Apesar da distância geográfica entre Taiwan e Ucrânia, muitos taiwaneses acompanham apreensivos a invasão da Rússia, enquanto refletem sobre seus próprios temores acerca de uma possível invasão chinesa da sua ilha.
Existem diversos paralelos políticos e históricos que explicam o porquê de os taiwaneses prestarem mais atenção não apenas aos eventos no território da Ucrânia, mas talvez ainda mais às reações dos demais governos.
Taiwan, um país com 23 milhões de habitantes, compartilha do mesmo idioma e da mesma herança cultural da República Popular da China, e mesmo assim, se encontra sob constante ameaças militares de uma Pequim que se recusa a reconhecer a independência de uma entidade soberana, que mantém o seu próprio governo, moeda, militares e diplomacia desde a década de 1940.
Pequim, assim como Moscou, baseia-se em argumentos políticos e culturais para negar a independência de Taiwan e para afirmar que reunirá a ilha ao restante do continente, utilizando-se de força militar, se necessário. O líder chinês, Xi Jinping, insiste que a “reunificação” de Taiwan continua sendo uma das maiores ambições geopolíticas da China.
O outro paralelo diz respeito à segurança militar: A Ucrânia não é membro da OTAN, mas tem recebido garantias de apoio da Europa e dos EUA. No entanto, enquanto a Rússia continua com a invasão, Bruxelas e Washington afirmam claramente que não enviarão suas tropas para o território ucraniano, ao passo que fornecem apoio técnico, financeiro e político – e, mais recentemente, militar -. Em vez disso, os EUA aumentam a presença de suas tropas nos Estados membros da OTAN, elevando o total do destacamento europeu para 12.000. A OTAN fortaleceu suas posições na Hungria, Eslováquia, Romênia e Polônia.
Este seria provavelmente o cenário que viria a se desenvolver em Taiwan caso Pequim decidisse lançar um ataque militar na ilha. Taiwan depende, para sua segurança, além de suas próprias forças militares, da Lei de Relações com Taiwan (em inglês, TRA) promulgada pelo Congresso norte-americano em 1979, que diz que “os Estados Unidos colocarão à disposição de Taiwan os artigos e serviços de defesa na quantidade necessária para permitir que Taiwan mantenha uma capacidade suficiente de autodefesa”, embora não garanta diretamente que Washington interviria no caso de uma invasão chinesa.
Assim, do ponto de vista da opinião pública taiwanesa, o modo como Washington, Tóquio, e também Pequim e Bruxelas reagem à guerra russa na Ucrânia pode ser interpretado como um sinal de como eles viriam a reagir no caso de uma invasão de Taiwan. O jornalista veterano nova-iorquino, Fan Qifei, apontou o apoio suspeito das ações de Putin na Ucrânia por Xi Jinping, e as possíveis ramificações para Taiwan.
Reações à invasão russa em Pequim e Taipei
Enquanto Pequim se posiciona ao lado de Moscou em uma série de questões globais, inclusive nas suas críticas à OTAN, a China até hoje não reconheceu a anexação russa da Crimeia em 2014, um território ucraniano atualmente controlado por Moscou. Pequim também não reconheceu as instituições das repúblicas autodeclaradas de Donetsk e Luhansk nas regiões orientais da Ucrânia. Moscou reconheceu essas duas entidades como países independentes em 21 de fevereiro de 2022.
Ao mesmo tempo em que apela por soluções diplomáticas, Pequim condena o Ocidente, principalmente Washington e a OTAN, por “provocar a Rússia” na guerra. Em 25 de fevereiro, o líder chinês Xi Jinping, e Putin, conversaram por telefone, onde Pequim pediu para “abandonar a mentalidade da Guerra Fria” enquanto se recusava a usar o termo “invasão” ao descrever a situação no território ucraniano.
Pequim se absteve da votação do Conselho de Segurança da ONU de 25 de fevereiro para condenar a invasão da Rússia na Ucrânia. Embora Xi Jinping tenha ecoado a Carta da ONU e a importância da integridade territorial da Ucrânia, ele também denunciou a expansão da OTAN para a esfera de influência russa, apelando para meios diplomáticos para resolver a guerra.
Taiwan, conhecida por sua indústria de alta tecnologia, aderiu rapidamente aos apelos dos EUA, do Reino Unido e da UE pelo aumento nas sanções contra a Rússia e condenou oficialmente a invasão russa. A pequena comunidade de cerca de 200 ucranianos que vivem em Taiwan também expressou preocupação com a segurança de seus familiares na Ucrânia.
Em resposta ao conflito em andamento, a presidente de Taiwan, Tsai Ing-Wen, expressou que a sua administração irá “continuar fortalecendo a nossa disponibilidade para responder às evoluções militares no Estreito de Taiwan” e, além disso, “reforçar de modo abrangente nossa resposta à guerra cognitiva de modo a fortalecer o moral público”.
