“Trese”, animação da Netflix, traz seres sobrenaturais filipinos para as telas

Captura de tela de “Trese” no site da Netflix.

“Trese”, uma adaptação animada da Netflix da história em quadrinhos de mesmo nome de Kajo Baldisimo e Budjette Tan, traz algumas mitologias clássicas sobrenaturais filipinas a uma cidade devastada por horríveis crimes, violência policial, corrupção governamental, despejos urbanos e outras realidades sociais contemporâneas.

Esta série de seis partes, lançada em junho de 2021, tem por foco a história de Alexandra Trese, detetive-xamã que se dedica a resolver crimes cometidos por seres míticos e a defender os humanos das invasões do outro mundo.

Não é surpresa que a série “Trese” da Netflix tenha gerado interesse entre os cidadãos filipinos curiosos sobre como ela representa os mitos do país.

Há opiniões diversas sobre o tratamento dado por “Trese” ao folclore filipino. O jornalista DLS Pineda ataca a representação de criaturas míticas:

Está tudo tranquilo?

O maior problema de Trese é que ela tratou o folclore como mutantes com superpoderes. Não havia conexão com a realidade. Se houve, foi forçada e fracassou miseravelmente. O folclore explica o inexplicável, torna inexplicável o explicável. Com Trese não é assim.

Sinto que esta opinião é correta porque olha através de uma lente que não é necessariamente a que os criadores usaram. O criador quis falar com profundidade sobre o folclore ou quis fazer uma animação ruim baseada no folclore?

Embora suas críticas sejam válidas, o material original parecia uma mistura divertida dos mitos urbanos e procedimentos policiais da década de 1990 que foram empacotados na trajetória de um grande personagem. Tomara que eles explorem o folclore um pouco mais em uma segunda temporada, que saiam um pouco mais da história em quadrinhos original.

Desde a primeira edição em 2005, a série de quadrinhos “Trese” chegou a sete volumes e alcançou aclamação nacionalreconhecimento internacional. Um episódio da série foi incluído na coleção de contos Manila Noir de 2013, da Akashic Books, que destaca seu significado cultural.

“Trese” também apresenta frequentes combinações sobrenaturais com mitologia filipina, desde o anão nuno que vive em um poço, ao semicavalo tikbalang em uma corrida na estrada, até o monstruoso aswang que mantem mercados úmidos para carne humana na capital, Manila.

Esta fascinante mistura de elementos góticos e noir se estende à integração do procedimento policial com resoluções inexplicáveis e mágicas; e uma visão obscura dos crimes e da corrupção que invadem a vida urbana.

De um lado, alguns internautas veem “Trese” como uma condenação da violência policial:

Não somos pessoas para vocês, apenas somos estatísticas, números.
Se realmente importássemos, nomeariam todos os nossos rostos.
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Trese denuncia a violência policial que ocorre nas Filipinas.
Vou repetir isso até que se faça justiça para estes inocentes.

Do outro lado, outros acusam a série de justificar a violência policial e entrar na narrativa do “policial bom”:

Trese é… ok. Foi muito bom e revigorante ver o folclore filipino ganhar vida e poder entender o contexto por trás de algumas palavras locais, mas a propaganda policial de verdade me fez rir. Não acredito que tenha sido uma medida adequada considerando o nível de violência policial [que existe] aqui.

Pequena bolha de pensamento na série Trese.

Não gosto de como ela passou tanto tempo sendo solidária com os “bons” policiais. Verdade seja dita, a série *abordou* a violência policial e os “maus” policiais no sistema, mas pareceu só fazer isso–

Philip Jamilla, defensor dos direitos humanos, considera que “Trese” encarna as ansiedades da classe média urbana contra ameaças de segurança pública, transferidas à série em ameaças sobrenaturais:

Segue: observe como Eduardo Galeano personifica a ansiedade da classe média sobre o crime como um monstro, e como essa ansiedade se manifesta nas atividades que os monstros realizam em Trese: negócios obscuros com trapos, sequestros, tráfico de pessoas, execuções sumárias.
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Voltando ao trabalho policial. Para perpetuar a ordem social, a polícia tende a confiar na proteção das ansiedades latentes como ameaças existenciais à segurança pública, e Alexandra Trese desempenha este papel de polícia sobrenatural para manter esses monstros sob controle (para não mencionar seu trabalho com os policiais).

O escritor Emil Hofileña observou que a série fez algumas concessões de narrativa e de produção para atrair um público internacional.

So these six episodes can’t stop at individual mysteries. They must promise audiences an epic fantasy story that can span multiple seasons, and several voice dubs have to appeal to demographics across different continents.

Então, estes seis episódios não podem parar nos mistérios individuais. Eles devem prometer ao público uma história de fantasia épica que pode abranger várias temporadas, e as várias dublagens precisam atrair os grupos demográficos de diferentes continentes.

O jornalista Alec Joshua Paradeza comentou sobre o estado da animação nas Filipinas:

Bagaman malakas ang lukso ng dugo at #PinoyPride, ang Base Entertainment, na siyang namahala sa produksiyon ng Trese, ay isang film company na nakabase sa Jakarta at Singapore. Hindi naman ito kagulat-gulat, dahil sa pagdidiin na bata pa ang industriya ng animation sa bansa, kung masasabi ngang industriya ito.

Nitong nagdaang mga panahon ay malakas ang tulak para kilalanin ang animation bilang nakabubuhay na career, na ligtas sa pandemya, ngunit hindi natatalakay ang katotohanang kalakhan ng mga animators sa Pilipinas ay outsourced ng mga dayuhang kompanya.

Malayo ang agwat ng animation ng Trese kumpara sa mga anime na inilalabas ng Japan dahil sa mahaba nilang tradisyon ng animation. Kinilala naman ito ng mga tagasubaybay: may pagtitimpla sa ekspektasyon kaya itinuon ng marami ang pagtanaw sa patuloy na pag-unlad nito sa mga susunod pang panahon.

Embora certamente tenha inspirado o Pinoy Pride, a Base Entertainment, que produziu Trese, é uma empresa com escritórios em Jacarta e Singapura. Isto não é surpreendente, dada a emergente indústria da animação nas Filipinas, se é que realmente se pode dizer que é uma indústria.

Nos últimos anos houve um forte impulso para reconhecer a animação como uma carreira aceitável, a salvo da pandemia, mas não se discute a realidade de que a maioria dos animadores das Filipinas é formada por mão de obra terceirizada de empresas estrangeiras.

A animação Trese apresenta uma enorme lacuna com relação ao anime lançado pelo Japão devido à sua larga tradição de animação. Os observadores reconhecem isso: há um nivelamento das expectativas, por isso muitos se concentram em seu desenvolvimento contínuo no futuro.

No fim das contas, entre a aclamação e a recepção mista, para muitos “Trese” oferece esperança para o futuro da animação filipina:

É muito inspirador e esperançoso pensar sobre como Trese da Netflix vai abrir muitas portas a outros artistas e escritores locais que sonham em ver suas obras publicadas ou adaptadas 🥺 Não tenho nada além de gratidão a eles por abrirem o caminho 🙏🏼

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