- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Por que a Huawei quase foi excluída da concorrência pública do 5G no Brasil?

Categorias: América Latina, Leste da Ásia, Brasil, China, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Mídia Cidadã, Relações Internacionais, Tecnologia, Civic Media Observatory

O 5G é 20 vezes mais rápido que o 4G e pode atingir a velocidade de 1 GB por segundo, o que facilitaria a conexão entre qualquer coisa que possa se conectar a rede. | Imagem: Giovana Fleck/Global Voices

Apesar de uma longa história [1] de negócios no Brasil, a empresa de tecnologia chinesa Huawei correu o risco de ser excluída da licitação para o desenvolvimento de redes de comunicação 5G no país sul-americano, devido a oposição do governo do presidente Bolsonaro.

Em janeiro de 2021, Bolsonaro recuou dessa posição [2], porém seus apoiadores continuaram a disseminar informações deturpadas [3] e a fazerem propaganda contra a Huawei, tornando o Brasil um mercado mais hostil à tecnologia chinesa.

Em março de 2021, o governo brasileiro anunciou [4] que o 5G seria implantado em todas as capitais estaduais até julho de 2022. Tem sido uma longa jornada, pois o governo de Bolsonaro já havia adiado [5] a licitação [6] das radiofrequências que transportarão as redes 5G no Brasil.

A Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, aprovou [7] diretrizes que permitem ao governo conceder espectro para a implantação do serviço 5G, e agora aguarda o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU). O tribunal deve concluir a avaliação [8] da licitação no primeiro semestre de 2021.

A infraestrutura global para o 5G é oferecida [9] basicamente por três empresas: Huawei, a empresa sueca Ericsson, e a finlandesa Nokia. Durante a presidência de Trump, a Huawei foi o alvo principal [10] da diplomacia americana. O governo de Trump defendeu uma proibição mundial da empresa, por supostamente funcionar como braço de espionagem do Partido Comunista Chinês, tornando-se o próprio Trump, um forte opositor [11] tanto da China quanto da Huawei. Essa visão é apoiada [12] pela ala ideológica do governo brasileiro.

Em 2019, desde que as redes de banda larga começaram a ser implantadas internacionalmente, os países vêm negociando formas de implementar a tecnologia. O 5G promete [13] conexão mais rápida para celulares bem como outros dispositivos conectáveis à internet—a chamada “internet das coisas”. De acordo com alguns especialistas, o 5G tem o potencial de fornecer velocidades de dados [14] cem vezes mais rápidas do que as fornecidas por seu antecessor 4G.

No Brasil, isso pode significar [15] a facilitação do acesso à internet para comunidades que vivem em áreas remotas, melhor integração entre os serviços públicos, melhoria ao acesso à educação, entre outras coisas, tanto no setor público quanto no privado.

Proibição da Huawei?

Há 22 anos [1] a Huawei tem sido a principal fornecedora de tecnologia no Brasil. A maior operadora de celular do país, a Vivo, segundo consta [16], utiliza a tecnologia 3G e 4G da Huawei em 65% de suas redes. A Claro, segunda maior operadora, obtém 55% de seus equipamentos da Huawei, e a Oi, a terceira maior, 60%.

Apesar desse longo relacionamento, em dezembro de 2020, informou-se [17] que o governo de Bolsonaro estava buscando um meio legal de impedir a Huawei de implantar redes 5G no Brasil. A ideia era limitar a influência da Huawei permitindo apenas que a empresa participasse de licitações para 5G locais e não nacionais. As motivações por trás desse pensamento não são claras, porém, o alinhamento estratégico [11] de Bolsonaro com o governo de Trump pode ter desempenhado um papel.

Por fim, o presidente Bolsonaro percebeu [18] que as tentativas de impedir a Huawei de participar da implantação do 5G eram contraproducentes.  [18]Se a Huawei fosse impedida, a empresa teria que parar de fornecer equipamentos 3G e 4G para as empresas brasileiras e isso, potencialmente, poderia resultar [19] em perdas de bilhões de dólares. Além disso, com a saída do presidente Trump da Casa Branca, Bolsonaro perdeu um aliado na disputa do 5G.

