- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Falta de ação do estado permite violência sexual on-line na Macedônia do Norte?

Categorias: Europa Oriental e Central, Macedônia, Direitos Humanos, Lei, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Protesto, GV Advocacy

Manifestante com cartaz escrito “Mais do que irritada” em Skopje, na Macedônia do Norte. Foto de Elena Gagovska, via Unbias the News. Usada com permissão.

Esta matéria foi escrita originalmente por Elena Gagovska, editada por Tina Lee e publicada no site Unbias The News [1]. Uma versão editada foi republicada em duas partes pela Global Voices sob um acordo de compartilhamento de conteúdo. Leia a primeira parte da matéria aqui [2].

Após um canal privado do Telegram chamado “Public Room” foi novamente encontrado compartilhando imagens e informações privadas sobre mulheres e meninas sem permissão, houve uma cobrança pela ação do estado. Ao ameaçar banir o aplicativo [3], o então primeiro-ministro parecia indicar que o Telegram tinha a responsabilidade pelo policiamento disso.

Falha em agir?

Depois das manifestações [4] em fevereiro de 2020, exigindo o fim da impunidade pela violência sexual, realizadas em Skopje, capital da Macedônia do Norte, nenhuma ação foi tomada pelo estado. Várias ações de guerrilha [5] e duas coletivas de imprensa da Platform for Gender Equality [6] (Plataforma pela Igualdade de Gênero) — uma ampla coalizão da sociedade civil e organizações não governamentais — ocorreram após o protesto, resultando em uma reação oficial hostil do Macedonian Police Union [7] (um sindicato [8] de funcionários da polícia). Parte da declaração [9] dizia:

“As a trade union, we will not allow individual cases to be generalized and — through those generalizations — for police officers to be insulted and belittled as being unprofessional, unethical, or not sensitized to gender issues, or that police officers are guided by prejudice and stereotypes when performing their duties.”

‘Como sindicato, não vamos permitir a generalização de casos individuais e que, por meio dessas generalizações, policiais sejam insultados e menosprezados por serem pouco profissionais, antiéticos ou não sensíveis as questões de gênero, ou que policiais sejam guiados por preconceitos e estereótipos no desempenho de suas funções.’

No entanto, é mais do que claro que a polícia macedônia não apenas tem um histórico [10] de não levar a violência de gênero a sério, como também de não conduzir adequadamente uma investigação que tratava das vítimas do “Public Room”.

“Se a polícia tivesse conduzido uma investigação séria, não haveria necessidade de envolver o Telegram”, disse Irena Cvetkovic ao Unbias the News.

“A real investigation would have involved either police officers infiltrating the group or the police actually listening to the victims, since they are the ones who know best to whom they sent their pictures. In other words, by taking witness testimony from the victims, the police could have found their first suspects.”

‘Uma investigação real envolveria policiais se infiltrando no grupo ou de fato ouvindo as vítimas, já que elas sabem melhor para quem enviaram suas fotos. Em outras palavras, a polícia poderia ter encontrado seus primeiros suspeitos tomando depoimentos das vítimas.’

O julgamento dos dois criadores e administradores acusados ​​do chat do Telegram começou em 22 de julho de 2021 [11]. Eles foram acusados ​​apenas de produção e distribuição de pornografia infantil e ainda não foram condenados.

Um problema nos Bálcãs

Enquanto isso, grupos semelhantes ao “Public Room” apareceram, regionalmente, com ainda menos reação das autoridades. A Rádio Free Europe [12] informou que em março de 2021 foi descoberto que fotos privadas, vídeos e informações de contato de diversas mulheres foram compartilhados em um canal do Telegram chamado “Ex YU balkanska soba” (Ex-Iugoslávia Balcã Room) para mais de 35.000 membros. Foi divulgado que o grupo foi excluído [13] e que seu administrador foi preso [14], mas não está claro se as vítimas receberam outras reparações jurídicas.

O Balkan Insight [15] também publicou recentemente um artigo abrangente sobre a prevalência de pornografia de vingança e assédio sexual on-line como um problema em toda a região dos Bálcãs, que foi, de maneira inadequada, abordado pelas autoridades.

Como os ativistas viram esse tipo de violência sexual on-line como um problema em toda a região dos Bálcãs, em 15 de abril de 2021, 138 organizações da sociedade civil [16] emitiram uma declaração conjunta contra a violência sexual on-line exigindo que as autoridades processassem os perpetradores.

A nova Lei de Perseguição poderia trazer justiça às vítimas do “Public Room”?

Além de exigir uma investigação minuciosa do caso do “Public Room”, o processo criminal dos perpetradores e o tratamento profissional dos casos de violência de gênero, a Plataforma para a Igualdade de Gênero também exigiu que uma nova lei [17] fosse adicionada ao Código Penal para tratar especificamente do assédio on-line.

Um dia antes do protesto de 8 de março, o então primeiro-ministro Zaev fez uma postagem no Facebook [18] em apoio às vítimas e anunciou que o governo estava iniciando um processo para introduzir duas novas leis relacionadas a assédio sexual e perseguição.

