Esse artigo de Nazarii Vivcharyk foi publicado no site da OpenDemocracy em 15 de dezembro de 2021 e é aqui republicado por meio de uma parceria de compartilhamento de conteúdo com edições para se adequar ao estilo da GV.
Para Oleksiy Bida, diretor de uma usina de energia, o futuro pós-carvão na Ucrânia é uma “decisão política”, conta, enquanto me acompanha em uma visita a uma usina a carvão, que fornece energia a 70% dos edifícios públicos e residências em Tcherkássi, cidade ucraniana localizada no centro do país.
Tcherkássi, lar de quase 300 mil habitantes às margens do imenso rio Dnieper, que corta o país, é uma das muitas cidades na Ucrânia que dependem principalmente de energia a carvão. Mas essa realidade foi posta em xeque, após a promessa do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy na COP26 de que o país, como vários outros, deixará de usar carvão até 2035. Como essa promessa será colocada em prática ainda é um mistério, inclusive em Tcherkássi.
Bida diz que sua usina está pronta para fazer a substituição por gás natural, mas que apesar de isso ser “tecnicamente possível, não será lucrativo para a empresa e os consumidores, e haverá um aumento significativo de preços”.
Para fazer a transição para energia alternativa, a usina de Tcherkássi precisará de investimentos, segundo Bida, e já existe uma dificuldade de encontrar fontes de carvão na Ucrânia. As minas do país em Donbass costumavam fornecer o carvão, mas desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, em 2014, muitas delas viraram território ocupado e outras foram inundadas. “Atualmente, estamos em uma situação em que temos dinheiro para comprar carvão, mas não podemos comprá-lo”, comenta.
Aumento de preços para os consumidores, problemas de infraestrutura e fornecimento, tecnologia, investimentos e desejos políticos são apenas alguns dos obstáculos no árduo caminho até um futuro pós-carvão na Ucrânia. Na verdade, é difícil imaginar uma transição de energia em um país que parece estar sempre no meio de uma crise energética. Mas com a Ucrânia supostamente parando de usar carvão em apenas 14 anos, a discussão precisa começar hoje.
A situação de Tcherkássi
A Ucrânia é famosa por seu carvão, ou pelo menos foi um dia. A região mineira do país, Donbass, fornecia um dos carvões de melhor qualidade na União Soviética e depois na Ucrânia independente. Hoje, por causa da guerra no leste da Ucrânia, algumas das 39 minas em Donbass foram inundadas, segundo a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Isso significa problemas de fornecimento e de qualidade, o que já pode ser sentido em Tcherkássi, que sofre com a poluição e baixas temperaturas.
“A situação na Ucrânia, no geral, e aqui em Tcherkássi é crítica”, afirmou recentemente Anatoly Bondarenko, chefe do conselho da cidade de Tcherkássi. “Não temos carvão suficiente, e o carvão que veio da Polônia não tem o valor calorífico correto, então nossos edifícios estão quase sempre gelados.”
Pavlo Karas, chefe da companhia pública de infraestrutura de energia da cidade, informou recentemente que com a decisão do governo da Ucrânia de abandonar o uso de carvão, a usina a carvão de Tcherkássi terá mais 10 ou 20 anos de funcionamento antes de ser fechada. A empresa de Karas opera com gás e alcança um número significativamente menor de casas na cidade, mas possui uma planta de aquecimento que pode ser reconstruída e voltar a operar.
Porém, os problemas atuais com o aquecimento em Tcherkássi parecem ofuscar o cenário a longo prazo, segundo o vice-prefeito Viktor Bezzubenko: “Nossa usina pode trabalhar com gás e carvão, mas está recebendo menos carvão do que precisa no momento, ela precisa de 60 mil toneladas por mês e está recebendo 30 mil. Então, para manter a cidade aquecida, precisamos usar gás, o que é relativamente caro”.
De fato, Bida diz que sua usina tem os recursos para comprar carvão, mas que não consegue encontrar os materiais com a qualidade necessária: “Escrevemos para minas estatais, queríamos comprar carvão ucraniano de Pavlograd como antes, mas infelizmente não conseguimos”.
Além disso, a introdução de novos processos comerciais no setor de energia da Ucrânia ainda está em estágio inicial, e teve efeitos negativos, segundo o especialista Viktor Kurtev. “O sistema não está apenas desequilibrado do ponto de vista técnico, mas também do financeiro”, afirma, referindo-se às altas dívidas das companhias de energia ucranianas. “O sistema de gerenciamento de energia foi destruído, e não estamos falando apenas dos oligarcas. É responsabilidade do governo também”.
