A ativista e autora Denise Padín Collazo, de ascendência porto-riquenha, publicou seu livro “Thriving in the Fight: a survival manual for Latinas on the front lines of change” (Florescer na luta: um manual de sobrevivência para as latinas na linha de frente da mudança). Depois de 25 anos de ativismo pela mudança na política econômica nos Estados Unidos, na “luta por justiça racial, política e econômica” na organização religiosa Faith in Action (Fé em Ação), Padín Collazo apoia a liderança das mulheres de cor por meio da orientação e da escrita, principalmente porque muitas abandonam o ativismo por exaustão.
Conversei com ela por meio do Zoom para falar mais sobre seu livro. A entrevista foi editada por questões de brevidade e para melhor compreensão.
Melissa Vida (MV): Você diz que “temos que fazer o que temos que fazer para florescer, não somente para sobreviver”. O que quer dizer com isso?
Denise Padín Collazo (DPC): My experience over the years as a social justice leader is that there have been many times where I really just put my head down and get the work done. You would “stay in the fight” for racial, economic, and political justice or you might be winning a victory, but you're just exhausted. After surviving, you are surrendering, which is the step right before leaving. And surrendering is that place where you've lost the joy, the energy, the creativity. You're doing the work, you're bearing a heavy burden, but you're not showing up as the most brilliant, most effective, most badass version of you that you could.
Denise Padín Collazo (DPC): Minha experiência ao longo dos anos como líder da justiça social é que muitas vezes eu apenas abaixei a cabeça e fiz o trabalho. Você “continua na luta” por justiça racial, econômica e política ou pode sair com uma vitória, mas estar cansada. Depois de sobreviver, você começa a desistir, o que é justamente o passo antes de sair. E a desistência é esse lugar em que você perdeu a alegria, a energia, a criatividade. Você está fazendo o trabalho, está carregando um fardo pesado, mas não está mostrando a versão mais brilhante, mais eficaz, mais impressionante de você.
MV: Então, qual é o ingrediente secreto para florescer?
DPC: There are three keys. I think we need to lead into our vision when we see something in our minds that does not exist yet. Sometimes we find ourselves implementing someone else's vision and that's not where we're at our best. Then, it is to live into your fullest self and not shrinking down in the corner of the room and waiting for answers and permission to come from others. My inspiration for this is how, as Latinas, or people from Latin American countries or Caribbean culture, there's just a way of being when we're all together, we're just “more.” We're bigger, we're louder, we're happier. And the third key is to remind ourselves of the love for our people, love for the work of change, love for our own self, which is enough to help propel us past all the negatives like the messages we've been taught as young girls as to the way women are supposed to be in the world.
DPC: Existem três pontos principais. Acredito que temos que direcionar nossa visão quando percebemos algo que ainda não existe. Às vezes, nos vemos apoiando a perspectiva de outra pessoa, e é aí que não mostramos o nosso melhor. Então, trata-se de viver o máximo esplendor, de não se encolher em um canto nem esperar que as respostas e a permissão venham de outros. Minha inspiração para isso baseia-se na perspectiva das latinas ou de pessoas de países latino-americanos ou da cultura caribenha, pois existe uma forma de ser quando estamos todos juntos, somos simplesmente “mais”. Somos maiores, mais barulhentos e mais felizes. E o terceiro ponto é lembrarmos do amor por nosso povo, do amor pela luta por mudança, do amor por nós mesmos, o que é suficiente para nos ajudar a superar todos os aspectos negativos, como tudo o que aprendemos quando jovens sobre como as mulheres devem ser no mundo.
MV: Qual é o oposto de se encolher?
