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Jornalismo de guerra em luto por repórteres espanhóis executados em Burkina Faso

Categorias: Burquina Fasso, Espanha, Guerra & Conflito, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo

 

David Beriain. Foto de TEDx UniversidaddeNavarra [1] através do Flickr (CC BY 2.0 [2])

O jornalismo de guerra espanhol continua enlutado. O assassinato dos repórteres de guerra David Beriain e Roberto Fraile em Burkina Faso [3] ainda provoca grande comoção. Recentemente, eles foram homenageados por seus companheiros e pelo Clube Internacional de Imprensa [4], o qual lhes concedeu o Prêmio de Jornalismo Internacional pelo trabalho como correspondentes internacionais. Ambos foram executados no dia 27 de abril, quando faziam uma reportagem sobre a caça ilegal.

David Beriain cobriu conflitos bélicos [5] importantes no Sudão, Afeganistão e Iraque. Ele também realizou inúmeras reportagens sobre a corrupção na Argentina e o narcotráfico e a guerrilha na Colômbia. Fraile, por sua vez, destacou-se pelo seu trabalho como cinegrafista em Alepo [6], na Síria, onde foi gravemente ferido enquanto filmava as tropas insurgentes. Fraile ainda cobriu vários conflitos armados na Líbia, no Iraque e em Kosovo [7].

Os repórteres foram sequestrados no leste do país, região onde as tensões e a insegurança aumentaram consideravelmente em virtude de atos violentos dos grupos jihadistas. Os conflitos se intensificaram desde que Roch Marc Christian Kaboré [8] subiu ao poder, com um golpe de Estado em 2015. Os ataques não atingem apenas a população civil, eles ocorrem, também, entre os próprios grupos terroristas. Dentre eles estão a Al-Qaeda, o Estado Islâmico, o Grupo de Apoio ao Islã e Muçulmanos (JNIM), o Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS) e o grupo terrorista étnico Ansarul Islam.

Para agravar a situação, a população enfrenta situação de extrema pobreza, sendo que 80% vive da agricultura de subsistência e é alvo de ataques [9] desses grupos terroristas.

Por sua vez, os jornalistas africanos sentem-se ameaçados em virtude da crescente onda de violência e enfrentam restrições para transitar livremente e realizar seu trabalho jornalístico [10]. Além do mais, muitos deles são presos e acusados de difamação ao denunciarem a terrível situação de Burkina Faso.

O assassinato dos dois jornalistas foi atribuído ao Grupo de Apoio ao Islã e Mulçumanos [11] (JNIM), conforme informou Margarita Robles, ministra de Defesa da Espanha. No momento do atentado, David e Roberto estavam com membros da União Europeia, a ONG Chengeta Wildlife e uma patrulha “mista” composta por tropas de Burkina Faso. Segundo o relato sobre os acontecimentos [12], o grupo foi cercado e recebido a tiros ao passar por um acampamento da Al-Qaeda. Em seguida, os sobreviventes ao ataque foram executados. Beriain e Fraile estavam entre eles. Foram assassinados simplesmente por terem se deparado com a Al-Qaeda.

O primeiro a ser morto foi Roberto. David e Rory Young [13], ecologista irlandês e fundador da ONG, que se recusaram a abandonar [14] o companheiro, foram mortos em seguida. De acordo com a investigação, Beriain [15] conseguiu sobreviver ao ataque, mas se negou a abandonar seu colega Fraile, que ficou gravemente ferido e não conseguia se locomover.

No dia 30 de abril, os corpos dos jornalistas foram transportados em avião militar até Madri [16].

Está cada vez mais difícil exercer o jornalismo em diversas regiões da África. Como afirma a organização não governamental Repórteres sem Fronteiras [17], apesar do fim dos regimes totalitários nos últimos anos, a descriminalização do jornalismo e a garantia de segurança àqueles que exercem esta profissão ainda são um objetivo a ser alcançado. Prova disso é o assassinato de mais de 100 jornalistas em continente africano na última década.

Apesar do que aconteceu em Burkina Faso, este país ocupa o 37º lugar no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa [18] de 2021, realizado pela Repórteres sem Fronteiras. Os assassinatos de Beriain e Fraile foram os únicos que aconteceram este ano no país africano. Por outro lado, a Síria está na posição 173, a Palestina na 132 e a Líbia na 165 deste mesmo ranking.

No mundo inteiro [19], foram mortos nove jornalistas e quatro colaboradores cidadãos até agora  neste ano. Além disso, 234 jornalistas, 102 jornalistas cidadãos e 13 colaboradores estão presos.

Medo, tortura, sequestro e morte são algumas das consequências desta profissão, como relata o repórter de guerra, cineasta e escritor Hernán Zin [20] em seu documentário A Vida pela Notícia. São consequências assumidas por aqueles que exercem o jornalismo e o fotojornalismo de guerra, e que são movidos pelo compromisso de mostrar a verdade e lutar em prol de um mundo melhor [21].

No documentário, Beriain enalteceu o amor que recebeu de seus familiares e amigos assim como o privilégio de ter exercido esta profissão, em suas próprias palavras, “livremente” [22]. Ele parecia pressentir que a morte fatídica estava prestes a acontecer.