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Fãs e colegas prestam homenagens ao falecido autor de quadrinhos italiano Giovanni Romanini

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Giovanni Romanini dirigindo uma motocicleta. Foto: captura de tela do documentário “Magnus – Il segno del viandante” [1] da TSW Films, dirigido por Giovanni Eccher. Publicada com autorização.

O autor de histórias em quadrinhos italiano Giovanni Romanini faleceu aos 75 anos no dia 20 de março de 2020, na Bolonha, sua cidade natal, em decorrência de um aneurisma cerebral. Um funeral público será realizado logo após o término da quarentena por COVID-19 na Itália.

Seus colegas, que de maneira carinhosa o chamavam “Grão-Mestre” ou simplesmente Giò, admiravam Romanini pelo amplo alcance de seu talento como artista de histórias em quadrinhos, o que incluía desenhos à caneta, tinta, pintura e roteirização.

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Homenagem a Giovanni Romanini e Magnus que os retrata como personagens de “La Compagnia della Forca”: o menestrel e lançador Bertrando e o escudeiro Sir Crumb. Caricatura [3] criada pelo ilustrador Gianni Tacconella, publicada com autorização.

Na sua terra natal, Romanini foi aclamado como um colaborador permanente da falecida lenda dos quadrinhos Magnus [4], o pseudônimo de Roberto Raviola (1939-1996). O jornal italiano La Stampa denominou Romanini [5] como o “escudeiro de Raviola” no obituário.

Sua colaboração começou nos anos 1960 com a série “Kriminal [6]” e o livro “Satanik [7]“, ambos clássicos do gênero fumetti neri [8] (“quadrinhos negros”) —thrillers policiais em preto e branco com elementos de terror e sexo.

A parceria continuou com “Alan Ford”, uma paródia grotesca do gênero de espionagem criada pelo escritor Max Bunker e Magnus, que Romanini ajudou a ilustrar. A aclamada série comemorou o aniversário de 50 anos em 2019 [9], alcançando o status cult em toda a antiga Iugoslávia (ainda é impressa na Itália e Sérvia).

Depois da morte de Romanini, alguns veículos de comunicação nos Bálcãs publicaram [10] obituários que o descrevem [11] como o “ilustrador de ‘Alan Ford'”, o que dá a entender que ele fazia isso sozinho. Na realidade, ele era um dos vários ilustradores da série e apenas recebeu crédito como tal nas edições 114 [12], 121 e 124.

No final da década de 1970, Romanini se juntou novamente com Magnus para produzir “La Compagnia della Forca [13]“, mistura de fantasia épica e humor em um formato similar ao de “Alan Ford”.

Composta de 20 edições de 120 páginas cada, a história gira em torno de um grupo de soldados mercenários do Renascimento [14] e suas desventuras pela Europa e Sudeste Asiático, inspirada pelas impressões que os autores tiveram ao viajar a esses lugares.

“La Compagnia della Forca” é considerada uma obra-prima de Romanini e Magnus.

Na década de 1980, Romanini ilustrou “Pato Donald” [15] para Topolino, revista italiana que publicava quadrinhos da Disney. Paralelamente, Romanini trabalhou com Lucio Filippucci em uma história em quadrinhos acerca da Cicciolina [16], atriz pornô húngara, que foi parlamentar italiana em 1987.

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“La Compagnia della Forca” (“Družina od vješala”) em croata, publicado na Iugoslávia em 1986. Foto tirada por Filip Stojanovski (CC BY).

Em 1986, muitos fãs iugoslavos de Romanini tiveram a oportunidade de ter notícias sobre ele ao ler mais uma de suas obras, quando foi publicada uma tradução para o croata de “La Compagnia della Forca”. Isso porque os editores iugoslavos de HQ licenciados omitiram o nome de alguns colaboradores e mencionaram apenas as “estrelas”, como Magnus e Bunker. Esse foi o caso dos quadrinhos da Disney, que eram bastante populares na Iugoslávia naquele tempo — e, também estavam assinados como “Walt Disney”, apesar de Disney ter falecido décadas antes.

Nos sete anos antes de sua morte, em 1996, de câncer, Magnus trabalhou com Claudio Nizzi em um projeto especial de Tex Willer, o protagonista da influente série italiana de quadrinhos de faroeste “Tex [18]“.

Em “Tex: O vale do terror [19]“, o perfeccionista Magnus empenhou-se em fazer justiça pelo personagem querido e passou quatro anos depois do prazo da publicação original imerso na obra. Quando decidiu que não estava satisfeito com a qualidade de seus desenhos de cavalos é que pediu ajuda ao Romanini.

O vídeo a seguir mostra a habilidade de Romanini em desenhar e pintar Kit Carson, personagem icônico das histórias de “Tex”.

Com exceção de quatro quadrinhos de cavalos, Giò fez todos os desenhos da história e, também, ajudou com a tintagem [20]. Sua contribuição foi reconhecida nas introduções de todas as edições do livro, que foi publicado em 1996 na Itália, em 2013, na Croácia e, em 2014, na Sérvia.

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A edição croata da HQ de Nizzi e Magnus, “Tex: O vale do terror”, publicada em 2013, por Strip-Agent, apresentada diante de um espelho onde se vê a capa e a contracapa ao fundo, e um painel com desenhos de cavalos, feitos por Romanini, em primeiro plano. Foto tirada por Filip Stojanovski (CC-BY).

O trabalho de Romanini em Tex resultou em uma parceria de trabalho duradoura com a Sergio Bonelli Editore, a maior editora de histórias em quadrinhos da Itália, que no sul da Europa tem um papel similar ao da Marvel nos Estados Unidos.

Nas últimas décadas de vida, Romanini ilustrou [22] 30 edições de “Martin Mystère”, incluindo algumas memoráveis como “Gli dei del tramonto [23]” [“Deuses do pôr do sol”, em português].  Essa série de histórias em quadrinhos [24] tem bastante popularidade na Itália e em toda a antiga Iugoslávia, e foi publicada também em outros países. Além disso, tornou-se em uma franquia rentável ao produzir uma série de animação [25] e videogames.

Muitos dos colegas de Romanini se lembraram de sua vida nas redes sociais [26], frequentemente mostrando fotos de trabalhos conjuntos, o que não é compatível com o estereótipo do geek introvertido, que costuma ser associado aos criadores de quadrinhos nos Estados Unidos.

Por exemplo, o escritor de HQ e cineasta Giovanni Eccher, que dirigiu um documentário [1] sobre Magnus, em 2007, publicou [27] uma foto de Romanini dirigindo uma motocicleta a toda velocidade com a legenda “este é o Giovanni Romanini para mim”.

Na realidade, muitos artistas de histórias em quadrinhos levam vidas muito coloridas, cheias de aventuras e opostas às de seus personagens de ficção. Uma das figuras de maior destaque é a de Hugo Pratt [28] (1927-1995), que passou parte da vida na Etiópia, Argentina, e tem filhos no Brasil.

Muitos autores de histórias em quadrinhos que trabalharam com Romanini também se encaixariam perfeitamente. Os piqueniques para funcionários de Gian Luigi Bonelli [29] (1908-2001), criador de Tex Willer, incluíam passear de lancha e atirar em latas com revólveres Colt 45 [30]. Seu filho, Sergio Bonelli (1932-2011), explorou a selva amazônica, que acabou sendo o cenário de sua série “Mister No [31]“.

Romanini escreveu [32] em seu site:

Un personaggio che non fa mai errori e si comporta sempre in modo impeccabile, non è affatto interessante.

Um personagem que nunca comete erros e sempre se comporta de maneira impecável não é um personagem interessante.