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Durante a pandemia, voluntários enfrentam o problema do plástico em Bali

Categorias: Leste da Ásia, Indonésia, Meio Ambiente, Mídia Cidadã
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Captura de vídeo da organização ambiental Sungai Watch detalhando sua tecnologia de manejo do plástico, que deve diminuir a poluição dos rios de Bali. https://www.youtube.com/watch?v=9IOsm_m6xIw

Devido à pandemia, vários movimentos populares, ONGs e voluntários estão aproveitando o fechamento das fronteiras da Indonésia para lutar contra a contaminação de plástico em Bali, que já é antigo. Eles estão limpando rios e florestas que foram poluídos com o lixo gerado pelo turismo.

Ainda que o problema do lixo em Bali esteja razoavelmente bem-documentado [2], sua raiz está nas décadas de turismo não sustentável, bem como em uma infraestrutura pouco desenvolvida do manejo de resíduos e no aumento na poluição marinha global.

O turismo e o lixo

O turismo é um dos maiores geradores de economia no arquipélago e cresceu em uma velocidade frenética nos últimos anos. Entre 2010 e 2019, o número de turistas por ano em Bali mais que dobrou, passando de 2,57 milhões [3] para 6,3 milhões [4]. Porém, enquanto os setores de turismo e hotelaria disparavam, a infraestrutura da ilha se estagnava, especialmente nas áreas de manejo de resíduos, transporte e tratamento de água, o que a deixou despreparada para receber esse fluxo gigante de visitantes.

Gus Angung, presidente do conselho de turismo de Bali, falou em mais detalhes sobre o assunto em uma entrevista dada à ABC News In Depth [5].

The infrastructure is the problem here in Bali. Traffic and rubbish. The number one problem in Bali. Bali has already had tourism [for] more than 100 years. All of the money comes in, but 70 percent of the money goes out of Bali because the business is not operated by [the] Balinese people. The way of thinking has to change.

A infraestrutura é o problema aqui em Bali. O trânsito e o lixo são os principais problemas. Temos turismo em Bali há mais de 100 anos. O dinheiro entra, mas 70% do dinheiro sai, porque os negócios não são operados pelos balineses. A maneira de pensar tem que mudar.

Em uma média per capita, um turista usa 3,5 vezes [6] mais plástico por dia que um morador local.

O problema do plástico na Indonésia

Como Bali, assim como quase toda a Indonésia, não tem um sistema centralizado de gestão de resíduos, a maior parte do lixo vai parar nos rios da ilha, chegando, por fim, ao oceano. Porém, durante a estação chuvosa no país, as tempestades no mar levam o lixo de volta para a costa, infestando as praias e criando um ciclo interminável de poluição.

Neste ano, Bali teve uma estação chuvosa bem complicada e as praias ficaram cobertas de lixo. Durante uma limpeza na praia, em 4 de janeiro, uma moradora fez uma encenação em protesto e se vestiu de sereia, posando nos montes de lixo que estavam no local.

Sereia em um mar de… lixo? VEJA: Pessoa vestida de sereia deitada na Kuta Beach coberta de lixo, em Bali, Indonésia, na segunda-feira, 4 de janeiro.

Em apenas uma dessas limpezas, não é incomum que sejam recolhidas entre 30 e 60 toneladas de lixo. Denise Hardesty, pesquisadora da CSIRO, agência científica australiana, especializada na poluição global de plástico, disse ao jornal The Guardian [9] que há uma “quantidade extraordinária” de plástico sendo trazida para a costa e que a situação só vai piorar.

It’s not new and it’s not surprising and it happens every year, and it’s been growing over the last decade. The rubbish had likely not traveled far and there would be many other beaches on the Indonesian archipelago suffering a similar fate.

Não é nada novo nem surpreendente, e acontece todo ano, e isso vem crescendo na última década. Esse lixo provavelmente não veio de muito longe e há muitas outras praias no arquipélago da Indonésia sofrendo do mesmo mal.

A Indonésia produz cerca de 6,8 milhões de toneladas [10] de plástico por ano, e 90% acaba indo para as ruas, aterros sanitários ou para o oceano; sem contar as toneladas que são importadas [11]anualmente da Austrália e dos países ocidentais.

O governo balinês espera controlar esse número e reduzir a produção de plástico em 70% até 2025. Para isso, algumas medidas [12] foram adotadas para lidar com o problema do lixo, mas poucas tiveram sucesso.

Por exemplo, em dezembro de 2018, o governador de Bali anunciou [13] que a província proibiria o uso de sacolas plásticas descartáveis, mas isso foi completamente ignorado [14].

