- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

A luta da Turquia contra desastres naturais: incêndios, seca, inundações e um possível terremoto

Categorias: Turquia, Ciência, Desastre, Desenvolvimento, História, Meio Ambiente, Mídia Cidadã

Especialistas afirmam que um terremoto devastador pode atingir Istambul no futuro. Crédito da Imagem: Şinasi Müldür, acesso em Pixabay [1].

A Turquia foi atingida por uma série de desastres naturais e crises ambientais [2] nos últimos meses. A seca no Lago Van causou a morte de milhares de flamingos [3] em julho, enquanto uma substância chamada “sea snot”(espécie de muco marinho) cobriu a costa [4] do Mar de Marmara por meses, tornando o litoral impróprio. No mês passado, cerca de 240 incêndios florestais se espalharam pela costa sul da Turquia [5]. Logo depois dos incêndios, a região do Mar Negro – particularmente as cidades de Bartın, Kastamonu, Sinop e Samsun – foram atingidas por [6] enchentes e deslizamentos de terra por causa da chuva torrencial. Consequentemente, 112 aldeias em Kastamonu, e outras 86 em Sinop, ficaram sem eletricidade [7], enquanto seis pontes aparentemente desabaram [8], e as estradas da região ficaram em ruínas. Mais de 2.000 pessoas foram deslocadas [9] e realocadas devido às inundações. A Presidência de Gerenciamento de Desastres e Emergências (AFAD) anunciou [10] que 8.000 colaboradores, 20 cães de resgate e uma frota de helicópteros estavam procurando pessoas feridas e sobreviventes. De acordo com as informações mais recentes, 82 moradores [11] morreram e 16 ainda estavam desaparecidos [12] em de 27 de agosto.

Foi assim que tudo começou, que Deus nos proteja.

Embora as mudanças climáticas e a chuva excessiva desempenharam um papel nas inundações devastadoras mais recentes, alguns especialistas afirmam que a instalação incorreta da barragem e o excesso de construções perto dos leitos de rios contribuíram para as inundações. O especialista em terremotos e engenheiro de geologia Ramazan Demirtaş afirma [18] em uma entrevista ao jornal Birgun:

If we confine a 400-meter-wide stream bed into 15-meters, and if the water also rises by 7–10 meters, the result is a natural disaster. It is the humanity that directly narrowed the stream bed and opened the bed to development and construction that is the culprit. Let's not blame it on the excessive rainfall as if it’s unprecedented in history. An artificial dam was formed with buildings built alongside, and the flood caused by torrential rain made the situation worse.

Se confinarmos um leito de um rio de 400 metros de largura em 15 metros, e se a água também subir de 7 a 10 metros, o resultado é um desastre natural. A culpa é da humanidade que estreitou diretamente o leito do rio e o abriu para o desenvolvimento e a construção. Não vamos culpar a chuva excessiva como se não houvesse precedentes na história. Uma represa artificial foi formada com edifícios construídos junto ao rio, e a inundação causada pela chuva torrencial piorou a situação.

Outros especialistas dizem que as catástrofes e suas consequências são políticas. Em uma entrevista à France 24, o pesquisador de políticas hídricas e climáticas, Gokce Sencan, observa [19]:

I don’t see Turkey having any comprehensive and holistic climate change policy that addresses everything in an interconnected way. You cannot separate food security issues from energy security issues, and food prices from the issue of drought.

Não vejo a Turquia tendo uma política abrangente e holística sobre mudanças climáticas que resolva tudo de forma interconectada. Não se pode separar as questões de segurança alimentar das questões de segurança energética, e os preços dos alimentos da questão da seca.

Durante sua visita [9] a Bozkurt, uma das áreas mais atingidas pelas enchentes, o presidente Erdogan prometeu ajudar a recuperar a área o mais rápido possível:

Hopefully, we will rise from our ashes again. We can’t bring back the citizens we lost, but our state has the means and power to compensate those who lost loved ones.

Com sorte, ressurgiremos das cinzas novamente. Não podemos trazer de volta os cidadãos que perdemos, mas o nosso estado tem os meios e o poder para compensar aqueles que perderam entes queridos.

No entanto, melhorar a resposta a desastres da Turquia não se trata apenas de fornecer assistência, reconstruir cidades danificadas por enchentes e replantio de florestas que foram totalmente queimadas. A Turquia está entre os poucos países que ainda não ratificaram o Acordo de Paris de 2015, que muitos ambientalistas criticaram na sequência dos desastres. “Este é o primeiro passo. Devemos fazer parte da luta global contra as mudanças climáticas”, disse [19] o porta-voz do Partido Verde da Turquia, Emine Ozkan, em entrevista à France 24. Ankara ainda afirma que a razão pela qual não assinou o acordo é devido a uma classificação injusta. A Turquia é um país classificado como “desenvolvido” o que impede de buscar financiamento, ao contrário dos países classificados como “em desenvolvimento”.