DPC: As a Latina, I was brought up to serve humbly from behind the scenes and never have any expectation of recognition—no rewards, none of that. I've had to get up my courage and get courage from my sisters to help me lead from the front. That's not the place I feel the most comfortable leading from, but since there are so few of us Latinas in leadership, we don't have a choice. You don't have to do it in the egotistical way that was modeled for us before, we can lead as a collective. Our people whom we are working with need for us to be at the front. And that doesn't mean we have to work more. Sometimes it means we have to work less so we have time to breathe, rest, get sunshine, refresh our own bodies because we spend so much time pouring out.
DPC: Como latina, fui educada para servir humildemente nos bastidores e não esperar nunca nenhum reconhecimento, nenhuma recompensa, nada. Tive que me preparar e conseguir que minhas irmãs me ajudassem a liderar na linha de frente. Esse não é o lugar em que me sinto mais cômoda, mas como são tão poucas latinas na liderança, não temos outra opção. Não é preciso fazer isso da maneira egoísta conforme nos moldaram antes, podemos liderar como um coletivo. As pessoas com quem trabalhamos necessitam que estejamos na linha de frente. E isso não significa que tenhamos que trabalhar mais. Às vezes significa que temos que trabalhar menos para ter tempo para respirar, descansar, tomar um sol, refrescar nosso corpo já que passamos muito tempo servindo.
MV: Isso me leva a minha próxima pergunta: o que é a “cultura da emergência?
DPC: In the book, I lay out a number of symptoms of white supremacy that exist in organizations. One of those is the culture of emergency. In many of the places I work with, there's just this grind that never stops. We work for racial, political, and economic transformation, and that is not easy work, and it really never stops. It's very hard as an advocate to take a breath and stop. So some things are urgent, like earthquakes, hurricanes, shootings. But some things aren't. I want us to notice it and push against it. For example, time is measured differently across the world. And here in the U.S., you might do a 30-minute phone call with someone and that's just it. But we cannot be our full selves in half an hour. So I've learned to not think that way and to leave myself open for the magic that happens when you take more time to do something, or to be with people and listen to them.
DPC: No livro, exponho uma série de sintomas da supremacia branca que existem nas organizações. Uma é a cultura da emergência. Em muitos dos locais nos quais trabalho, existe uma rotina que nunca para. Trabalhamos pela transformação racial, política e econômica, não é uma tarefa simples e, de fato, nunca para. Como defensora, é muito difícil tomar um ar e parar. Então, algumas coisas são urgentes como terremotos, furacões, tiroteios. Mas outras coisas não são. Quero que percebamos e façamos algo contra isso. Por exemplo, o tempo é medido de forma diferente em todo o mundo. Aqui nos Estados Unidos você pode fazer uma ligação de 30 minutos para alguém e isso é tudo. Mas não podemos ser nós mesmos em meia-hora. Portanto, aprendi a não pensar assim e a me deixar levar pela magia produzida quando se leva mais tempo para fazer algo, ou estar com as pessoas e escutá-las.
MV: Você dedicou um capítulo inteiro à denúncia da discriminação contra os negros. Por quê?
DPC: 2020 was a year where we were all challenged by the young, brilliant, amazing leaders of the Black Lives Matter movement, who have been creating a moment all over the world which is making us have to ask ourselves: how is our silence being complicit to the system as it is? I've watched as conversations happen, at least in the U.S., and it ends up being a black or white construct, and Latinos lean back in spaces where race is discussed. If you talk to a [non-black] Latino person and you ask them if they have ever noticed anti-blackness in their own community, some would say, “Yes, but it's all in good fun ….” It's not good. It's about the saying in Latin America mejorar la raza (“improving the race”) that is about making the race more white. It's about your tía (aunt) saying, “Don't marry this person because he's darker than you.”
As Latinas, we have this opportunity to build really good relationships with our Afro-Latina sisters and our sisters who identify as Black or from African descent. What would it look like if we have real conversations among the Latino community about anti-Blackness and start to really challenge it? It's everywhere in our culture. It's not enough for me to be a fighter for racial justice, I gotta work on our people—go talk to your tíos (uncles) and cousins.
