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Diante de projetos turísticos, a Mariquita-de-barbuda não é a única que pode perder sua casa

Categorias: Caribe, Antígua e Barbuda, Desastre, Desenvolvimento, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Lei, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política

Pássaro endêmico e vulnerável Mariquita-de-barbuda (Setophaga subita). Foto de Jeff Gerbracht, usada sob permissão.

Na noite de 5 de setembro de 2017, a nação caribenha de Antígua e Barbuda esperava apreensiva pela chegada do furacão Irma [1]. Quando o Irma atingiu Barbuda, a menor das duas Ilhas de Sotavento foi a mais atingida pelo impacto [2] de sua fúria [3]. No dia seguinte, com o furacão José [4] logo atrás de Irma, o primeiro-ministro Gaston Browne declarou a ilha “inabitável [5]” e ordenou a evacuação obrigatória dos residentes. Assim começou [6] uma ameaça muito mais traiçoeira: a erosão do centenário sistema de direitos à terra comunitária dos antiguanos.

Desde então, há uma batalha [7] acontecendo, que agora está sob forte exame [8] graças às preocupações da Agência da ONU para os Refugiados [9] (ACNUR) com o projeto imobiliário [10] do exclusivo Barbuda Ocean Club [11], que vem acompanhado por um aeroporto internacional. Embora haja em andamento [12] outros empreendimentos relacionados ao turismo de elite, ambos os projetos podem prejudicar ainda mais os direitos dos antiguanos à terra, bem como impactar negativamente a ecologia da ilha e a vida selvagem – incluindo uma ave endêmica [13] que sobreviveu ao furacão Irma, mas que pode não ser resiliente [14] frente a tais empreendimentos em larga escala.

Terra comunitária

Desde que Barbuda estava sob o domínio britânico [15] – a independência foi [16]declarada em 1981 -, existe um sistema de posse de terra [17] baseado na comunidade. A Lei de Terras [18] de 2007, que formalizou o costume, declara que as terras de propriedade comum [19] dos antiguanos, não podem ser vendidas. Qualquer “grande empreendimento”, ou seja, projetos que custem mais de 5,4 milhões de dólares dos Estados Unidos ou que tenham “um impacto significativo na economia, no meio ambiente ou na infraestrutura de Barbuda”, deve passar por uma série de controles e verificações.

Em primeiro lugar, os antiguanos devem concordar previamente com o projeto. Então, o Conselho de Barbuda deve dar sua aprovação antes que qualquer proposta seja enviada para consideração do Gabinete. Assim que o Gabinete concordar, o povo deve dar o consentimento final. No entanto, após a evacuação da ilha em 2017, esse consentimento parece ter cada vez menos importância. O primeiro-ministro (e atual presidente da Comunidade do Caribe – Caricom [20]), Gaston Browne [21], fez uma abordagem que pareceu a muitos um abuso político quando chamou [22] a prática milenar de compartilhamento de terras na ilha de “um mito” e propôs [22] que o governo vendesse aos antiguanos as terras que eles já ocupavam por um dólar do Caribe Oriental (37 centavos dos Estados Unidos) em troca de um título. É um movimento que alguns chamaram [6] de caso clássico [23] de “capitalismo do desastre”.

Em dezembro daquele ano, o parlamento alterou a Lei de Terras de 2007 enfraquecendo a legislação que rege a partilha de terras comunitárias ao permitir a propriedade, potencialmente estabelecendo as bases [24] para megaprojetos de turismo que poderiam ameaçar os frágeis ecossistemas da ilha e, pelo preço certo, tirar as terras do antiguanos. Em março de 2018, Browne disse [25] que seu governo pretendia revogar a lei [26].

Naquela época, o blog Barbudaful alegava [27] que o plano do governo era anterior ao furacão Irma:

Prime Minister Gaston Browne’s Paradise Found Act [28] was part of this – this 2015 Act was designed specifically to allow his new economic envoy (the actor Robert De Niro, and partner James Packer [29]) to take up huge areas of land on Barbuda in addition to their acquisition of the K Club lease, without reference to the Land Act. Since then the Land Act has been amended by the Prime Minister [30] to facilitate other large projects with long, cheap leases proceeding without any local consultation, intending eventually to give freehold to these so-called investors. Finally, after the island’s infrastructure was allowed to completely run down, assisted by Barbudan Arthur Nibbs, who famously called his own people ‘squatters’ as the ALP’s Minister for Agriculture and Lands; the Land Act was finally repealed [25], threatening rights that had existed on Barbuda for four hundred years. […]

A huge area of wilderness was immediately bulldozed [31], to build a new ‘airport’ for private jets in the immediate aftermath of a major disaster […]

