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Na Colômbia, a troca de sementes promove conhecimentos tradicionais e soberania alimentar

Categorias: América Latina, Colômbia, Alimentação, Arte e Cultura, Economia e Negócios, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã

Homens e mulheres trocam sementes em Silvia (Cauca). Foto de Giovanna Landazabal, usada sob permissão

Mónica Solarte é agrônoma do povoado indígena Polindara, localizado no município de Totoro, a 30 quilômetros de Popayán, em Cauca, sul da Colômbia. A nação indígena Polindara foi reconhecida como tal em 2014.

Solarte é professora do ensino médio e faz parte de um projeto chamado “Sabores e Conhecimentos” em Polindara, o qual incentiva o consumo de alimentos locais como mandioquinha, batata-doce e feijão cacha.

Em seu povoado, a agroecologia garante a disponibilidade de alimentos saudáveis para o consumo, preserva os sistemas de produção tradicionais e assegura a conservação da diversidade biológica por meio de seus pomares.

Na Colômbia, um país que, devido às suas importações [1], perde cada vez mais a soberania alimentar, a troca de sementes nativas ajuda a recuperar e preservar os conhecimentos ancestrais. Também é uma forma de resistência camponesa e indígena [2] que traz consciência a respeito da importância do consumo de alimentos produzidos por agricultores locais.

Na comunidade de Solarte, as pessoas plantam pequenas quantidades de sementes que também são usadas para escambo, em vez de serem vendidas. Além de contribuir para a subsistência da comunidade, “os conhecimentos acumulados sobre as sementes estão relacionados com a gastronomia, a etnobotânica, a medicina etnoveterinária, nossa própria tecnologia e agricultura”, diz Solarte.

Em sua comunidade, há dois tipos de horta: a horta caseira, onde as pessoas semeiam plantas medicinais e frutíferas (tais como mandioquinha, batata-doce e coentro), cultivadas em pequenas quantidades para o consumo diário ao longo do ano; e a cementera, uma horta cultivada uma vez por ano, com plantações mistas de milho, feijão, ervilha, batata e “uluco [3]“.

Em setembro de 2021, Solarte compareceu à troca de sementes organizada pela Associação Jardim Botânico Las Delicias [4], liderada pelo povo indígena Misak, [5] em Silvia (Cauca). A agrônoma acredita na necessidade de preservação das sementes, e explica à Global Voices que “se o agricultor não consome ou não consegue vendê-las, as sementes não são plantadas e com isso os conhecimentos relativos a elas se perdem.

Esse encontro fez parte de dois projetos liderados pela Associação Jardim Botânico Las Delicias: o projeto “Guardiões da Terra”, financiado pela Cultural Survival; e a “Ciencia Cierta” (“Conhecimento Verdadeiro”), uma competição vencida pela Associação Jardim Botânico Las Delicias.

Diferentes espécies de batata e milho, entre outros alimentos, são trocadas durante o escambo, buscando recuperar as formas tradicionais de consumo. Foto de Giovanna Landazabal, usada sob permissão

Protegendo as sementes

Solarte aceitou o convite de Giovanna Landazabal, bióloga da Universidade Nacional e uma das colaboradoras e organizadoras do evento, que aponta que um dos propósitos desse encontro é reunir organizações, guardiões e protetores de sementes para que eles possam compartilhar as suas experiências no que diz respeito à defesa e preservação.

Outro objetivo foi promover a conscientização sobre a Associação Jardim Botânico Las Delicias e o seu projeto de economia e governança própria, recuperação de práticas ancestrais e defesa do território. Por essa razão, umas das atividades foi a visitação de pomares familiares e da “casa das sementes” (casa de las semillas), onde diversas sementes são preservadas.

Povo Misak reunido para troca de sementes, o que envolve os conhecimentos ancestrais que passam de geração em geração. Foto de Giovanna Landazabal, usada sob permissão .

“Foi importante para o guardião de sementes Julio Guauña, da casa de semente Puracé (Cauca), participar desse encontro. Ele é um defensor que tenta conservar e recuperar sementes nativas, e trouxe cerca de doze variedades de batata. Algumas das quais estão sendo também preservadas pela guardiã de sementes Mama Misak Cayetana Almendra (…)”, acrescenta Landazabal.

Com a sua casa de sementes, o Jardim Botânico almeja conservar a diversidade de batatas, recuperar ulucos, tubérculos e outras espécies que eram consumidas no passado e foram importantes no território.

Clara Sierra, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, explica que o seu ministério desenvolveu o programa “A Verdadeira Ciência para o Desenvolvimento Local” [6], que reconhece e apoia os projetos de organizações comunitárias no país.

“O programa enfatiza os processos de Apropriação Social de Conhecimento por meio da Ciência, Tecnologia e Inovação como o cerne da sua estratégia. Isto implica na articulação dos conhecimentos locais e ancestrais combinados com a bagagem acadêmica, gerando assim novos conhecimentos em contextos específicos, os quais garantem objetivo de fortalecer a administração e desenvolvimento da comunidade para alcançar mudanças locais”, acrescenta Sierra.

Sierra destaca que a agroecologia e conservação de sementes contribui para a soberania alimentar dos povos e resgata os conhecimentos ancestrais que garantem a prosperidade das comunidades.

“As comunidades priorizarão o uso de sementes nativas que sempre proporcionam satisfação. A troca entre comunidades e os benefícios adaptativos destacarão os esforços das comunidades para defender o uso de sementes em cada território”, enfatiza Sierra.