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A longa história dos poetas revolucionários de Myanmar

Categorias: Leste da Ásia, Mianmar (Birmânia), Arte e Cultura, Censorship, Direitos Humanos, Governança, Guerra & Conflito, História, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política, Protesto, The Bridge, Myanmar Spring Revolution
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Poetas que foram mortos pelo regime militar de Myanmar desde o golpe de 1º de fevereiro. Da esquerda para a direita: K Za Win, Kyi Lin Aye, Khet Thi. Imagem de The Irrawaddy, usada sob permissão.

Este artigo [1] foi originalmente publicado em The Irrawaddy, um site de notícias independente de Myanmar, e foi editado e republicado na Global Voices como parte de um acordo de compartilhamento de conteúdo.

O poeta Khet Thi foi preso por uns 100 soldados na noite de 8 de maio. No dia seguinte, ele estava morto. Sua esposa teve que pedir permissão às autoridades para retirar seu corpo do Hospital Monywa [2]; seus órgãos internos tinham sido removidos para autópsia.

O poeta de 45 anos tinha sido preso por acusação de posse de explosivos, mas nenhuma prova foi encontrada em sua casa. Ele foi o terceiro poeta morto pelas forças militares em Monywa, na região de Sagaing, em apenas dois meses. Em março, os poetas K Za Win, 39, e Kyi Lin Aye, 36, foram mortos a tiros em ações violentas.

U Yee Mon, o poeta que se tornou ministro da Defesa no Governo de União Nacional (NUG) formado para combater o regime militar, escreveu em sua página do Facebook:

Khet Thi and K Za Win, two Monywa poets have fallen. I am sad. I am committed to fight until we win.

Khet Thi e K Za Win, dois poetas de Monywa, caíram. Estou triste. Prometo lutar até vencermos.

Mais de uma dezena de poetas que mostraram solidariedade com o povo contra o regime militar [3] também foram detidos em Yangon, em Pathein (região de Ayeyawady) e em Myeik (região de Taninthayi).

Na longa história da revolução de Myanmar, os poetas combateram a injustiça com o poder de sua arte.

Depois que o último monarca de Myanmar, rei Thibaw [4] foi destronado e enviado ao exílio, poetas renomados da capital real Mandalay, incluindo Saya Pe, Sebunni Sayadaw, U Kyawt e Maunghtaung U Kyaw Hla, escreveram poemas para promover o nacionalismo e o patriotismo. Saya Pen não se satisfez em lutar com a caneta e foi pegar em armas no estado de Shan. Ele morreu lá. Maunghtaung U Kyaw Hla também foi o primeiro poeta a ser preso sob a lei colonial por seus poemas anticolonialistas.

O mais famoso poeta laureado no período colonial foi Thakhin Kodaw Hmaing [5], também conhecido como Maung Lun, que disse que lutaria com poemas pela independência do seu país. Sua caneta se provou poderosa em insuflar o nacionalismo e o patriotismo no povo de Myanmar.

Em 1941, sua reputação como poeta anticolonial nacionalista e patrono da Doh Bamar Asiayon [6] (a Associação We Burmans) garantiu a ele um lugar na lista das autoridades britânicas “Lista Birmanesa”, transformando-o em um “inimigo de estado”. O grupo teve um papel importante na luta de Myanmar (também chamada Birmânia) pela independência, unindo elementos nacionalistas e novos ideais políticos enquanto propagava a consciência política.

Durante o período do governo da Liga Antifascista pela Liberdade do Povo [7] após a independência, os poetas Daung Nwe Swe, Ne Thway Ni Maung Yin Mon entre outros ficaram conhecidos pelos seus trabalhos apoiando os movimentos estudantis, trabalhistas e de fazendeiros, assim como por poemas contra a guerra e obras críticas aos burocratas.

No entanto, a censura draconiana foi imposta depois que o general Ne Win tomou o poder em 1962. O poeta Min Yu Wau foi demitido do cargo de editor-chefe da revista comandada por militares Mywady depois de escrever um poema considerado crítico ao ditador.

O poeta Win Latt e o editor Win Khet do periódico Perspective foram sentenciados a dois anos de prisão por publicar um poema satírico sobre Ne Win e sua esposa Khin May Than.

Muitos poetas foram postos atrás das grades pelo governo do Partido do Programa Socialista da Birmânia (BSPP) por participar de movimentos contra o regime repressivo.

Nos anos 1970, o poeta May Maung, de Mandalay, que estava cumprindo pena como prisioneiro político nas Ilhas Cocos, fez uma greve de fome junto com outros prisioneiros. Eles pediam o fim da prisão na ilha, que era chamada de “Ilha do Diabo” birmanesa. Ele morreu na prisão depois de uma greve de fome de mais de 50 dias. Graças aos sacrifícios do poeta e de sete outros, o BSPP transferiu todos os prisioneiros para a prisão de Insein (em Yangon), marcando um evento importante na história do sistema prisional de Myanmar.

Os poetas estiveram ao lado do povo nos protestos pró-democracia em 1988, que derrubaram a ditadura de partido único de Ne Win. U Min Ko Naing, um dos líderes estudantis em 1988 também é poeta.

O líder estudantil Shwe Phone Lu, que mais tarde se tornaria poeta best-seller sob o pseudônimo Taryar Min Wai, escreveu um poema pedindo aos estudantes que boicotassem o sistema educacional quando o regime militar reabriu as universidades e escolas depois da revolta. Ele foi preso por cinco anos por causa daquele poema.

Em 1989, o famoso escritor Min Lu foi preso devido ao seu poema satírico “O que aconteceu?”, que criticava o líder golpista general Saw Maung e os militares de Myanmar. O poema se tornou um fenômeno e ele e o editor foram condenados a cinco anos de prisão.

O poeta Min Thu Wun,  pai do nono presidente de Myanmar e primeiro presidente do governo da Liga Nacional para a Democracia (NLD), U Htin Kyaw, também teve seus poemas banidos pelo regime militar depois que a NLD venceu as eleições gerais de 1990 porque havia participado ativamente das campanhas do partido.

O poeta Tin Moe, uma figura proeminente do NLD, também foi preso por cinco anos por ter escrito poemas e dado palestras pelo país pela causa da democracia. Ele foi forçado ao exílio depois de ser solto e morreu no exterior em 2007.

Em 2008, o poeta Saw Wai foi preso pelo seu poema de Dia dos Namorados com uma mensagem codificada, ridicularizando o então ditador general sênior Than Shwe. As primeiras palavras de cada linha do poema formavam a frase “Gen-Snr Than Shwe louco por poder”.

Durante os últimos 136 anos, desde que o rei Thibaw foi destronado em 1885, até a tomada do poder pelo chefe militar general sênior Min Aung Hlaing, em 1º de fevereiro deste ano, os poetas mostraram solidariedade com o povo comum e estiveram na linha de frente de toda revolução de Myanmar. O poema de Khet Thi é um testemunho disso:

In heads, they shoot

Never do they know

Revolution lies in hearts.

Nas cabeças, eles atiram / Eles nem imaginam / Que a revolução está nos corações.