Na Nigéria, governo utiliza lei como arma contra liberdade de expressão na internet

Pavilhão da Comissão Nigeriana de Telecomunicações na conferência ITU Telecom World 2013. Foto de ITU/ KC. Ortiz, de 20 de novembro de 2013 (CC BY 2.0).

Não há liberdade de expressão na internet na Nigéria. Na verdade, as leis que deveriam proteger a liberdade de expressão na internet na Nigéria estão sendo utilizadas atualmente para violá-la.

Em particular, o governo nigeriano tem utilizado rotineiramente a Lei Nigeriana de Comunicações de 2003 (Nigerian Communications Act of 2003, NCA) para justificar a violação da liberdade de expressão na internet. Muitas vezes, o governo ordena que Provedores de Serviços de Internet ou ISPs, por meio da Comissão Nigeriana de Comunicações (Nigerian Communications Commission, NCC), bloqueiem sites ou plataformas de redes sociais. Por sua vez, os provedores de serviços de internet aceitam e executam as solicitações do governo sem qualquer resistência. Como consequência, o governo continua a executar ataques injustificados contra a liberdade de expressão na internet.

Em 2017, os ISPs cumpriram uma ordem da NCC, baseada no artigo 146 da NCA, para restringir o acesso a determinados sites pertencentes a separatistas do Biafra que protestavam por autogovernança na região sudeste da Nigéria. Embora houvesse embasamento para a restrição de sites de separatistas, não existem indícios claros de que os dispositivos da NCA eram cumpridos antes de tal ordem. Em uma carta datada de 21 de janeiro de 2021, a NCC ordenou à empresa MTN, um ISP que opera na Nigéria, que restringisse o acesso ao site de notícias on-line Peoples’ Gazette com base no artigo 146 da NCA. No passado, o Peoples’ Gazette criticou o governo nigeriano e as suas políticas ao expor um esquema de corrupção facilitado pelo estado e violações de direitos humanos.

A 9mobile, outra empresa de telecomunicações, bloqueou o nosso site conforme ordenado pelo regime de Buhari. A MTN apresentou uma explicação similar recentemente.

O governo deveria abordar a injustiça e corrupção endêmicas expostas pelos nossos repórteres em vez de negar aos cidadãos os seus direitos a informações úteis.

Em junho de 2021, o governo nigeriano também ordenou que ISPs restringissem o acesso de nigerianos à rede social Twitter. A ordem foi baseada na alegação de que a plataforma estava sendo utilizada para “atividades capazes de enfraquecer a existência corporativa da Nigéria”, e os ISPs atenderam à ordem. A Anistia Internacional classificou a ordem como “claras violações do direito de liberdade de expressão, acesso à informação e liberdade de imprensa”.

Como a NCA é utilizada para violar a liberdade de expressão na internet na Nigéria

Conforme previsto no artigo 1°, a NCA procura fazer supervisão regulatória para o setor de telecomunicações da Nigéria, enquanto o artigo 3° atribui à NCC a responsabilidade de executar, diariamente, funções regulatórias referentes ao setor de telecomunicações. No entanto, alguns dispositivos da lei estão sendo utilizados como armas pelo governo nigeriano para suprimir a liberdade de expressão na internet na Nigéria.

Por exemplo, o artigo 146 (2) da lei determina que, após requisição por escrito da NCC, um ISP deve auxiliar na prevenção de crimes na Nigéria. O artigo 148(1) da lei estabelece instâncias nas quais a NCC pode atuar no interesse da segurança pública para suspender a licença de um ISP, retirar os serviços ou recursos de rede de um ISP, ordenar que comunicações específicas não sejam transmitidas de um ou para outro ISP, ou ordenar a apreensão dos equipamentos de um ISP.

Além desses dispositivos, o artigo 53(2) da lei exige que, antes da emissão de uma ordem por escrito da NCC para os ISPs para cumprimento ou descumprimento da lei, uma pessoa contra a qual tal ordem é direcionada deve ser notificada para defender-se das acusações. Nos exemplos destacados acima, não houve evidência de que a NCC cumpriu com o artigo 53(2).

Obrigações legais para proteger a liberdade de expressão na internet 

O artigo 39 da Constituição de 1999 da Nigéria garante a proteção do direito de liberdade de expressão, opinião e acesso à informação. O direito não é absoluto e pode ser limitado em algumas instâncias. Contudo, tais instâncias devem ser claras, e estão previstas no artigo 45 da Constituição. Ele afirma que limitações do direito devem ser razoavelmente justificáveis em uma sociedade democrática para proteger o interesse público e os direitos alheios.

Além desses dispositivos, o governo nigeriano também possui obrigação de proteger o direito de acordo com os padrões internacionais dos direitos humanos tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta Africana). O artigo 19(1) e (2) do PIDCP declara que toda pessoa tem direito à opinião e expressão. O artigo 19(3) também foi interpretado no sentido de que, para que o direito de liberdade de expressão seja limitado, deve estar previsto em lei, deve basear-se em razão legítima, a medida utilizada para restringir tal direito deve ser proporcional e a restrição deve ser necessária.

O artigo 9 da Carta Africana também garante o direito à liberdade de expressão. Ademais, em 2019, a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, no cumprimento de sua atribuição de proteção dos direitos garantidos pela Carta Africana, revisou a Declaração dos Princípios sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação. O Princípio 38 da declaração revisada prevê que estados não devem interferir nos direitos individuais para receber ou transmitir informações on-line por meio de bloqueio de conteúdo, exceto quando tal interferência estiver alinhada com os padrões internacionais dos direitos humanos.

Embora os dispositivos do artigo 146 da NCA destacados acima apresentem instâncias legítimas, tais como a segurança pública ou emergências públicas, para bloquear conteúdo, o abuso do bloqueio de sites sem considerar outras medidas menos intrusivas, tais como a limitação de conteúdo específico, não atende às estipulações da Constituição da Nigéria e padrões internacionalmente estabelecidos. Além disso, o governo nigeriano não demonstrou qualquer conexão verificável entre o conteúdo e o dano que ele supostamente causa. Parece que o governo nigeriano utiliza o termo “segurança nacional” como arma para suprimir a liberdade de expressão na internet sem fornecer qualquer exemplo específico para justificar seu uso ou demonstrar que as suas ações são razoavelmente justificáveis em uma sociedade democrática.

Para que haja avanço, legisladores, setor privado e sociedade civil precisam perceber que legislações como a NCA estão sendo utilizadas como armas contra a liberdade de expressão na internet na Nigéria. A Assembleia Nacional deve garantir que leis sejam abordadas com base em direitos digitais e legislações como a NCA devem ser introduzidas de acordo com padrões constitucionais e internacionais de direitos humanos. Isso inclui a alteração dos dispositivos da NCA e a garantia de que ao menos as leis que devem proteger direitos digitais, como a liberdade de expressão na internet, não sejam utilizadas para violá-los.

A sociedade civil também possui uma função crucial de monitorar as reformas e a implementação de legislações que impactam a liberdade de expressão na internet na Nigéria. Isso pode ser feito por meio de uma defesa estratégica que saiba quando apontar o abuso de poderes do estado, quando criticá-lo e quando colaborar para reformas políticas significativas. Essa defesa também pode treinar partes interessadas estratégicas como legisladores, agências governamentais, oficiais da lei e outros atores do estado sobre a importância da liberdade de expressão na internet.

Por último, para demandar proteção da liberdade de expressão na internet na Nigéria, os ISPs precisam parar de se subordinar e de maximizar o seu poder econômico. Não é do interesse de ninguém que a proteção dos direitos humanos seja sacrificada no altar dos negócios.

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