A Lei do Paraíso Encontrado [28] do primeiro-ministro Gaston Browne fez parte disso. Esta lei de 2015 foi projetada especificamente para permitir que seu novo enviado econômico (o ator Robert De Niro, e o sócio James Packer [32]) ocupasse grandes áreas de terra em Barbuda, além da aquisição do contrato de arrendamento do K Club, sem referência na Lei de Terras. Desde então, a Lei de Terras foi emendada pelo primeiro-ministro [30] para facilitar outros grandes projetos com arrendamentos longos e baratos prosseguindo sem qualquer consulta local, com a intenção de, eventualmente, conceder a propriedade para esses chamados investidores. Por fim, depois que a infraestrutura da ilha foi deixada totalmente degradada, com auxílio do antiguano Arthur Nibbs (que ficou famoso por chamar seu próprio povo de “invasores” como o Ministro da Agricultura e Terras do ALP), a Lei de Terras foi finalmente revogada [25], ameaçando direitos que existiam em Barbuda por quatrocentos anos. […]

Uma enorme área selvagem foi imediatamente demolida [31], para construir um novo “aeroporto” para jatos particulares logo após um grande desastre […]

Preocupações com a vulnerabilidade ecológica

A ação da ONU segue a da Rede de Ação Legal Globa [33]l (GLAN), que pediu uma investigação [34] sobre o que estava acontecendo em Barbuda, alertando o Secretariado Ramsar [35] com sede em Genebra, que defende a proteção de pântanos em todo o mundo.

Uma carta da ONU expressou [8] preocupação com a localização ecologicamente vulnerável do resort, contendo pântanos que sustentam a biodiversidade [36] e são essenciais para amortecer os efeitos da mudança climática, incluindo a proteção da ilha contra furacões. A abordagem para a construção da pista do aeroporto, supostamente construída sobre cavernas de calcário, também está em revisão [37].

A União Internacional para a Conservação da Natureza [38] (IUCN) atualmente lista [39] a Mariquita-de-barbuda (Setophaga subita) como uma espécie vulnerável, abaixo de sua classificação anterior de quase ameaçada [40], com uma população estimada de apenas 600-1.700. Em uma atualização de 2019 sobre Barbuda após o furacão Irma, a Birds Caribbean observou [14]:

As an endemic, the Barbuda Warbler is completely restricted to the 62 square mile island and with its relatively small population, is at a higher risk from extreme weather events and habitat loss. […]

The construction of the new airport meant that several points we had previously counted [the species] were now either on the runway or in the middle of the rock quarry supporting the new construction. Habitat loss and concerns about the impact the airport will have on the surrounding warblers are something that should be closely monitored into the future.

Por ser endêmica, a Mariquita-de-barbuda está completamente restrita à ilha de aproximadamente 100 quilômetros quadrados e, com sua população relativamente pequena, corre um risco maior de perda de habitat em eventos climáticos extremos. […]

A construção do novo aeroporto fez com que vários pontos que havíamos contado anteriormente (as espécies) estivessem agora na pista ou no meio da pedreira de apoio à nova construção. A perda de habitat e as preocupações com o impacto que o aeroporto terá sobre os pássaros ao seu redor são algo que deve ser monitorado de perto no futuro.

O post acrescentou que a colônia de Fragata-comum (Fregata magnificens) da ilha é o maior criadouro da espécie no hemisfério ocidental, tornando-a “crítica para o sucesso contínuo desta espécie no Atlântico”.

As redes sociais falam claramente

Enquanto um processo legal [41] sobre a questão dos direitos à terra está programado para ser ouvido perante o Conselho Privado do Reino Unido, os usuários de mídia social de Barbuda estão usando o tempo para aumentar a conscientização [42] na região.

A usuária do Twitter, Joanne Thomas, criticou a Comunidade do Caribe (CARICOM) por não fazer sua voz ser ouvida:

CARICOM.org é realmente triste e uma reflexão pobre para a sua organização que o indivíduo que preside seja aquele que não respeita o povo de Barbuda e Antígua, suas terras ou seus direitos humanos.

No entanto, ela estava confiante de que o povo triunfaria, como tem feito por séculos:

#Hurricane [48] Irma destroyed much of #Barbuda [44] in 2017, but not the spirit of #Barbudans [49]. Post #Irma [50], the #Antigua [45] government decided to complete the destruction, and it continues. There is rapid destruction of the #environment [51] and #lands [52] all in the name of greed and “development.”

— Joanne Thomas (@JoJoBeaz62) July 26, 2021 [53]

O furacão Irma destruiu grande parte de Barbuda em 2017, mas não o espírito dos antiguanos. Depois do Irma, o governo de Antígua decidiu completar a destruição, que continua. Há uma rápida destruição do meio ambiente e da terra, tudo em nome da ganância e do “desenvolvimento”.