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O que mantém pessoas com deficiência em casa no Azerbaijão? A resposta não é a COVID-19

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Azerbaijão, Desenvolvimento, Educação, Governança, Mídia Cidadã, Saúde, The Bridge

Imagem de man pikin [1], licenciada sob CC BY 2.0 [2]

Eu estava fazendo um grupo de foco em 2020 com um grupo de atletas paraolímpicos no Azerbaijão quando um deles me deu uma estatística reveladora: apenas 3%, ou 20.000 das pessoas com deficiência no país têm vida social. Eu sabia que o número seria baixo, mas a quantidade real foi chocante para mim. No Azerbaijão [3], as pessoas com deficiência [4] representam 6% da população total [5]. Semanas depois, conversei com uma mulher que estava em uma cadeira de rodas, que me disse ter passado os últimos 40 anos de sua vida dentro de casa. Ela nunca saiu, a menos que houvesse uma razão urgente para fazê-lo.

Em uma típica noite no centro de Baku, capital do Azerbaijão, é improvável que você veja alguém com deficiência além de mendigos (e isso presumindo que eles realmente tenham uma deficiência [6]). Fiquei me perguntando por que isso? Por que as pessoas com deficiência nunca saem, ou se saíam, por que tão raramente? Acabei percebendo que o problema estava profundamente enraizado em nossas percepções, cultura, legislação e infraestrutura.

Vamos começar pelo transporte público. No Azerbaijão, o sistema de ônibus é amplamente incapaz de acomodar pessoas com deficiência, com exceção de talvez uma dúzia de rotas, mas estas são limitadas ao centro de Baku. Se você mora nos subúrbios, as partes da cidade onde essas linhas simplesmente não funcionam, ou se você nem mesmo mora em Baku, as únicas opções reais são caminhar, dirigir ou pegar um táxi.

O metrô é uma opção, mas a forma como funciona para os deficientes é absurda e ineficiente. Com a esperança de aumentar o uso do metrô pela comunidade com deficiência, o Baku Metropolitan lançou um programa [7] em 2019 que alocou não um, mas dois funcionários do metrô para acompanhar o viajante em seu destino. Para utilizar o serviço, primeiramente, deve-se fazer uma ligação telefônica para o metrô, com pelo menos uma hora de antecedência da viagem, informando o roteiro pretendido. Depois de concluída a reserva por telefone, o passageiro é recebido no metrô e ajudado a chegar ao destino desejado. Essa solução superficial para um problema profundo é um indicativo de como é difícil realizar uma mudança real. No momento, apenas duas estações de metrô oferecem elevadores de acordo com [8] o metrô de Baku, e ambas em estações construídas recentemente.

Movimentar-se pela cidade em cadeira de rodas também não é viável, pois as calçadas, as passagens do metrô, as paradas de trânsito, para citar alguns aspectos da infraestrutura, não são construídas para pessoas com deficiência. Soma-se a isso a textura inadequada das calçadas, o que dificulta a navegação se você estiver em uma cadeira de rodas.

Falta de oportunidades de emprego

Depois, há a opção de serviços de táxi, mas pegar táxis regularmente ou frequentemente é caro. Para isso, é preciso ter um trabalho que pague bem, o que me leva a outra questão: as oportunidades de emprego para pessoas com deficiência. Nenhum empregador deseja contratar pessoas com deficiência devido às dúvidas sobre habilidades e educação. A responsabilidade por essa abordagem desigual está intimamente ligada às políticas governamentais. Embora os empregadores sejam legalmente obrigados [9] a contratar uma determinada percentagem de trabalhadores com necessidades especiais, de acordo com a dimensão das suas empresas, eles não costumam contratar pessoas com deficiência. No mínimo, podem se safar pagando uma pequena multa.

No Azerbaijão, o governo não oferece oportunidades de educação inclusiva. Não só as escolas são fisicamente inacessíveis aos alunos com necessidades especiais, mas também o currículo escolar. Esses obstáculos deixam um número significativo de pessoas com deficiência sem educação, a menos que às suas próprias custas, o que não deveria ser o caso, pois a educação é seu direito humano fundamental. Como as pessoas com deficiência não têm educação adequada, não só não conseguem empregos, como também não podem se defender, se isso for necessário. Elas são forçadas a depender de outras pessoas – geralmente de suas famílias – porque as autoridades não fornecem seus direitos e serviços básicos.

Isso me leva à minha próxima pergunta. Por que o governo não está interessado em fornecer soluções duradouras, sustentáveis e impactantes para os problemas que as pessoas com deficiência enfrentam no Azerbaijão? Este não é um problema político e não tem consequências políticas em um sistema [10] profundamente enraizado no clientelismo e nepotismo. O governo fez parceria com instituições internacionais para implementar vários [11] programas [12] ao longo dos anos. Mais recentemente, o PNUD realizou [13] uma mesa redonda virtual com representantes do Ministério do Trabalho e Proteção Social, UNFPA Azerbaijão, e cerca de 20 representantes de empresas para discutir as melhores práticas na contratação de pessoas com deficiência e na criação de mais oportunidades para elas. O Azerbaijão também faz parte da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência desde 2009, mas quando se trata de prática e implementação, há pouco a mostrar.

Isso me dá motivos para pensar que o problema é cultural e tem a ver com a mentalidade nacional. A discriminação está profundamente enraizada no Azerbaijão e há uma enorme falta de educação sobre deficiência para o público em geral. O pensamento predominante não é empático, e as pessoas com deficiência muitas vezes são apenas dignas de pena. Um ditado no Azerbaijão demonstra isso: “Se você tem um bom vizinho, sua filha aleijada se casará” (“Qonşu qonşu olsa, topal qız ərə gedər“).

Há uma obrigação islâmica de fazer doações (“nazir“) para os menos afortunados e, no Azerbaijão, isso geralmente é feito em forma de dinheiro para pessoas com deficiência, como se fossem mendigos, independentemente de pedirem ajuda. Se alguém quiser fazer uma promessa, eles se comprometerão a doar para pessoas com deficiência. Além disso, ver as pessoas com deficiência lembra aos não deficientes que eles devem ser gratos a Allah por não terem deficiência.

Uma solução sistêmica seria educar as pessoas em escolas e universidades sobre a importância da inclusão de pessoas com deficiência. Isso ajudaria muito a resolver esse problema cultural em questão de algumas gerações, embora sejam necessárias reformas em todos os níveis, estado, sociedade e, claro, por meio da educação e da cultura.

Lembro-me de uma conversa que tive com um amigo, durante a qual estava contando a ele sobre um novo projeto de tecnologia cívica em que estava trabalhando que tornaria Baku mais acessível. Ele me disse algo que ainda me lembro. Ele disse: “Para tornar Baku uma cidade amiga dos deficientes, você precisa desmontar cada rua, cada prédio, cada esquina e reconstruir novamente para que seja acessível e inclusivo.” Eu acho que ele estava certo. Parece não haver outra maneira.