DPC: Em 2020, fomos todos desafiados pelos jovens, brilhantes e fantásticos líderes do movimento Vidas Negras Importam, que têm ganhado impulso em todo o mundo, e que nos faz questionar: como nosso silêncio está sendo cúmplice do sistema tal e como ele é? Tenho observado como as conversas, ao menos nos Estados Unidos, acabam sendo uma construção em preto e branco, e os latinos voltam para os espaços onde se discute raça. Se você conversar com um latino [não negro] e perguntar se alguma vez ele notou alguma discriminação na sua própria comunidade, alguns dirão: “Sim, mas é tudo muito divertido…”. Não é bom. Trata-se da máxima na América Latina de “melhorar a raça”, que consiste em tornar a raça mais branca. Trata-se do que sua tia dizia: “Não se case com essa pessoa, ela é mais negra que você”.
Como latinas, temos a oportunidade de estabelecer relações muito boas com nossas irmãs afro-latinas e com aquelas que se identificam como negras ou afrodescendentes. Como seria se tivéssemos conversas reais entre a comunidade latina sobre a discriminação contra os negros e começássemos a desafiá-la realmente? Está por toda parte em nossa cultura. Para mim, não é suficiente ser uma defensora da justiça racial. Tenho que trabalhar com nosso povo — falar com seus tios e primos.
MV: Nós falamos dos “latinos”, mas não são todos diferentes? Qual é o ponto em comum?
DPC: In the U.S., anyone who comes as being of Latin American descent is put into one category. But the fact is, we don't all speak the same language, we don't eat the same food, we don't all look the same. There is so much diversity. But the one thing that links us all together is a shared history of oppression, colonization and extraction of natural resources that is continuing to happen today. We have been taught by the church and violent systems like slavery, and sometimes extermination, to believe that whiteness is the right thing. Some Latinos who are in the middle, between white and black, sometimes get confused. The goal is to really understand that we are all being oppressed. Our liberation, including white folks, is achieved through Black liberation. If we can't really understand that, we are only going to see part of the picture.
DPC: Nos Estados Unidos, todo descendente de latino-americanos é colocado em uma categoria. Entretanto, o fato é que nem todos falamos o mesmo idioma, não comemos os mesmos alimentos e não temos a mesma aparência. Existe muita diversidade. O ponto em comum que nos une é uma história compartilhada de opressão, colonização e extração de recursos naturais que continua acontecendo até hoje. A igreja e os sistemas violentos como a escravidão e, às vezes, o extermínio, nos ensinaram a acreditar que o “branco é melhor”. Alguns latinos que estão no meio, entre brancos e negros, algumas vezes se confundem. O objetivo é realmente entender que todos estamos sendo oprimidos. Nossa libertação, inclusive a dos brancos, passa pela libertação dos negros. Se não pudermos entender isso de verdade, veremos apenas uma parte do todo.
MV: Como você vê o futuro do ativismo social?
DPC: I'd love to see a future in which women's leadership is centered, that the idea of leading “with” and not “over” becomes the norm and not the exception. We have enough in this world. We have enough money, water, fresh air. There is enough. We just have to center the attitude of love and leadership that is about everyone and not some people. And I'm not saying that women are perfect, but I have a tremendous amount of confidence in our leadership. If there's that dream that you have in your head and you haven't seen it yet? Go get it. It's yours to get.
DPC: Eu adoraria ver um futuro no qual a liderança das mulheres esteja no centro, em que a ideia de liderar “com” e não “sobre” se torne norma e não exceção. Temos o suficiente neste mundo. Temos dinheiro, água e ar fresco suficientes. É o que basta. Só temos que focar na atitude de amor e liderança que tem a ver com todos e não com alguns. E não estou dizendo que as mulheres são perfeitas, mas tenho uma enorme confiança na nossa liderança. Se você tiver um sonho que ainda não realizou, siga em frente encontre-o. Está aí para que você o agarre.