Como os taiwaneses se posicionam com relação à situação na Ucrânia
Cidadãos e instituições de Taiwan manifestaram apoio à Ucrânia. Em 26 de fevereiro, o Taipei 101, o edifício mais emblemático da capital, foi todo iluminado em amarelo e azul, as cores da bandeira ucraniana. No mesmo dia, o final da celebração do Festival das Lanternas Kaohsiung 228 encheu o palco de azul e amarelo, como pode ser visto neste tuíte:
Felt a little emotional when the #Taipei skies darkened and the top of #Taipei101, #Taiwan’s tallest building lit up. The tower’s colours change every day. Tonight #Taiwan stands with #Ukraine pic.twitter.com/q8aGWn2ZOw
— Nicola Smith (@niccijsmith) February 26, 2022
Me senti um tanto emotivo quando os céus de Taipei escureceram e o topo do Taipei101, o edifício mais alto de Taiwan se iluminou. As cores da torre mudam a cada dia. Esta noite, Taiwan se solidariza com a Ucrânia.
De fato, muitos na ilha estão de olho no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e especialmente na reação internacional, como um alerta para a situação geopolítica precária de Taiwan.
Lu Qiuyuan, advogado e professor assistente da Universidade de Soochow, expressou indignação com o conflito e destacou as 10 lições da guerra na Ucrânia para Taiwan. De maneira centralizada, Qiuyuan lançou dúvidas sobre a capacidade da comunidade internacional de acompanhar a conversa. Como ele mesmo explica nos dois primeiros pontos:
1.不斷鼓吹不同國家卻同文同種的人,大致上都不懷好意。
2.不要過於相信國際社會,他們很多的所謂支持,都是說說而已。
1. As pessoas que continuam defendendo a mesma língua de países diferentes geralmente não têm boas intenções.
2. Não confiem demais na comunidade internacional. Muito do suposto apoio é apenas conversa.
Sean Su, cofundador do The Taiwan Report e do Keep Taiwan Free observa, ao falar com a Global Voices, que “neste momento todas as notícias falam sobre a Ucrânia e como isso pode afetar Taiwan. No pior cenário imaginável, a China fará a mesma coisa conosco e o mundo responderá com a mesma meia medida ineficaz”. E ainda acrescenta: “emocionalmente, isso com certeza nos atinge. A maior preocupação aqui é se são necessários tantos meses para desafiar o acúmulo militar de Putin na fronteira da Ucrânia (cuja economia é do tamanho da Itália) o que acontecerá quando a segunda maior economia do mundo for atrás de Taiwan? O mundo responderá tão lentamente quanto agora?”
No dia 26 de fevereiro, os cidadãos de Taiwan e muitos membros da diáspora internacional organizaram um protesto em frente ao Escritório de Representação Russa em Taipei. Ruslan Lysenko, um cidadão ucraniano, que vive em Taiwan e trabalha para uma empresa de tecnologia taiwanesa se expôs para demonstrar apoio para sua família, que atualmente está sitiada no norte de Kiev. Lysenko falou com a Global Voices e reiterou a incerteza na ilha:
Many are trying to understand the situation in any way they can, but they are very shaken. Ukraine doesn’t have very many connections to Taiwan, so it still feels very far away, but those who are involved are very worried that if the international treaties and agreements are not enforced in the case of Ukraine, then what could Taiwan expect from a world that barely recognizes its sovereignty?
Muitos estão tentando entender a situação como podem, mas estão bastante abalados. A Ucrânia não tem muitas relações com Taiwan, então a situação ainda parece algo bastante distante, mas aqueles que estão diretamente envolvidos estão muito preocupados, pois se os tratados e acordos internacionais não forem respeitados no caso da Ucrânia, então o que Taiwan poderá esperar de um mundo que mal reconhece sua soberania?
Alex Kuzman, um cidadão russo que trabalha como empresário de software em Taiwan foi ao protesto para condenar as ações da Rússia.
I was just shocked when it all started, I couldn’t imagine that it could happen in my lifetime. It still feels unreal. The Russia regime is now at a breaking point, this is beginning of the end, and it should be a warning to countries like China.
Eu fiquei chocado quando tudo começou, pois nunca na minha vida imaginei que isso pudesse acontecer. Ainda não parece ser real. O regime russo está agora num ponto de ruptura, este é o começo do fim, e deveria ser um aviso para países como a China.
A mídia de Taiwan reproduziu uma linha semelhante de oposição à agressão russa na Ucrânia. O jornal de Hong Kong, Apple Daily, fechado em 2021, que se mudou e foi realocado para Taiwan, comparou as ações de Putin na Ucrânia ao estalinismo.
Mindi World News, uma agência de reportagem independente sediada em Taipei, expressou dúvidas a respeito da suposta eficácia das sanções e sobre as repercussões nos cálculos da China em relação a Taiwan, questionando-se “中國是不是打算參考俄羅斯劇本,用在台灣身上” “A China planeja consultar o roteiro russo e usá-lo em Taiwan?”
Mas nem todos na ilha possuem a mesma visão. Chiu Yi, um ex-legislador do Kuomintang e do Primeiro Partido Popular, e crítico do governo de Tsai Ing-wen, expressou compreensão pela Rússia em sua página pública no Facebook, argumentando que a Ucrânia causou isso para si mesma, confiando tanto nos Estados Unidos.
À medida que a guerra se desenrola em toda a Ucrânia, muitos em Taiwan estão prestando ainda mais atenção. A resposta de todas as nações à agressão russa abrirá importantes precedentes de como o mundo reagirá quando tais injustiças acontecerem novamente. Só o tempo dirá se a jogada de Moscou irá incentivar o aventureirismo militar ilegal ou soará um alerta importante para os agressores em todo o mundo.
Para mais informações sobre este assunto, veja nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia.