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Listas de prisioneiros revivem memórias em ex-repúblicas iugoslavas

Categorias: Europa Oriental e Central, Bosnia Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslovênia, Geórgia, Hungria, Kosovo, Macedônia, Rússia, Sérvia, Direitos Humanos, História, Mídia Cidadã

A recente publicação das listas de prisioneiros de Goli Otok, vítimas de expurgos comunistas de 1949 a 1956, reiniciou debates inativos e abriu velhas feridas ao longo das seis antigas repúblicas iugoslavas.

Goli Otok [1] é uma ilha croata que foi usada como campo de prisioneiros no chamada “Período Informbiro [2]” — a ruptura que se deu depois da Segunda Guerra Mundial entre a liderança comunista da Iugoslávia e da União Soviética. Para muitos iugoslavos, “o histórico ‘Não!” de Tito a Stalin [3]” foi fonte de orgulho, especialmente porque consolidou a função do país como intermediário entre o bloco capitalista [4] e o bloco do Leste [5]. Os expurgos que eram parte do confronto incluíam oficialmente perseguição aos chamados “comunistas pró-soviéticos”. Segundo as vítimas e dissidentes da época, muitas vezes isso era apenas uma desculpa para aqueles que estavam no poder se livrarem de quem não gostavam por qualquer motivo, por isso pessoas de muitas outras afiliações políticas foram enviadas a este campo infame.

Prison area of Goli Otok. Photo by Wikipedia (CC BY-SA).

Zona abandonada da prisão de Goli Otok. Foto [6] da Wikipédia (CC BY-SA).

Durante os dois últimos meses de 2013, o portal croata Novi Plamen (Nova Chama) publicou duas listas coletadas pelo UDBA [7] (Departamento de Segurança do Estado) do Arquivo do Estado da Croácia — a lista das 413 pessoas [8] que morreram nos campos e a lista de todos os 16.101 prisioneiros [9] que cumpriram sentenças lá. O segundo link foi difundido amplamente por meio das redes sociais e depois por meio de portais de notícias em todas as seis antigas repúblicas iugoslavas.

Scan of the second page of Goli Otok prisoner list, displaying names, birthdates and codes for municipality, ethnicity, type of crime, dates of start and end of emprisonment... Published by Novi Plamen.

Imagem da segunda página da lista de prisioneiros de Goli Otok, que mostra nomes, datas de nascimento, códigos de distrito, etnia, tipo de delito, data de início e fim da prisão.. Publicado por Novi Plamen.

O escritor esloveno de direita Pavel expressou [10] que a publicação das listas coincidiu com 9 de dezembro de 2013, data da morte de Jovo Kapičić [11], o homem que teria sido o responsável por Goli Otok. Em uma entrevista de agosto de 2013, o sérvio Kapičić argumentou [12] que os sérvios inventaram a maioria dos prisioneiros no campo.

O usuário do Twitter @flusteredcooler, de Montenegro, comentou [13] sobre o tema também e, embora as pessoas de todas as ex-repúblicas iugoslavas muitas vezes argumentem que seus cidadãos inventaram a maioria dos que foram sentenciados à condenação em Goli Otok, ele escreveu:

Diz a lenda que a maior parte da população de Goli Otok consistia em montenegrinos? As listas mostram que era uma versão resumida da Iugoslávia [todos estavam representados].

Buv (“Coruja”), um notável blogueiro macedônio, entre os mais antigos da blogosfera local e veterano da resistência antifascista da Segunda Guerra Mundial, publicou um anúncio [16] da associação de ex-prisioneiros de Goli Otok, pedindo cautela em relação às listas e oferecendo consultas diretas para todas as partes interessadas:

Темата за “голооточаните“.“информбировците“затвореници што ја издржувале казната во логорот Голи Оток е дел од пошироката историска тема за конфликтот меѓу СССР и СФРЈ.Не може да се зборува за казнениците на Голи Оток,без да се разгледуваат во комлесот на историските збиднувања.

Независно од тоа колку биле свесни/идејно свесни/за својот однос кон конкретните настани,учесниците во збиднувањата,што подоцна се нашле на Голи Оток,се учесници во еден политички судир кој има исклучително историско значење,за нив,за нивната земја,за пошироките светски движења.

Ова отклонување го направивме за да обрниме внимание на оние лесно искажани карактеристики што се даваат по повод на објавените списоци за голооточаните/информбировците/ и во други прилики.Без да се има во вид поширокиот контекст на случувањата,може паушално да се кажува се и сешто.Важноста на историската проблематика бара сериозен пристап.

Здружението Голи Оток,меѓу другото,ја има и таа задача да ја објасни,документира,да ја покаже историската вистина за настаните во кои независно од нивната волја се нашле и овие страдалници,што така строго ги казнила историјата.

O assunto dos “habitantes de Goli Otok”, os “prisioneiros de Informbiro”, é parte de uma questão histórica maior sobre o conflito entre a [URSS [17]] e a [RSFY [18]]. Não se pode falar dos prisioneiros de Goli Otok sem ter em conta as complexidades dos acontecimentos históricos.

Independente de quanto sabiam ou estavam envolvidos ideologicamente nestes fatos concretos, os participantes que foram detidos em Goli Otok se viram engolidos por um confronto político de excepcional importância histórica, para eles pessoalmente, para seu país e para o movimento mundial.

Publicamos esta nota para chamar a atenção sobre as reações que foram publicadas com grande facilidade depois de ser divulgada as listas de prisioneiros, assim como em outras ocasiões. Sem ter em consideração um contexto mais amplo dos fatos, qualquer um pode dizer qualquer coisa sem argumentos. A importância destes assuntos históricos requer uma abordagem muito séria.

A Associação Goli Otok tem a missão de explicar, documentar e revelar a verdade histórica acerca dos acontecimentos que sem querer incluiu estas vítimas, que foram castigadas tão severamente pela história.

As atividades do Informbiro deixaram um profundo trauma na memória coletiva da antiga Iugoslávia, e algumas de suas partes foram expressadas artisticamente por meio de filmes cults populares como Quando papai saiu em viagem de negócios [19] (1985) do então jovem diretor sérvio-bósnio Emir Kusturica, e Feliz Ano Novo '49 [20] (1986) do diretor macedônio Stole Popov.