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Jogos Olímpicos: COVID-19 amplia abismo entre América Latina e nações mais ricas

Categorias: América Latina, Desenvolvimento, Esportes, Mídia Cidadã, COVID-19

 

Montagem da CONNECTAS

Este artigo foi escrito por Víctor Diusabá Rojas para CONNECTAS [1], e uma versão editada é republicada na Global Voices.

A América Latina enviou 230 atletas a menos para Tóquio em comparação com os Jogos Olímpicos anteriores sediados no Rio. Apesar disso, vários competidores latino-americanos ganharam medalhas nos primeiros dias dos jogos deste ano, incluindo o ciclista equatoriano Richard Carapaz [2], o halterofilista colombiano Luis Javier Mosquera [3], os mexicanos Luis Álvarez Murillo [4] e Alejandra Valencia [5], além dos brasileiros Rayssa Leal [6], de 13 anos, que é conhecida como a “Fadinha do skate”, Kelvin Hoefler [7] e Daniel Cargnin [8].

Esta é uma grande conquista, pois ganhar uma medalha olímpica não é uma tarefa fácil. Nos Jogos Olímpicos de 2016 [9] no Rio de Janeiro, menos da metade (apenas 86) dos 205 países que competiram ganharam uma medalha.

O ciclista equatoriano Richard Carapaz ganhou uma medalha de ouro surpresa na prova masculina de ciclismo de estrada em Tóquio. Após sua vitória, ele reclamou que não havia recebido nenhum apoio de seu país natal [10]. Crédito da imagem: Wikimedia Commons [11].

Essas primeiras medalhas despertaram alegria e otimismo nos países de origem dos atletas. Suas realizações dominaram as manchetes dos jornais, à medida que a mídia da região finalmente encontrou um motivo para comemorar após vários meses de notícias sombrias sobre a pandemia da COVID-19.

Todos aqueles campeões sonhavam em levar a glória de volta para casa. No entanto, estando no topo do pódio, somente eles sabiam o enorme esforço que foi preciso para que eles reivindicassem a vitória olímpica. Cada medalha conquistada tem uma história única e está gravada com as lágrimas daqueles que não ganharam. Principalmente neste ano, quando os competidores treinaram, competiram e participaram do mais singular Jogos Olímpicos da história, marcado pela ausência de espectadores e pelo medo sempre presente do contágio.

Por que os atletas latino-americanos enfrentam desafios extras em comparação com seus colegas de diversas partes do mundo?

A primeira resposta reside nos efeitos devastadores da pandemia. No final de maio de 2021, segundo Carissa F. Etienne, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), as mortes causadas pela COVID-19 ultrapassavam um milhão [12] na América Latina. Um mês depois, em junho, 37 milhões de pessoas foram infectadas, um número que é quase a soma das populações do Peru e de El Salvador juntas. Em termos econômicos, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a dívida [13] regional aumentou de 68,9% para 79,3% do Produto Interno Bruto entre 2019 e 2020. E isso sem contar a dívida que será acumulada no exercício do ano vigente. Segundo a CEPAL, a América Latina é a mais endividada de todas as regiões em desenvolvimento, acima da Ásia, da África Subsaariana, do Oriente Médio, da Ásia Central e da Europa, nessa ordem. Em suma, a COVID-19 atingiu a América Latina com muito mais força do que outras regiões do mundo.

E o esporte também sofreu esse impacto. Na verdade, atletas afetados pelo vírus foram forçados a desistir de seus sonhos de competir em Tóquio, mesmo quando eles já tinham se qualificado para a vaga. Isso incluiu os jogadores mexicanos de beisebol Héctor Velázquez [14] e Sammy Solís [15], a atleta chilena de taekwondo Fernanda Aguirre [16] e o ciclista colombiano Daniel Felipe Martínez [17].

De acordo com Olympedia.org, há 230 atletas latino-americanos a menos em Tóquio comparado ao Rio de Janeiro. Vários países que costumam enviar grandes equipes reduziram suas delegações, incluindo o Brasil (145 atletas a menos), a Colômbia (73 a menos) e Cuba (48 a menos). Crédito da imagem: Comité Olímpico Colombiano

Infelizmente, não existem dados concretos sobre os cortes feitos nos orçamentos desportivos como resultado da crise. Em 2018, antes que alguém tivesse ouvido falar da COVID-19, as 20 maiores economias da América Latina contribuíram com USD 1,9 bilhão para o setor de esportes, segundo a Forbes. Isso incluiu áreas como alto desempenho, infraestrutura, programas de atividade física, promoção, salários administrativos e bolsas de estudo. A maior parte veio do Brasil (44,4%), seguido do México, Chile, Colômbia e Equador.

Do mesmo modo, países como o México, enviou uma grande delegação, enquanto a Colômbia triplicou a quantidade destinada ao esporte quatro anos antes, a fim de preparar seus atletas para estes Jogos Olímpicos. No entanto, não se pode negar que os atletas latino-americanos sofreram com a suspensão de competições locais e regionais, as quais dependiam uma boa parte da sua estratégia de treinamento.

Durante a pandemia, imagens [18] de atletas e aspirantes a campeões criando espaços de treinamento em suas casas se tornou uma visão comum nos meios de comunicação e nas redes sociais. Mas os atletas e seus treinadores, sabiam que esses esforços não seriam suficientes para conquistar medalhas de ouro. Os atletas cubanos falaram [19] recentemente sobre como eles transformaram o telhado de suas casas em academias.

Os desportistas de todo o mundo estavam na mesma situação. Pelo menos a vasta infraestrutura desportiva e menos restrições à mobilidade nas nações mais ricas tornaram essa situação mais suportável. Na verdade, atletas da América Latina viajaram para a Europa bem antes das Olimpíadas para usufruir desses espaços, embora nem sempre tenham tido muita sorte. Por exemplo, a equipe brasileira de futebol masculino encontrou um problema: os adversários nem sempre queriam jogar contra a equipe de um país com um dos piores registros de infecções, mortes e considerada como foco de novas variantes.

É verdade que o protagonismo do “Primeiro Mundo” sobre a América Latina é sentido agora mais do que nunca. No entanto, as probabilidades sempre estiveram contra as nações mais pobres ao longo da história das Olimpíadas, um cenário em que as maiores potências mundiais sempre aproveitaram essa vantagem. Em última análise, os atletas latino-americanos enfrentam os mesmos desafios que Luis Subercaseaux [20], o solitário chileno inscrito no ciclismo e atletismo nos primeiros Jogos da era moderna em Atenas em 1896. No entanto, ninguém sabe se ele realmente participou, pois não aparece nos registros oficiais. Assim como o esgrimista cubano Ramón Fonst [21], que conquistou medalhas de ouro e prata nos Jogos Olímpicos de Paris em 1900. Os países latino-americanos continuaram competindo pela glória olímpica em Tóquio. No entanto, apesar de todo o empenho e determinação, no final, é o quadro de medalhas que decide o destino deles.