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Indígenas denunciam extrações de gigante petrolífera chinesa na Amazônia peruana

Categorias: América Latina, China, Peru, Economia e Negócios, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Civic Media Observatory

Floresta Amazônica, foto de Pixabay [1]

No Peru, grupos indígenas e ONGs (Organizações não Governamentais) locais estão utilizando estratégias inovadoras de defesa para garantir que o investimento chinês em suas comunidades os incluam no processo de tomada de decisões, e que o desenvolvimento não prejudique o meio ambiente.

O bloco 58, é um depósito de petróleo e gás natural localizado ao sul do Peru, na província de Cusco, com quase 4 trilhões [2] de pés cúbicos de reserva de gás, e tem sido um importante polo de investimento nas últimas décadas, especialmente para a empresa chinesa de petróleo e gás  Corporação Nacional de Petróleo da China [3] (CNPC). O Bloco 58 também está sobreposto às reservas naturais protegidas da Floresta Amazônica, bem como aos territórios de várias comunidades indígenas como as Tangoshiari, Kirigueti e Kochiri.

Essas comunidades indígenas e as ONGs locais exigem que as empresas extrativistas operem com maior transparência, respeitem o meio ambiente e os seus direitos como povos indígenas.

Denisse Linares, defensora dos direitos das comunidades indígenas por meio da ONG Direito, Ambiente e Recursos Naturais (DAR, na sigla em espanhol), afirma que os projetos do Bloco 58 estão sendo modificados sem o conhecimento dos cidadãos.

Para enfrentar a situação, uma coligação de organizações não governamentais e indígenas se reuniu [4] para pressionar o governo peruano a proteger melhor os direitos de consulta dos indígenas [5] e responsabilizar as empresas.

“A consulta prévia é fundamental porque informa as comunidades sobre a situação e o possível impacto dos projetos em suas vidas,” disse Linares à Global Voices pelo WhatsApp. De acordo com relatórios [6], apesar da riqueza de recursos naturais e de investimentos estrangeiros na região, os grupos indígenas não foram beneficiados com uma melhoria de seus direitos ou padrão de vida, sendo que entre 23 a 26% da população local vive na pobreza atualmente.

Floresta Amazônia no Peru, próximo ao Bloco 58. Foto de DAR, usada sob permissão.

A protagonista no Bloco 58 é a maior empresa chinesa de petróleo e gás, a Corporação Nacional de Petróleo da China [3] (CNPC). A gigante petrolífera, que afirma [7] ser a terceira maior do mundo, recebeu a concessão do governo peruano para realizar a exploração e extração do Bloco 58 em 2017. Supostamente, a empresa investirá [8] US$ 4,4 bilhões até 2023.

Nos últimos três anos, segundo o site [9] Natural Gas Intelligence, a China começou a adquirir ativos estratégicos de energia na América Latina como parte da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR). Entre 2017 e 2019, 56% dos investimentos da ICR  foram em petróleo e gás, e 39% em energias renováveis. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa  [10]do mundo.

A promessa da China de alcançar o pico de suas emissões antes de 2030 [11] aumentou sua sede por gás natural, que emite cerca de 50% menos [12] gases de efeito estufa que o carvão quando utilizado para produzir energia. Contudo, essa demanda está comprometendo a quantidade dos recursos naturais não renováveis disponíveis na Amazônia.

À esquerda: matas secas (3,2%), florestas andinas (0,2%), e Florestas Tropicais da Amazônia (53,9%). O Bloco 58 está localizado na Floresta Amazônica. Mapa do Ministério do Meio Ambiente do Peru.

A Floresta Amazônica, que cobre parte do Brasil, Peru e Colômbia, representa metade das florestas tropicais que ainda existem no planeta, com uma reconhecida riqueza em biodiversidade. Como a floresta está assentada sobre grandes reservas de petróleo e gás, tem sido afetada [13] pela extração de gás sem precedentes na região e pela construção intensa de estradas – uma das principais causas de desmatamento na Amazônia. A preservação da Floresta Amazônica também é fundamental para reduzir as mudanças climáticas.

