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A transformação da Bielorrússia: analistas monitoram mudanças sociais e políticas no país

Categorias: Europa Oriental e Central, Belarus, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Eleições, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política, Protesto, Belarus In Turmoil

“Passou da data de validade, 1994-2020″, frase escrita neste cartaz, em um protesto em Misnk, em agosto de 2020. Lukashenko se tornou presidente da Bielorrússia em 1994. Foto CC BY-NC 2.0: Natallia Rak / Flickr. Alguns direitos reservados.

Este artigo, [1] escrito por Elena Spasiuk, foi originalmente publicado no site Naviny.by [2] e no Transitions Online no dia 2 de dezembro de 2021. É republicado como parte da parceria de compartilhamento de conteúdo e editado para se adequar às normas de estilo da Global Voices.

A eleição presidencial de 2020 na Bielorrússia desencadeou protestos de rua sem precedentes contra a vitória oficial de Alyaksandr Lukashenko. O que vem acontecendo na Bielorrússia desde o verão de 2020, e por quê? Foi uma revolução? Analistas políticos compartilharam suas visões com o canal independente de notícias bielorrusso Naviny.

Por que os bielorrussos se revoltaram?

A sociedade bielorrussa iniciou o ano de 2020 em meio a uma transformação dramática de valores, disse Pavel Daneyko, economista e diretor administrativo do centro de divulgação bielorrusso de pesquisas econômicas (BEROC), em reunião online, organizada pelo laboratório de ideias, Center for New Ideas.

Atualmente, cerca de 50% da população economicamente ativa na Bielorrússia trabalha no setor privado. Segundo Pavel, este foi um dos motivos por trás do ativismo da população durante a campanha das eleições de 2020.

A postura favorável dos cidadãos em relação a empresas privadas também contribuiu, ele explicou. Grande parte disso pode ser atribuído ao fato de que muitas das empresas no país começaram do zero, com um número significativo delas no setor manufatureiro. Deste modo, muitas pessoas, principalmente as que não são funcionárias públicas, “tinham a impressão de que elas próprias construiriam seu futuro”, explicou.

Pavel citou os resultados da pesquisa global World Values Survey [3], que identificou que uma parte significativa dos bielorrussos está disposta a assumir a responsabilidade de suas vidas, em vez de delegá-la ao Estado, e muitos apoiam a posse de propriedades privadas.

“Quanto a distribuição de renda, os bielorrussos, assim como os suecos, acreditam que o Estado deveria dar apoio aos grupos vulneráveis. Em geral, nossa configuração de valores é parecida com a da Suécia ou dos Países Bálticos. Fundamentalmente, diz respeito a assumir a responsabilidade por sua própria vida, além de assumir a responsabilidade social e individual”, apontou.

Um fator importante, estimulador desta linha de pensamento, foi a redução da verba governamental para programas sociais, incluindo educação, sistema de saúde e assistência social, além de mudanças na política fiscal, em 2005 e 2006, disse Gennady Korshunov, sociólogo e pesquisador sênior do Center for New Ideas. Paralelamente, ele explica, estas mudanças levaram o governo a permitir o desenvolvimento do empreendedorismo privado, que coincidiu com a digitalização da sociedade, e com o crescimento dos canais de redes sociais e do acesso à infraestrutura digital. Na opinião de Gennady, de modo geral, o governo abrandou as restrições para negócios e a sociedade.

Os bielorrussos também começaram a viajar mais ao exterior, conhecendo novos estilos de vida, enquanto a internet facilitou a comunicação. O resultado disso foi uma mudança nos valores da população, explicou o sociólogo.

The transformation of values that began 15 years earlier because of many factors reached its climax. This happened due to the COVID-19 pandemic, during which the government demonstrated its ineptitude or even refused outright to deal with the crisis. The politicization of social processes also played a role, with everything possible set on edge.

A transformação de valores, que começou há 15 anos, chegou ao ápice em decorrência de vários fatores. Isso aconteceu devido à pandemia da COVID-19, durante a qual o governo demonstrou inaptidão ou até mesmo se recusou, abertamente, a lidar com o problema. A politização de processos sociais também teve um peso, com tensão por todos os lados.

Quem apoiou a mudança?

Segundo Gennady, apoiadores da mudança e seus opositores não diferem muito quanto a educação, idade ou o porte das cidades onde vivem. “Isto é uma lacuna civilizatória, uma diferença de mentalidade. Algumas pessoas querem ser responsáveis por si mesmas, por sua família ou pelo país, enquanto outras apenas não querem”.

Ele continuou:

In psychological terms, we can speak of locus of control. Some people have an internal locus of control. They themselves determine their lives. Others have an external locus, giving somebody else the right to control their lives. From the point of view of large-scale social change, a part of the people with an internal locus of control is the most progressive part of society and they have now in fact transformed into a digital society.

Em termos psicológicos, podemos falar de lócus de controle. Algumas pessoas têm um lócus de controle interno. Elas mesmas determinam suas vidas. Outras têm um lócus externo, dando a um terceiro o direito de controlar suas vidas. Do ponto de vista de mudanças sociais de grande escala, a parcela das pessoas com lócus de controle interno é a parte mais progressista, e que de fato se transformou em uma sociedade digital.

Entretanto, continua Gennady, as políticas que o governo exerceu nos últimos 25 anos estimularam um movimento de retorno aos modelos sociais tradicionais. Isso aconteceu, sobretudo, pelo fato de alguém ocupar o papel de liderança na vida pública e “os demais são súditos, vassalos. Tudo depende da vontade dessa pessoa, neste sistema autoritário rigidamente estruturado”.