O presidente Zelenskyy, por sua vez, alertou recentemente que as empresas e a mídia ucranianas devem parar de divulgar notícias sobre os problemas de fornecimento de carvão e gás. “Em algum momento, nossa paciência angelical acabará”, disse, “e, para alguns, um período infernal vai começar”.
A openDemocracy questionou ao Ministro de Energia da Ucrânia qual era sua posição acerca do compromisso do país de parar de usar carvão. O ministro disse que o compromisso da Ucrânia com a eliminação gradual “não conta com obrigações rigorosas e não significa uma recusa radical de carvão”, mas que isso levaria a “um diálogo entre governos, empresas e autoridades locais para abandonarem o carvão de uma forma sustentável e economicamente inclusiva”.
Isso, segundo o ministro, significaria o fim do “uso indiscriminado de carvão para a produção de energia”.
Mais carvão para um futuro pós-carvão
Na verdade, a Ucrânia enfrenta um paradoxo: por um lado, o país carece de muito carvão para operar suas usinas, e por outro, tem que se preparar para uma realidade na qual precisará de muito menos carvão do que hoje. Isso é, se cumprir mesmo o prazo de eliminação completa até 2035 e a promessa de neutralidade climática até 2060 que o presidente fez.
Fora de Tcherkássi, há alguns sinais de soluções possíveis para a crise de energia, mas tais soluções não estão alinhadas aos compromissos do governo central. A cidade de Vatutine, com uma população de mais de 15 mil a 100 km de Tcherkássi, está prestes a completar 25 anos desde que suas minas de carvão foram desativadas, embora os residentes tenham afirmado que ainda há razões para considerar reabri-las.
Apesar de a cidade ter seu próprio complexo de minas de carvão, não tinha a mesma qualidade do carvão de Donbass, então Vatutine também operava uma fábrica de briquetes de carvão, conta Vasyl Cherkashyn, um mineiro com duas décadas de experiência. Esses briquetes eram usados para aquecer não apenas a cidade, mas também vilarejos nos arredores. Desde que as minas foram fechadas no fim dos anos 1990, “elas ruíram ou alagaram, e a fábrica de briquetes foi desmantelada e virou sucata”.
Embora a região de Tcherkássi tivesse suas próprias reservas de carvão, elas foram trocadas pelo gás natural da Rússia como sua principal fonte de energia, algo que recebeu bastante publicidade na época segundo Yuri Hromovskyi, ex-deputado do conselho regional e natural de Vatutine. “No início deu tudo certo, porque o gás [russo] era mais barato. Mas depois começamos a discutir se não deveríamos voltar a minerar carvão nas proximidades. No fim, continuamos a importar carvão da América do Sul e outros lugares”.
Numa escala menor, o vilarejo de Stepantsy, bem ao norte de Tcherkássi, está fazendo experimentos com alternativas ao carvão. Para lidar com seus problemas de aquecimento, a cidade gera calor com pellets de madeira das redondezas.
“O pellet custa em torno de 6 mil grívnias (cerca de 220 dólares) por tonelada. É mais barato que gás ou eletricidade”, afirma Volodymyr Mitsuk, chefe da associação de comunidades territoriais da região de Tcherkássi, que recentemente pediu que as administrações das cidades da região adotassem fontes de energia alternativa.
Oleksandr Yaremenko, líder do vilarejo de Stepantsy, me contou que embora os pellets não atendam todas as necessidades de aquecimento – a cidade ainda precisa usar gás e carvão – este ano eles começaram a focar em combustíveis próprios, dado o problema de fornecimento de carvão e gás. Antes da próxima estação, que exigirá mais aquecimento em 2022, ele diz que a cidade está trabalhando para que as instalações do setor público usem combustíveis alternativos.
Na região, há 33 instalações de energia solar e 13 usinas hidrelétricas pequenas, embora as estações de energia solar conectadas às linhas de energia nacionais não atendam às necessidades da região. “Para algumas pessoas, são negócios ou apenas um apoio financeiro adicional. Aqueles que têm energia sobrando vendem essa energia para o centro e ganham dinheiro”, conta Serhiy Chuban, diretor de infraestrutura na administração regional de Tcherkássi.
Enquanto isso, o Ministro de Energia da Ucrânia comunicou que o país está trabalhando para ampliar a capacidade de energia nuclear e para integrar energia alternativa. De fato, o país planeja construir novos geradores de energia nuclear em parceria com a empresa americana Westinghouse. Nesses planos está a cidade de Orbita, na região de Tcherkássi, que tem um reator não finalizado.
Assim, enquanto os preços de energia continuam a aumentar – e os ucranianos enfrentam escassez de combustível – a Ucrânia segue aguardando novos fornecimentos de carvão e de energia de Belarus. Os planos do governo ucraniano para uma nova geração de energia são importantes, mas até que sejam implantados, são apenas isso: planos.