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Do México à Austrália, jovens indígenas reinventam a internet para suas línguas

Categorias: Austrália, México, Direitos Humanos, Indígenas, Língua, Mídia Cidadã, Rising Voices

Ilustração por Isela Xospa.

Existem cerca de 7.000 idiomas [1] no mundo, mas apenas 10 dominam [2] a internet. O inglês lidera, com 25,9% do conteúdo on-line, seguido do chinês, espanhol, árabe, português, indonésio, francês, japonês, russo e alemão. Frente a essa realidade, jovens indígenas, do México à Austrália, estão construindo espaço para os seus idiomas na rede.

De todas as línguas, 40% estão sob “perigo de desaparecer”, segundo a UNESCO [1], e as línguas indígenas correm um risco maior, uma vez que os idiomas hegemônicos permeiam a educação, os governos e a mídia global.

Em 13 de julho, ativistas de línguas indígenas, do México e da Austrália, compartilharam suas estratégias durante um evento on-line coorganizado pela Global Voices [3] e pelo First Languages Australia [4], com o apoio da Embaixada da Austrália no México [5].

Existem 68 línguas indígenas [6] no México e 250 na Austrália [7], fazendo desses países locais com as maiores diversidades linguísticas no mundo [8], juntamente com Papua-Nova Guiné, Nigéria, Indonésia, Índia e Brasil, para citar alguns.

“A Austrália e o México são países resultado de colonização e da imposição de uma língua hegemônica”, disse a moderadora do evento, Isela Xospa [9], uma ilustradora indígena o povo naua. Para ela, esse cenário leva a uma visão e a um entendimento do mundo em apenas um idioma, o que é uma grande perda.

“É muito importante entender que a internet é dominada por línguas hegemônicas. Você pode acessar a internet se você conhece a língua hegemônica, mas não em seu próprio idioma”, explica. Isela afirma que esse é um dos motivos pelos quais os jovens não se sentem identificados on-line e podem abandonar sua língua.

Palestrantes concordaram que os jovens estão falando em suas línguas ancestrais com uma frequência cada vez menor, principalmente pela desconexão com a geração anterior. Pais e mães não conhecem ou não ensinam sua língua aos filhos com frequência; a tarefa fica a cargo dos avós, caso estejam presentes.

O zapoteca xhidza de Oaxaca, no México, Joaquín Yescas Martínez, explicou: “Muitos pais temiam as escolas; eles eram punidos [por falarem a língua nativa] quando eram mais jovens, nas escolas. Devido a esse medo, muitos colegas de aula da minha geração não falam sua língua”.

Fazer com que as línguas indígenas sejam mais onipresentes on-line pode ter um papel importante em atrair jovens para aprender, praticar e perder a vergonha de falarem seus idiomas.

“Quando os jovens conseguem ver a sua língua sendo utilizada nas plataformas de redes sociais mais populares, compartilhada e de fácil acesso na internet, ficam motivados a seguir e compartilhar sua língua e cultura”, diz Annalee Pope, uma mulher wakka wakka da área central de Queensland, na Austrália.

No entanto, a questão não é apenas sobre usar línguas indígenas nas plataformas on-line conhecidas, mas também imaginar novidades para que se apropriem da internet. Por exemplo, Rachel Dikul Baker, da etnia yolŋu do Território do Norte, na Austrália, defende novos domínios na internet que usem sua língua yolŋu matha [10] e que reflitam a filosofia yolŋu de um sistema de consanguinidade — um conjunto de regras culturais no qual as crianças aprendem sua relação específica com cada outro yolŋu e com diversos elementos no mundo natural.

“O sistema de consanguinidade yolŋu é a relação com a terra, a relação com o que está dentro da terra, incluindo seres humanos e línguas”, explica. “Muitas das desconexões acontecem porque os domínios na internet não são yolŋulizados; então, o aprendizado de línguas na internet não é desenvolvido no sistema yolŋu de consanguinidade”. Em sua organização, a ARDS Aboriginal Corporation [11], Rachel está ajudando no desenvolvimento de uma “plataforma linguística warami que é baseada em consanguinidade”, ela conta.

Ativistas indígenas de línguas, do México e da Austrália, compartilharam estratégias durante um evento on-line coorganizado pela Global Voices e First Languages Australia, com o apoio da Embaixada da Austrália no México, no dia 13 de julho de 2021.

Joaquín, por sua vez, sonha com softwares gratuitos e redes sociais criados por e para pessoas indígenas, em suas próprias línguas. Além de seu ativismo por softwares gratuitos, Joaquín foi cofundador e trabalha em diversas iniciativas concebidas para propagar o uso das línguas xhidza. Ele vê suas duas paixões se fundirem para criar novos espaços na internet.

Joaquín gostaria de ver uma expansão da rede de ativistas digitais, que trabalham para melhorar a conexão de internet nas comunidades onde o acesso digital é baixo, além da divulgação de internets indígenas “de base comunitária” para o compartilhamento de informações.

“Nós podemos criar nossa própria rede social dentro das comunidades [indígenas] e gerar mais vozes; nós podemos criar redes de internet com mais conteúdo em nosso idioma”, ele diz.

A palestrante maia, María Lilia Hau Ucan, originalmente de Kinil, em Iucatã, no México, manifestou esperança em ver jovens de Iucatã se expressando criativamente em suas línguas indígenas através de música, poesia e outras formas de narrativas.

“Eles estão se apropriando da língua ao escreverem, o que é fantástico. Há também grupos de jovens que estão se envolvendo em rádios comunitárias, em radiodifusão, publicações periódicas, redes de sociabilização… estão até tentando transmitir a língua ensinando-a por meio da plataforma Tiktok”.

Na América Latina, por exemplo, existem contas do TikTok para aprender náuatle [12] de El Salvador, a língua maia caqchiquel [13] do México e Guatemala, quichua [14] do Equador e waorani [15] do Equador amazônico. Em geral, o “TikTok nativo [16]“, onde jovens compartilham a cultura indígena, humor e demandas pelos direitos indígenas e territoriais, teve um enorme crescimento na plataforma. Há também aplicativos para aprender línguas indígenas no México [17] e na Austrália [18].

A música é uma outra maneira pela qual a juventude indígena está compartilhando suas línguas. O rapper Baker Boy versa em sua língua nativa, yolŋu matha, além de em inglês na canção “Meditjin”, com participação de JessB:

A cantora Sara Curruchich, da Guatemala, canta em sua língua nativa maia caqchiquel e em espanhol. Ela também é uma ativista de línguas e direitos humanos, divulgando línguas indígenas por meio da música. Em 2020, criou uma playlist no Spotify, na qual figuram mulheres de todas as partes do mundo, chamada Voces de Mujeres Indígenas IXOQI [19].

“É um direito humano que os povos nativos falem suas línguas, que se expressem, socializem-se e não sintam vergonha ao fazer isso”, Isela Xospa afirmou.

É possível assistir à gravação do evento on-line “Indígena+Digital: como jovens estão revitalizando suas línguas nativas na internet” em português [20].