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O melhor dos dois mundos? Guiana quer ser produtora de petróleo com baixa emissão de carbono

Categorias: Caribe, Guiana, Ciência, Juventude, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política
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Vista da floresta tropical das Cachoeiras Kaieteur na Guiana. Imagem [1] por Dallas Reeves no Flickr, CC BY-ND 2.0 [2].

Por Vishani Ragobeer

Este post foi produzido com o apoio de Climate Tracker [3] e originalmente publicado no Newsroom Guyana [4]. Uma versão editada é republicada aqui com permissão, como parte da cobertura da COP26 [5] da Global Voices.

A cerca de 200 quilômetros da costa da Guiana, um segundo navio de petróleo se instalou essa semana [6] enquanto a ExxonMobil procura intensificar atividades para extrair os 10 bilhões de barris de petróleo que agora estima poder retirar. Em terra, uma área do tamanho da Inglaterra é coberta por florestas. A nação sul-americana, há muito atingida pela pobreza, acredita que é hora de tornar ricos seus pouco menos de um milhão de cidadãos, e acha que pode fazer isso mantendo as florestas intactas e almejando uma próspera indústria petroleira.

A ideia parece plausível.

Sim, a indústria petroleira é notória por emitir dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa danosos que provocaram a crise climática, como a elevação dos níveis do mar [7], outra razão pela qual a Guiana precisa do dinheiro. A área da costa, onde 90% da população vive e onde a maioria das atividades econômicas acontece, está abaixo do nível do mar e uma enchente nesse ano [8] devastou o país e trouxe de volta memórias da enchente de 2005 [9], que afetou 230.000 pessoas e cortou 59% do PIB do país.

Os líderes da Guiana argumentam que o país ainda pode zerar suas emissões de carbono, o que significa que os gases poluentes lançados na atmosfera pela indústria do petróleo e outros setores podem ser compensados por gases que as árvores absorvem. As florestas do país armazenam 21.8 bilhões de toneladas de carbono; se as árvores fossem cortadas, todo esse carbono seria liberado na atmosfera, causando ainda mais danos ao ambiente.

Por mais de uma década, a Guiana fez lobby [10] por um sistema global que pagasse ao país por manter sua floresta intacta. A Noruega foi a primeira a aderir, assinando um acordo de 250 milhões de dólares dos EUA, desde que os índices de desmatamento ficassem intactos, o que foi o caso. Os últimos números [11] colocaram os níveis de desmatamento 90% mais baixos do que a maioria dos países tropicais, então a Guiana está procurando outros países ou empresas, que queiram compensar os gases poluentes gerados por suas indústrias, em troca de pagamento por manter suas florestas intocadas.

Recentemente, o vice-presidente Bharrat Jagdeo anunciou [12] que um acordo de 300 milhões de dólares está sendo negociado. O presidente Irfaan Ali, enquanto isso, disse que a Guiana não está ignorando as preocupações sobre os efeitos dos setores de petróleo e gás, confirmando [13] que seu governo vai buscar políticas fortes para garantir que o setor opere em padrões internacionais.

“O governo está trabalhando para eliminar a queima da produção de petróleo, exceto em casos de emergência genuína”, ele disse em um comunicado à nação. Toda queima é taxada em 45 dólares por tonelada de carbono além do limite permitido por lei. Para produção recentemente licenciada, o imposto sobre a queima será acompanhado de limites legais sobre o montante geral de queima, mas o presidente disse que o que o país quer é uma política que proíbe queima.

Com a emergência do setor de petróleo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta [14] que a economia guianesa irá expandir em 20,4%, mais que qualquer outro país na América Latina e região do Caribe. A ExxonMobil fez [15], até agora, 20 descobertas na região de 6.6 milhões de acres em que tinha licença para prospectar petróleo e instalar poços.

Nem todo mundo está feliz com o que está acontecendo.

Janet Bulkan, ativista ambiental e de direitos humanos e professora na Universidade da Columbia Britânica, pediu [16] à Inter-American Commission on Human Rights (IACHR) para solicitar que os estados caribenhos interrompam “mais exploração arriscada de combustível fóssil”. Parte de sua apresentação apontou que o impacto adverso do setor no meio ambiente da Guiana já foi ilustrado pela queima excessiva de gases associados devido a um compressor defeituoso no Liza Destiny [17], o primeiro navio produtor de petróleo. O petroleiro produz 120.000 barris de petróleo em um dia.