Um crescente número de indecisos

Além dos que apoiam ou são contra a mudança, há também quem permaneça neutro e se declare indiferente ao que está acontecendo no país. Diferentemente de 2020, quando o número desse grupo era insignificante—com a maioria claramente dividida entre apoiadores do governo e os opositores ao lado dos manifestantes—esta parcela agora “forma uma terceira vértice do triângulo, e isto é um processo natural”, explicou.

Those who weren’t sure which side they should take have now joined a neutral group. The Belarusians have been living with extreme stress for more than a year, and this cannot last for long. Fear is another factor. According to one poll, 60 to 70 percent of the population in large cities are concerned about their safety, meaning that going neutral is a self-defense mechanism.

Aqueles que não tinham certeza sobre qual posição deveriam tomar agora se uniram ao grupo ‘neutro’. Os bielorrussos agora vivem sob um estresse extremo há mais de ano, e isso não pode perdurar. O medo é outro fator. Segundo uma pesquisa, 60 a 70% da população de cidades grandes estão preocupadas com a segurança, o que significa que permanecer ‘neutro’ é um mecanismo de autodefesa.

Por fim, o sociólogo afirmou, há um fator econômico. Os preços estão subindo muito mais rapidamente do que os salários, enquanto a variedade de produtos nas lojas segue diminuindo, forçando as pessoas a “pensarem em como podem sobreviver”. “Você e seus filhos devem primeiro ter comida o suficiente. Só então poderá pensar em coisas mais estratégicas, grandiosas”.

A propaganda televisiva pode influenciar quem ainda está indeciso? Segundo Gennady, os espectadores da emissora televisiva estatal bielorrussa são, em grande parte, opositores do governo, e não apoiadores ou indecisos. Eles assistem à tevê “para ter informações ou por diversão”, disse. “A propaganda fracassa em atingir a audiência pretendida”.

Overall, state propaganda doesn’t have a profound impact on the minds of the masses. It may only cement the views that those who are watching Belarusian TV channels already have. However, one should remember that if you pull a pendulum too far to one side, it will go the same distance when swinging back. Propaganda is a very subtle art where you should know how to switch back and forth from softness to roughness or extreme caution. There is no subtlety in the Belarusian authorities’ propaganda.

De modo geral, a propaganda estatal não tem um grande impacto no pensamento das massas. Ela pode apenas consolidar os pontos de vista já arraigados por quem assiste aos canais de TV bielorrussos. Entretanto, devemos lembrar que, se puxamos um pêndulo a um extremo, ele atingirá à mesma distância oposta ao balançar. A propaganda é uma arte sutil, temos que saber como transitar de um lado ao outro, do brando ao áspero ou à extrema cautela. Não existe sutileza na propaganda das autoridades bielorrussas.

Mudanças sociais essenciais

Os bielorrussos passaram por uma enorme transformação, explicou Pavel Daneyko. Eles começaram a expressar seus posicionamentos abertamente, algo que nunca haviam feito. “As opiniões não eram ditas na sociedade passiva. O governo tinha apoio passivo do povo, mas isso não existe mais”.

Gennady Korshunov concordou. Tratando-se de política, disse, uma revolução acontece somente quando o governo é deposto. Esta é uma perspectiva limitada, pois, basicamente, “uma revolução é a transição de um sistema, de um estado para outro, e envolve uma mudança de qualidade”.

Isto foi o que aconteceu na Bielorrússia, explicou.  Não se consegue transformar todos de uma só vez, e completou:

Usually, it is 5-10 percent of the population who determine the country’s development path. What is remarkable about Belarus is that more than half of the population is now ready for change, working in this direction. The Belarusians have re-envisioned their national identity, giving birth to a new civil society and reformatting social processes that generate new patterns of behavior. New economic practices have emerged. It’s indisputable that the processes that took place in Belarus were revolutionary in essence.

Geralmente, de 5 a 10% da população determinam o caminho do desenvolvimento de um país. O que é notável sobre a Bielorrússia é que mais da metade da população agora está pronta para uma mudança, trabalhando nesta direção. Os bielorrussos reimaginaram sua identidade nacional, geraram uma nova sociedade civil e reformataram processos sociais que levam a novos padrões de comportamento. Novas práticas econômicas vieram à tona. É indiscutível que os processos que ocorreram na Bielorrússia foram essencialmente revolucionários.

Houve uma “revolução social digital” no país e, agora, “a sociedade bielorrussa está espalhada por todo o planeta, onde há bielorrussos”, disse.

Embora vivam em continentes diferentes, os bielorrussos estão atuando como uma força coletiva, explicou Gennady, citando uma manifestação feita por bielorrussos em frente à indústria automotiva checa Skoda, a maior patrocinadora do campeonato mundial de hóquei no gelo de 2021, demandando que a empresa retirasse o patrocínio caso o evento ocorresse na capital Minsk [4].

“Os bielorrussos se uniram espontaneamente para solucionar seus problemas usando seu forte capital humano, seu recente capital social e alto intelecto”, disse.

They have started to lobby for their interests all over the world. It’s phenomenal. Our horizontal connections and shared pain from the collective Akrestsina [5] [a detention center in Minsk where anti-Lukashenka protesters were severely beaten] have built strong and partly painful ties triggering processes that are still unfolding and God knows where they will take us.

Eles começaram a fazer pressão em prol de seus interesses pelo mundo inteiro. É algo fenomenal. Nossas conexões horizontais e dores compartilhadas do coletivo Akrestsina [5] (centro de detenção em Minsk, onde manifestantes anti-Lukashenko foram gravemente agredidos) construíram laços fortes, um pouco doloridos, desencadeando processos que ainda estão se desdobrando, e só Deus sabe aonde nos levarão.