A pandemia do coronavírus agravou ainda mais o problema, já que as pessoas contam com equipamentos de proteção descartáveis e, também, utensílios plásticos para entregas de restaurantes. Alguns pesquisadores estimam [15] que, globalmente, a pandemia resultou em 1,6 milhão de toneladas a mais de plástico por dia.

Os movimentos populares

Apesar das dificuldades do governo em combater o problema do lixo na ilha, os cidadãos e as comunidades estão dando grandes passos para tentar conter a onda de poluição.

Como na maioria dos países, as fronteiras da Indonésia foram fechadas para os turistas estrangeiros em março de 2020. Em Bali, onde de 70% a 80% [16] da economia é movimentada pelo turismo, o impacto foi devastador.

Mas, mesmo antes da pandemia, já se dizia [17] que os recursos naturais, a reputação e o setor de turismo de Bali estavam ameaçados pela poluição.

Ontem, fui à Kuta, a famosa praia de surfe em Bali: estou chocada com o lixo na praia, e bastante plástico, inclusive. Grande parte vem de Bali: o lixo vai para o mar com as tempestades e depois volta! Que dó! – Fotos que eu tirei dos montes de lixo nas praias de Bali, incluindo a famosa praia de surfe, Kuta.

Alguns cidadãos estão aproveitando esta pausa no turismo para tentar “reiniciar Bali”, organizando movimentos ambientais populares concentrados em limpar praias, rios e florestas da ilha. Gary Bencheghib, líder comunitário criado na Indonésia, comentou sobre o seu trabalho na entrevista para a ABC News In Depth [5].

There was a sense of, we want to go somewhere, we want to do something. And so that's really where we started our weekly clean-ups around the same time. Progressively, you know, we went from, like, 20, 30 an hour, all the way up to 150, 200 people. Because of COVID, people have more time. There is this community out there that wants to clean and press the reset button on Bali before we open up to international tourism.

O que tínhamos em mente era: se quisermos chegar a algum lugar, temos que agir. E foi assim que começamos as nossas limpezas semanais. Aos poucos, fomos de 20, 30 pessoas por hora, para 150, 200 pessoas. Por causa da COVID, as pessoas têm mais tempo. A comunidade quer limpar e apertar o botão de reinício em Bali, antes de reabrirmos para o turismo internacional.

Há centenas de organizações contra o uso de plástico em Bali sendo, a maioria, pequenas iniciativas locais promovidas por estudantes ou moradores que esperam fazer a diferença. Muitos desses grupos, incluindo o Bye Bye Plastic Bags, fundado por duas adolescentes em 2013, organizam limpezas diárias [32] nas praias para tentar conter a onda de plástico e conscientizar a população sobre o problema.

O grupo comunitário de Bencheghib, Sungai Watch [33], está trabalhando desde o início da pandemia para limpar os manguezais e os rios repletos de biodiversidade em Bali. O grupo implementou uma tecnologia de boias em muitos rios da ilha para limitar o fluxo de lixo e já coletou 450 mil quilos de resíduos desde setembro de 2020.

Ainda assim, a organização reconhece que, sem maiores mudanças estruturais, a limpeza dos rios por si só não vai resolver os problemas de Bali. É por isso que o grupo está identificando e categorizando tudo que coletam. Ao reunir informações sobre o lixo gerado, espera-se que os consumidores e as empresas se responsabilizem.

What we’re trying to leverage is the brands that are responsible for the plastic packaging. Sungai watch in many ways is more of a data river cleanup organization. So really giving that transparency as to what we’re finding in the rivers online for everybody to see, so they can engage.

Quem estamos tentando atingir são as marcas responsáveis pelas embalagens plásticas. O Sungai Watch, de certa forma, é uma organização de dados sobre a limpeza dos rios, dando visibilidade on-line ao que estamos encontrando nos rios, para que todos vejam e possam se envolver.

O grupo postou, no Twitter, um vídeo sobre a sua tecnologia de boias.

70% ainda por limpar

Hardesty, da CSIRO, propôs uma outra solução para o problema dos resíduos em Bali: a inteligência artificial. [36] A agência está desenvolvendo uma tecnologia que vai usar a IA para monitorar os níveis de lixo nos rios, que está sendo testada em Londres e em Daca.

Enquanto isso, a Indonésia continua a lidar com o surto de COVID-19 [37], e fica claro que Bali, e o país como um todo, precisa reavaliar sua dependência do turismo e encontrar um equilíbrio entre receber os turistas e as oportunidades econômicas e preservar seus valiosos recursos naturais pelos quais é conhecida.