“Em vez de se comprometer com uma redução das emissões de carbono, aumentou [20] sua quota global [21] até 2018 [22]. O governo continua [23] incentivando a mineração de carvão e tem promovido, de forma imprudente, a construção em áreas costeiras [24], muitas vezes em áreas florestais e ecossistemas naturais. Recentemente, o governo mudou a antiga lei que proíbe a construção e o desenvolvimento em terras florestais [25] para permitir a construção em algumas regiões”, declarou [26] o jornalista Asli Aydintasbas em um artigo para o The Washington Post, em 4 de agosto de 2021.

Um desastre maior e iminente

Diante dos recentes desastres naturais e da fraca resposta governamental, [27] muitos estão questionando se o governo está preparado para lidar com seu pior desastre até agora, um possível terremoto em Istambul, a maior cidade e centro econômico da Turquia.

Os incêndios aumentam porque a capacidade de combatê-los foi destruída. As inundações se transformam em tsunamis devido ao mau planejamento urbano e à má drenagem. A prioridade número um da Turquia deveria ser se livrar das pessoas que causam isso antes que um grande desastre atinja Istambul. É sério.

A Turquia está localizada em uma zona sísmica ativa e tem um histórico de terremotos desastrosos. O pior deles ocorreu em Erzincan em 1939, quando um terremoto de magnitude 7,9 deixou quase 30.000 pessoas mortas. O último grande incidente ocorreu em Elazığ em 2020, deixando 1.600 feridos e 41 mortos.

Na Turquia, a área com atividade sísmica mais ativa é a Península de Armutlu, ao sul de Istambul. De acordo com a pesquisa [29] divulgada pelo Centro Alemão de Geociências da GFZ, a Península de Armutlu “é uma fronteira ativa de placas tectônicas conhecida por gerar terremotos destrutivos causando um grande número de vítimas”. Em 1999, um terremoto de magnitude 7,5 matou [30] 18.000 pessoas e deixou outras 250 mil desabrigadas [31].

As recordações desse desastre ainda permanecem, e pesquisas indicam que alguns adultos presentes durante o evento sofrem de [32] estresse pós-traumático.

Este ano, em 17 de agosto, marcou o 22º aniversário daquele terremoto devastador no país. Ainda assim, especialistas alertam [33] que, se um terremoto de magnitude semelhante atingir o país, danos ainda maiores serão inevitáveis, destacando a falta de estratégias governamentais de preparação ou redução de danos.

Um novo relatório [34] publicado pela Urban Transformation Foundation (KENTSEV) no início deste mês estima que um terremoto de magnitude 7,5 ou maior afetaria 6,1 milhões de pessoas e danificaria 1,8 milhão de casas.

Um relatório de pesquisa de 2020 de Konda mostrou [35] que 81% dos entrevistados afirmaram não estar preparados para outro terremoto, outros 67% disseram não ter recebido nenhum treinamento em preparação para terremotos e 68% declararam não saber o que fazer durante um terremoto [36].

Medidas Preventivas

Quando os incêndios florestais eclodiram nas costas mediterrânea e do egeu na Turquia no início deste mês, o presidente da Turquia rejeitou [26] rapidamente pedidos de ajuda. Mesmo depois de admitir que a Turquia não tinha seus próprios aviões de combate a incêndios, o Partido de Justiça e Desenvolvimento governante manteve seu tom polarizador [27] e esnobou ofertas internacionais de ajuda.

Mas os especialistas dizem que esta estratégia é insensata, tanto no aspecto ambiental como no político. Can Selcuki, gerente geral da empresa de pesquisas Istambul Economy Research, disse em uma entrevista [37] ao Middle East Eye que sua empresa de pesquisa está constatando mais interesse dos eleitores sobre as mudanças climáticas e problemas ambientais. E acrescenta que na Turquia, “o governo não tem uma pontuação muito boa quanto se trata de meio ambiente”.

Outros como Koray Dogan, co-porta-voz do Partido Verde da Turquia, disse [37] ao Middle East Eye que o governo está priorizando a economia em detrimento do meio ambiente.

Há amplas evidências para isso, como o grande projeto Kanal Istambul [38] ou a lei de anistia de zoneamento [39] aprovada em 2018. A Turquia passou [39] por 19 leis de anistia de zoneamento desde 1948, que concede perdões (por uma taxa) para empresas de construção que não cumprem os padrões de segurança. Muitas das zonas registradas de montagem de tendas pós-terremoto e uma resposta humanitária desapareceram [40] com a expansão das construções. Além disso, o AKP rejeitou [39] até agora 58 propostas de políticos da oposição pedindo um comitê de supervisão independente para fiscalizar a segurança predial.

Uma pergunta permanece: se nenhum dos recentes desastres e tragédias ambientais fez com que o governo vigente reconsiderasse sua abordagem em relação à segurança ambiental, então o que fará?