Estudos também mostraram [14] que os povos indígenas desempenham um papel crucial na preservação do meio ambiente. Porém, a exploração de hidrocarbonetos no Peru tem afetado suas vidas durante décadas, desde que a Shell descobriu as primeiras reservas na região de Ucayali na década de 1980, segundo a ONG DAR. Atualmente, os indígenas enfrentam um desafio semelhante com a CNPC.

Segundo um relatório [15] da Amazon Frontlines, uma ONG que promove a preservação do meio ambiente amazônico, os povos indígenas da Amazônia adquiriram amplo conhecimento sobre a floresta ao longo de milhares de anos de observação, incluindo a forma como regenerar o ecossistema nativo.

Fotos de ativistas da DAR mostrando mapas do Bloco 58, usada sob permissão.

Acadêmicos internacionais também têm contribuído. Em um estudo recente de 2021, o Dr. Kerry Ratigan [16] escreveu que os prejudicados nesses projetos “costumam ser as comunidades rurais indígenas pobres, que sofrem as consequências ambientais com pouco benefício econômico, mas o governo peruano continua a favorecer a extração de recursos.”

Além disso, em 2018, grupos locais levaram [17] o caso do Bloco 58 ao Conselho das Nações Unidas devido à supostas violações dos direitos de consulta pela CNPC. 

Um ano depois, por recomendação das Nações Unidas, a China  adotou [18] algumas das exigências dos grupos. Ela concordou, por exemplo, em promover projetos que fossem compatíveis com os direitos humanos e ambientais. A China também aceitou considerar, [18]entre outras medidas, o estabelecimento de um novo marco legal para garantir que as atividades desenvolvidas por suas indústrias não prejudiquem os direitos humanos no exterior.

Entrada para o distrito de Urubamba, onde o Lote 58 está localizado. Foto de DAR, usada sob permissão.

No entanto, os indígenas relatam que ainda não foram consultados apesar de o projeto já estar em andamento.

Em outubro de 2020, os grupos de direitos indígenas escreveram uma carta ao embaixador chinês no Peru solicitando que ambos os governos incluíssem um capítulo sobre o meio ambiente no Acordo de Livre Comércio Peru-China [19], “reconhecendo que a complexa realidade ambiental e social do Peru requer o fortalecimento do marco para promover o desenvolvimento sustentável e a gestão de investimentos”.

Como há muita coisa em jogo, o governo chinês ofereceu às ONGs peruanas a oportunidade de conversar com [20] instituições chinesas financiadas pelo Estado e com ONGs organizadas pelo governo como Green Camel Bell, China Civil Climate Action Network, Chongqing Renewable Energy Society, Chongqing International Culture Exchange Center e Zhang Jingjing da China Accountability Project. A ONG peruana DAR participou de conversas on-line com essas organizações chinesas em 2020, para ajudar a China a entender melhor o contexto político e econômico do Peru e suas regulamentações ambientais e sociais.

Infelizmente, essas conversas não se traduziram em melhorias reais com relação ao entendimento e à satisfação das exigências das comunidades envolvidas.

Apesar das promessas das autoridades chinesas e peruanas, ainda não está claro se esses megaprojetos realmente irão atenuar os danos ao meio ambiente, proporcionar a melhoria de vida dos indígenas e permitir que eles desfrutem de alguns dos resultados dos enormes investimentos em uma região empobrecida.

Essa matéria é parte de uma pesquisa do Observatório de Mídia Cívica [21] sobre as narrativas envolvendo a Iniciativa Cinturão e Rota da China, e analisa como as sociedades e comunidades têm percepções diferentes em relação aos potenciais benefícios e danos do desenvolvimento liderado pelos chineses. Para saber mais sobre este projeto e seus métodos, clique aqui [22].