Bulkan também argumentou que o setor em desenvolvimento de petróleo e gás da Guiana entra em conflito com as aspirações à baixa emissão de carbono e contribui para a crise climática global, incluindo a elevação dos níveis do mar que contribui para enchentes cada vez mais graves. Ela também enfatizou que tais atividades ameaçam o “aproveitamento efetivo” da vida humana.

Essa não é a primeira vez que tais preocupações foram levantadas, mas o vice-presidente Jagdeo, responsável pela campanha do acordo de preservação das florestas com a Noruega, argumenta que continuará a haver demanda por combustíveis fósseis e a Guiana não poderia apenas deixar enterrado todo o petróleo que tem enquanto outros países continuam a fomentar suas indústrias, alimentando seu crescimento e desenvolvimento. Ele acrescentou [18], no entanto, que o objetivo da Guiana é o desenvolvimento do setor de petróleo e gás de forma responsável.

Ao anunciar sua estratégia atualizada de Desenvolvimento de Baixo Carbono (Low Carbon Development Strategy, LCDS), o presidente Ali disse que seu governo também vai continuar a dialogar com os produtores de petróleo para garantir que, junto com outras medidas, as operações de exploração e produção vão continuar a explorar todas as oportunidades para inovações tecnológicas de baixo carbono, incluindo o uso de energia renovável para a produção de petróleo, Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (Carbon Capture Utilisation and Storage, CCUS) e, quando tecnologicamente viável, hidrogênio verde.

Em um recente fórum de consultas para atualizar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) sob o Acordo de Paris das Nações Unidas (ONU), Jagdeo declarou que o governo pretende usar os lucros do petróleo para financiar a transição do país para energia mais renovável, cortando emissões à medida que melhora a vida dos cidadãos. De acordo com ele [19], o gás natural obtido no projeto de gás-para-energia de 900 milhões de dólares vai cortar emissões em 50% e reduzir significativamente o custo da energia para o consumidor médio. Depois, ele disse que os lucros do petróleo podem financiar projetos planejados de energia renovável, incluindo um megaprojeto de hidroenergia, e antecipa que o país irá eliminar o uso de aproximadamente 70% dos combustíveis fósseis não renováveis até 2027, por meio do uso de gás natural e energia renovável.

Para a Guiana, pelo menos, enchentes são um dos mais aparentes efeitos da mudança climática, com o país tendo passado por uma enchente nacional [20] apenas alguns meses atrás. É também o desastre natural que o presidente Ali usa para enfatizar a importância da ação climática urgente, incluindo a redução de emissões e financiamento climático adequado [21].

Em um debate recente de alto nível na ONU, o presidente não mencionou os objetivos da Guiana com exploração de petróleo, mas disse que o país vai continuar a fornecer ao mundo “serviços climáticos e de ecossistema essenciais”, particularmente por intermédio das NDCs expandidas.

O foco na economia marinha é importante, já que não se sabe muito sobre essa área. Uma equipe de jovens pesquisadores passou seis dias em mar aberto na Guiana identificando animais maiores encontrados ali, como golfinhos e baleias [22], como parte dos esforços para criar uma base de monitoramento das atividades em águas costeiras. Isso é fundamental, uma vez que o petróleo da Guiana é produzido em poços de águas profundas e existem preocupações sobre o impacto potencial dessa atividade no ecossistema marítimo. Os dutos para o projeto de gás-para-energia provavelmente também serão instalados no leito do mar, e isso pode resultar em interações futuras entre o ecossistema marinho e o setor de petróleo.

Com o desenvolvimento no setor de petróleo e gás continuando livremente, o presidente Ali colocou muitas das ambições climáticas da Guiana nas NDCs expandidas. Na COP26 [5], o encontro climático da ONU desse ano, a Guiana apresentará seus argumentos sobre os motivos pelos quais o modelo de desenvolvimento de baixo carbono é ideal para solucionar a crise climática.