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Será que uma animação premiada sobre uma tcheca em Kabul mudará a percepção dos tchecos sobre o Afeganistão?

Categorias: Europa Oriental e Central, Afeganistão, República Tcheca, Arte e Cultura, Etnia e Raça, Filme, Humor, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Refugiados, Relações Internacionais

Captura de tela do trailer de vídeo do YouTube [1] de “My sunny Maad”

Um filme de animação tcheco ganhou um importante prêmio pela retratação de uma história pouco comum, inspirada em eventos da vida real de uma mulher tcheca e um homem afegão. Mas será que este filme é capaz mudar a percepção sobre o Afeganistão? Na política tcheca, essa percepção limita-se, principalmente, a uma fonte de terrorismo e refugiados, agora que os últimos soldados tchecos acabam de sair de Kabul.

No dia 19 de junho, o longa-metragem animado tcheco “My Sunny Maad [1]” (em tcheco, o título é “Moje slunce Mad”, que significa literalmente “Meu filho Mad”), ganhou o primeiro prêmio do júri no Festival de Animação de Annecy [2], um dos festivais de cinema mais prestigiados dessa categoria de filmes, realizado todos os anos na França.

A animação, que mescla diálogos e narração em tcheco e dari, é uma adaptação do livro “Frišta [3]”, escrito por uma das principais jornalistas tchecas, Petra Procházokova [4]. O livro conta a história de amor entre uma estudante russa e um estudante afegão, que se conheceram em Moscou. A própria Procházokova que é casada com um afegão, tem relatado extensivamente sobre o Afeganistão. Em grande parte, seu romance “Frišta” foi inspirado na cultura afegã e em sua própria experiência de viver no Afeganistão.

O filme, coproduzido por Michaela Pavlátová [5], em parceria com eslovenos e franceses, descreve a vida de uma jovem tcheca chamada Helena que se apaixona pelo estudante afegão Nazir, em Praga, casa-se com ele e vai viver em Kabul. A animação é repleta de cenas bem-humoradas e retrata situações transculturais com cores vibrantes, como pode ser visto no trailer:

Mas a pergunta é: o prêmio, o primeiro conquistado por um filme tcheco, melhorará a opinião da maioria dos tchecos sobre o Afeganistão? Quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, em 1979, a então socialista Tchecoslováquia apoiou oficialmente a política de Moscou e acolheu a primeira onda de estudantes afegãos [6]. O Afeganistão foi retratado pela mídia como um país irmão em seu caminho para o socialismo.

Em 2020, quando soldados tchecos se uniram às operações militares da OTAN, foi escrito um novo capítulo nas relações entre Tchecoslováquia e Afeganistão. Desde então, cerca de 12.000 soldados tchecos [7] serviram no Afeganistão, mas como em outras missões, abandonaram o país no final de junho, depois de 19 anos na região. Várias famílias afegãs [8] também migrariam para a República Tcheca, pois estariam correndo perigo de vida se permanecessem no Afeganistão, já que alguns de seus membros trabalhavam para o contingente tcheco das forças da OTAN.

Durante este período, o Afeganistão foi representado como uma fonte de terrorismo e extremismo religioso. Esta imagem negativa foi reforçada pelas declarações do atual presidente, Miloš Zeman, cujo governo se negou inúmeras vezes a acolher refugiados [9] de países muçulmanos, o que viola as obrigações da União Europeia [10]. O próprio Zeman intensificou as declarações antimuçulmanas e contra imigrantes ao longo dos anos. Em 2016, por exemplo, ele afirmou  [11]que “os muçulmanos não querem trabalhar, eles preferem pedir benefícios sociais”.

No início de 2015, ele também declarou [12]:

Obávám se, aby žili ze sociálních dávek, a nikoliv aby pracovali – tak tu zemi vracíte zpátky do propasti chudoby. Dá se pravdivě říci, že uprchlíci škodí své vlastní zemi.

Minha preocupação é que (os refugiados) vivam apenas dos benefícios sociais e não do trabalho. Isso empurra seu próprio país para a pobreza. Na verdade, os migrantes prejudicam seu próprio país.

Ironicamente, em 1999, Zeman aceitou mais de 4.000 refugiados muçulmanos [13] de Kosovo, quando ocupava o cargo de primeiro-ministro.

Uma pesquisa realizada em 2019 [14] indica que para os tchecos, as principais ameaças são o “islã e os refugiados”. Enquanto o país se prepara para as eleições legislativas [15] que acontecerão nos dias 8 e 9 de outubro, vários partidos usam a retórica antimuçulmana para conquistar os votos dos conservadores.

Como os cinemas estão praticamente vazios por conta da pandemia da COVID-19 e não há muitos filmes em cartaz, tudo indica ser pouco provável que o público tcheco assista ao longa “My sunny Maad” e, assim, são remotas as chances de que algumas pessoas possam mudar de opinião sobre a cultura afegã.