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Livro escolar reacende debate sobre homossexualidade em Moçambique

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Educação

Livro escolar – Moçambique | Captura de ecrã YouTube TV Miramar (retirada pelo próprio autor) Editado por Giovana Fleck

No dia 9 de Fevereiro de 2022 começaram a circular nas redes sociais, Facebook [1] sobretudo, imagens da página de um dos livros escolares de ensino primário do sistema escolar moçambicano, com um conteúdo que causou debate e discórdia.

O livro de que se fala é sobre ciências naturais e aborda, entre vários outros assuntos, temáticas sobre a natureza e evolução da espécie humana. A polémica não recaiu sobre o livro inteiro, mas sim em apenas uma página. Normalmente, o mesmo livro é indicado para menores entre os 13 aos 17 anos de idade.

Tal página fazia destaque para a abordagem de temas sobre sexualidade e orientação sexual, cujo assunto [2] foi julgado inapropriado aos olhos de alguns moçambicanos para aquele nível de ensino. Contudo, trata-se de uma matéria que já é lenccionada há mais de 15 anos no mesmo livro, mas apenas hoje veio ao debate.

A página refere que a masturbação é um acto que deve ser visto como parte da descoberta da sexualidade, e a homossexualidade é uma escolha que pertence ao indivíduo, sendo aceitável que pessoas do mesmo sexo possam relacionar-se entre si. Tais afirmações provocaram comentários homofóbicos na internet. Sobre o pretexto de cuidado e proteção, muitos usuários defenderam atitudes e sentimentos negativos em relação à homossexualidade.

No Facebook também exigiu-se algum debate sobre o tema. Foi o que disse o internauta [5] António do Rosário Grispos:

Constou me que no livro da 7 classe, página 103, estão conteúdos de natureza homossexual. Ja houve discussão em Moçambique para introduzirmos matérias relacionadas com homossexualismo nos currícula das escolas? Talvez eu tenha andado distraído. Mas, na minha humilde opinião, um tema dessa natureza, carece duma discussão ampla da sociedade no seu todo, com anuência da casa que nos representa, que é a Assembleia da República.
No final de contas, sao as nossas crianças que estou a ser doutrinadas, e isso exige um debate sério, inclusivo e abrangente. Se já houve esse debate nacional, ficam aqui as minhas antecipadas desculpas.

Essa opinião é igualmente defendida por outros usuários [6], que consideram ser prematuro que os temas sobre sexualidade e masturbação sejam tratados daquela forma:

Moçambique nunca discutiu este tema e assumir uma posição, no entanto, alguém, ao arrepio das consultas aos pais e diversos sectores educacionais já decidiu que deve ensinar as crianças a fazerem.
Ensinem as crianças a respeitar as diferenças e a posição de cada um mas não influenciem a seguir o caminho, é imoral, é atacar um sector nevrálgico no país sem que tenham ouvido os vários sectores da sociedade sobre o tema. Vamos ter cuidado com temas sensíveis!

Contudo, existe quem pense não existir problema que devesse merecer tanto debate ou mesmo sanção por parte do Ministério da Educação:

Há internautas que não encontram nenhuma lógica em se proibir que o assunto seja abordado na escola, sobretudo porque as crianças aprendem a partir dos seus telemóveis sobre o mesmo assunto:

Para o espanto ou não, eis que o Ministério da Educacção [9]veio em público, no dia 11 de Fevereiro, posicionar-se em favor da retirada da matéria do livro escolar. Ou seja, a orientação sexual e a masturbação não deverão ser abordados naquele nível de ensino.

Após a polémica que foi criada a volta do livro da sétima classe de Ciências Naturais que aborda de forma explícita temas sexuais como masturbação e orientação sexual, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano veio a público explicar que o livro já existe desde 2004 e que o mesmo será retirado do currículo no próximo ano. O Ministério da Educação fez ainda saber que este ano os temas que estão a gerar polémica, não serão abordados nas aulas.

Não se sabe sob que formato as aulas sobre sexualidade e orientação irão prosseguir no próximo ano, mas após o anúncio do Ministério, houve quem tivesse ainda afirmado que se poderia ter encontrado outra forma de justificação, porque o assunto não é de todo mau que seja abordado para o alunos daquele nível:

O mesmo pensamento [12] teve Délio Zandamela, estudante, que apoiou não ter havido necessariamente mal algum em abordar o tema, mas o que falhou foi a sua adequação ao contexto:

Não existe nenhum problema em ensinar as crianças sobre sexualidade na escola, muito menos abordar questões ligadas a LGBT, muitas das posições extremas resultam da ignorância e do vazio que a educação deixou durante muitos anos em não abordar estas questões.
Aprender sobre sexualidade não é estímulo para fazer sexo, aprender sobre homossexualidade não é promoção dela, aliás não se ensina a ninguém a ser. Guardem vosso ódio, eduquem-se, não custa nada. Compreendo que o texto é problemático e vazio, esse é que deveria ser o debate e não discutir se pode-se ensinar ou não as crianças da 7a classe.

Após a comunicação do Ministério da Educação, não houve nenhum outro posicionamento por parte dos professores ou de organizações da sociedade civil. Porém, houve quem sugerisse [13] que a decisão do Ministério da Educação abria espaço para que o país pudesse discutir, de uma vez por todas, a legalização ou não da homossexualidade no país.

Este livro da *7ᵃ classe do Sistema Nacional de Educação, pagina 103 merece um debate profundo, sobretudo no que a legalização da homossexualidade diz respeito, já que estes dias andamos a discutir nossa cultura… Nos meus tempos os livros não ensinavam essas matérias…. Quantos professores e professoras vão ignorar ensinar essas matérias…

Recorde-se que desde 2007, a Lambda [14] — organização de cidadãos moçambicanos que advogam pelo reconhecimento dos Direitos Humanos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) — luta pela sua própria legalização e reconhecimento pelo Estado.

Na altura, o Global Voices reportou [15] sobre a campanha da Lambda que exigia o seu registo legal junto das autoridades moçambicanas. Já em 2015 e à luz do novo Código Penal [16], a homossexualidade deixou de ser considerada como crime [17] em Moçambique.