Em 27 de julho de 2021, o então Ministro da Justiça Bojan Marichic [19] anunciou que um novo delito criminal, chamado stalking [20], que levará em consideração o assédio sexual on-line, foi adicionado ao Código Penal. Embora o delito ainda precise ser votado no Parlamento para entrar oficialmente no Código Penal, foi amplamente visto como um primeiro passo positivo [21], embora tardio. Ele afirmou:

“A person who without authorization follows, persecutes or otherwise interferes in the personal life of another person, or establishes or tries to establish unwanted contact with them, by moving in the space where that person is, by abusing personal data, by using the media and other means of communication, or is otherwise psychologically abusing, harassing or intimidating them, will be punished with a fine or up to three years in prison.”

‘Uma pessoa que sem autorização segue, persegue ou interfere na vida privada de outra pessoa, ou tenta criar contato indesejado frequentando os mesmos espaços que ela, violando dados pessoais, através das redes sociais ou outros meios de comunicação, ou então abusando psicologicamente, assediando ou intimidando, será punida com uma multa ou com pena de até três anos de prisão.’

No entanto, Nataša Boškova, da Coalition Margins, acredita que o “Public Room” poderia ter sido investigado pelas instituições responsáveis ​​mesmo no atual quadro jurídico.

“A ausência de tal crime no Código Penal é apenas uma desculpa para que as autoridades não atuem efetivamente no caso do “Public Room”. Se realmente houver interesse, há uma estrutura legal sob a qual as ações atuais do caso podem ser incluídas”, disse Boškova ao Unbias the News.

“As alterações do Código Penal de acordo com a Convenção de Istambul [22] estão atualmente em preparação. Mas, como advogada, acredito que pouco pode mudar na proteção das vítimas de violência de gênero apenas adotando as mudanças legais, se não houver empenho para mudar as atitudes e transformar as instituições no sentido de entender as relações de poder e dinâmicas de gênero em nossa sociedade”, acrescentou.

[23]

3 de Fevereiro de 2022, protesto contra a impunidade de predadores sexuais em Skopje, Macedônia do Norte. Foto [23] por Vančo Džambaski, CC BY-NC-SA [24].

Rumo à prevenção: o início do programa piloto de educação sexual

Outro discurso que feministas e outros apoiadores têm feito é em relação a necessidade de não apenas punir os crimes que já aconteceram, mas também trabalhar na prevenção.

Muitos acreditam que a solução para tal prevenção é instituir a Educação Sexual Integral (CSE). A HERA [25] (Associação de Educação e Pesquisa em Saúde), uma organização não governamental local, que faz parte da Organização Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), vem liderando a campanha de educação sexual nas escolas públicas da Macedônia e, juntamente com o Ministério da Educação, lançou o primeiro programa piloto de educação sexual do país.

A partir de setembro de 2021, um novo programa piloto de educação sexual com duração de um ano foi implementado para alunos do nono ano em quatro escolas em Tetovo e Skopje [26] (em áreas urbanas e rurais), onde Educação Sexual faz parte da grade curricular como disciplina eletiva.

“O fato de o ‘Public Room’ ter acontecido, bem como o aumento da violência doméstica desde o início da pandemia, é apenas uma prova de que precisamos desesperadamente implementar a Educação Sexual nas escolas como método de prevenção”, disse Katerina Ivanova, experiente educadora sexual da HERA e estudante de direito, que ajudou a treinar os professores de escolas públicas que lecionam a disciplina no programa piloto, ao Unbias the News. E acrescentou:

“In order to become an emancipated society in a sexual, gendered, and health aspect, we must have equal access to all this information. That is why I believe that the start of this institutional implementation is so important.”

‘Para nos tornarmos uma sociedade emancipada no aspecto sexual, de gênero e de saúde, devemos ter acesso igualitário a todas essas informações. Por isso acredito que o início dessa implementação institucional é tão importante’

Contudo, o programa piloto de Educação Sexual foi recebido com muita oposição das forças reacionárias emergentes [27]. Uma organização de extrema-direita chamada Od Nas Za Nas (que pode ser traduzida como “De nós para nós”), e espalhou teorias da conspiração antivacinação [28] e contra a Paternidade Planejada no passado recente, vem prejudicando o programa de Educação Sexual há meses por meio da disseminação de notícias falsas, moralismo e transfobia em torno do fato de que o programa ensinará aos alunos o conceito de gênero.

A presidente da organização, Gordana Godjo, também é uma notória crente do QAnon e ativista antivacina [29], que incentivou [30] os manifestantes em um protesto contra medidas referentes à COVID-19, em 15 de agosto de 2021, a cortarem suas máscaras.

Godjo se tornou a líder de fato do movimento contra educação sexual e, em 29 de agosto de 2021, ela expressou publicamente gratidão a uma escola secundária em Kučevište [31], uma vila perto de Skopje, que a convidou para falar com os pais sobre educação sexual, presumivelmente espalhando informações errôneas sobre o verdadeiro programa. “Os pais ficaram incrédulos”, escreveu Godjo [32].

Com as autoridades ainda se movimentando lentamente e ignorando casos de violência de gênero, e um movimento reacionário de educação sexual se tornando mais organizado, não está claro se outro “Public Room” pode ser evitado na Macedônia do Norte em um futuro próximo.

Leia o relatório completo aqui [1].