabos submarinos e de fibra podem ser bombardeados; servidores DNS podem ser invadidos; o tráfego IP pode ser redirecionado.

A camada final é feita dos destinos finais com os quais os usuários estão mais familiarizados: sites do governo, Telegram, Facebook etc. Esta é a camada mais resiliente porque os sites podem ser espelhados, as informações erradas podem ser apagadas e as páginas hackeadas podem ser rapidamente restauradas. As VPNs (Virtual Private Networks [15]) que operam na segunda camada podem ser usadas para contornar as restrições a sites na terceira camada.

A camada primária, a infraestrutura física, tem o maior potencial [16] para influenciar a dinâmica do conflito militar em solo. A principal função dos nós à internet é abrigar [17] “sistemas autônomos (AS), um conjunto de roteamento de Protocolo de Internet (IP) conectado [nós] que os operadores de rede controlam, o que define a política de roteamento para a internet”. O controle sobre o AS permite ao operador restringir ou redirecionar o caminho dos dados. O mapa abaixo mostra a localização dos nós de dados primários da Ucrânia. Se a Rússia assumisse o controle de Mariupol, Zaporíjia, Dnipro e Odessa, poderia controlar quase totalmente o fluxo do tráfego de internet da Ucrânia.

Por que a Rússia não atacou a rede de telecomunicações da Ucrânia?

Em 24 de fevereiro, o dia da invasão da Rússia, a Ucrânia enfrentou falhas generalizadas na internet. O provedor de serviços de internet Triolan, que atende a maior parte da Ucrânia e, em particular, Kharkiv, enfrentou interrupções parciais [18] devido a ataques cibernéticos em suas instalações. Os servidores DNS da Triolan, que encaminham o tráfego de dispositivos para sites da internet, foram parcialmente bloqueados.

Desde o início da guerra, a internet da Ucrânia permaneceu praticamente intacta, e as interrupções permanecem locais. Quando as forças russas ocuparam Zaporíjia em 7 de março, desconectaram as redes móveis e de internet [19]. Zaporíjia abriga a maior usina nuclear da Europa e é um dos principais nós de telecomunicações da Ucrânia. Após a ocupação, a Agência Internacional de Energia Atômica informou [19] que “as linhas telefônicas, assim como de e-mails e fax, não estavam mais funcionando”, impedindo a comunicação com a usina nuclear.

A fim de desconectar totalmente as redes de internet da Ucrânia, vários IPs em todo o país precisam ser interrompidos. Isto é possível tanto por ciberataques sustentados quanto por bombardeios diretos. A Lanet, um provedor de banda larga ucraniano, sofreu interrupções [20] na cidade de Sievierodonetsk quando seus cabos foram danificados durante o combate. Apesar de alguns ataques [21] às torres de TV, os principais serviços de telecomunicações da Ucrânia ainda não foram alvo de ataques. Há duas razões possíveis para isso.

Em primeiro lugar, a infraestrutura de telecomunicações da Ucrânia é resiliente aos ataques russos. A internet ucraniana é muito distribuída. Devido a uma falta de regulamentação nos anos 1990, muitos provedores independentes de serviços de internet (ISP) construíram redes em todo o país [14] sem uma competição séria. Mais da metade dos usuários de internet da Ucrânia está coberta por uma rede [22] que tem menos de 1% do mercado nacional. Ao contrário da maioria dos países do mundo, a internet na Ucrânia é extremamente local, com poucos pontos de estrangulamento.

Além disso, as redes de telecomunicações da Ucrânia também foram fortalecidas desde 2014. Após a invasão de Crimeia e Donbas, a Ucrânia criou [23] o departamento de polícia cibernética para melhorar suas capacidades digitais. Em 2016, o país adotou [24] uma Estratégia Nacional de Segurança Cibernética. A União Europeia também investiu [25] USD 27 milhões para apoiar [26] a segurança cibernética da Ucrânia e consolidar sua infraestrutura digital.

Em segundo lugar, a Rússia esperava muito provavelmente usar a internet e as redes celulares da Ucrânia para sua própria comunicação. A experiência militar dos Estados Unidos demonstrou [27] como é difícil estabelecer uma rede de comunicação em uma zona de guerra ativa a partir do zero. As forças armadas russas na Ucrânia já contavam muito [28] com a infraestrutura de telecomunicações existente. John Ferrari, um general duas estrelas reformado comentou [8]: “Você não pode derrubar as torres de telefonia celular, porque fica sem referências”. Após companhias telefônicas proibirem o acesso a telefones com números russos, circularam relatos [29] de que os soldados russos estavam roubando os telefones celulares dos ucranianos para se comunicarem com seus comandantes.

As redes preservadas também oferecem oportunidades de controle e espionagem. Considerando que a Rússia esperava uma vitória “blitzkrieg” (guerra-relâmpago) sobre a Ucrânia [30], as redes de comunicação teriam sido vitais para a gestão do país. As redes de telecomunicações ativas também permitem uma oportunidade para reunir informação estratégica [31] sobre a comunicação civil e militar da Ucrânia. Agora que uma vitória rápida está praticamente fora de cogitação, resta saber se a Rússia mudará o foco para interromper as redes de comunicação da Ucrânia.

O que pode ser feito para impedir a interrupção?

Em antecipação, a Starlink de Elon Musk doou algumas dezenas de sistemas de satélite ao governo ucraniano. Embora ainda não esteja claro como estão sendo utilizados, há inúmeras preocupações com o sistema. Como Musk indicou [32], a comunicação via satélite é um alvo fácil de ataque. Se o espaço aéreo for controlado, a transmissão do usuário para o satélite pode ser interceptada e triangulada de volta para a localização do sinal. Além disso, a comunicação via satélite é mais fácil de ser bloqueada [33] e interrompida. Consequentemente, a Starlink concentrou recentemente seus esforços [34] na defesa cibernética e na prevenção do congestionamento do sinal.

Além disso, como 99% do tráfego da internet viaja por meio de cabos terrestres, as conexões via satélite desempenham um papel insignificante na infraestrutura de telecomunicações de uma nação. A Starlink não será a panaceia [35] para a comunicação da Ucrânia no caso do controle total da Rússia. Mesmo se cada ucraniano tivesse uma antena parabólica Starlink, há limites para a faixa geográfica do satélite e os reguladores ainda têm controle sobre as frequências de espectro necessárias.


Para mais informações sobre este tópico, veja nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia [2].