Conforme salientado [18] pelo jornal O Estado de S. Paulo, sendo a China é o maior parceiro comercial do Brasil e a Huawei competiria em custos, Bolsonaro teria enfrentado a oposição da indústria de tecnologia e de seu próprio governo, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão. Mourão representa o Brasil na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) e tem um relacionamento mais próximo com o país do que o presidente, muitas vezes apaziguando [20] a relação com a China e os apoiadores de Bolsonaro.

Na China, essa mudança foi vista como um indicador de que o mercado brasileiro adotou uma mentalidade relativamente aberta em relação ao desenvolvimento do 5G.

Durante uma entrevista [21] à imprensa chinesa Yicai, Yue Yunxia,​​ diretor do gabinete de Pesquisa Econômica do Instituto Latino-Americano da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse o seguinte em resposta à apresentação das novas regras para a licitação do 5G: “A divulgação dessas regras fornece condições para a Huawei participar da implantação do 5G no Brasil. Por ser o Brasil a maior economia da América Latina, a sua escolha também é um trampolim para o mercado latino-americano”.

Yue disse ainda que as ações do Brasil revelaram que o “rumor” envolvendo a China e o 5G, incluindo a influência dos Estados Unidos e as preocupações com a segurança nacional, enfraqueceram.

Em junho de 2019  [22], o vice-presidente do Brasil afirmou que, provavelmente, o governo não impediria a Huawei de participar da implantação do 5G no país. De acordo com a Anatel, a Huawei atendeu [23] os mesmos requisitos de segurança da Nokia e da Ericsson e, se a agência de telecomunicações decidisse banir a empresa, isso poderia resultar em uma longa disputa judicial com as empresas de telecomunicação do país.

Entretanto, os principais apoiadores de Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo, que é deputado, continuaram a criticar [24] a empresa chinesa, alegando possível interferência do governo chinês na empresa. Em uma entrevista ao jornal O Globo [24], Eduardo Bolsonaro fez a seguinte pergunta:

Para uma parceria militar com os Estados Unidos (…) como é que vão poder confiar [na Huawei] se houver interferência chinesa?

“Fábrica secreta”

Exemplo de post que circula entre grupos do Facebook. Foto: captura de tela do Facebook

Embora no âmbito governamental a polêmica sobre a Huawei aparentemente tenha sido resolvida, os apoiadores de Bolsonaro continuaram reforçando narrativas contra a Huawei nas redes sociais.

Em abril de 2021, uma mensagem viralizou [25] nos grupos do Facebook, Twitter e Instagram, alegando que o presidente Jair Bolsonaro “havia surpreendido o mundo mais uma vez ao criar a fábrica de tecnologia 5G no Brasil”. Algumas versões dessa alegação afirmavam que a fábrica seria construída pela Ericsson. 

Esse suposto empreendimento teria acontecido em absoluto sigilo pondo fim à “polêmica” sobre a aprovação dos produtos da Huawei no Brasil. No entanto, o boato não mencionava em que lugar do Brasil a fábrica seria construída, nem fornecia qualquer outro detalhe.

Na realidade, esse boato é uma distorção de antigas informações. A empresa sueca Ericsson não havia inaugurado uma “nova fábrica de 5G” no Brasil, mas sim inaugurado [26] uma linha de produção para equipamentos de infraestrutura 5G dentro da já existente unidade operacional de São José dos Campos no estado São Paulo.

Também não houve sigilo: esses planos foram anunciados [27] publicamente em 2019, tampouco o projeto recebeu financiamento do governo federal.

O site brasileiro voltado para tecnologia, Canaltech, entrevistou [28] vários consultores, empresários e especialistas da área de tecnologia da informação, que foram unânimes em afirmar que a Huawei tem uma vantagem tecnológica sobre seus concorrentes, pois vem investindo em pesquisa e no desenvolvimento do 5G por mais tempo, e detém um número de patentes muito maior do que as demais empresas participantes da licitação.

Se tudo correr bem, as empresas devem oferecer a tecnologia 5G em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, até julho de 2022. A implantação total está prevista para acontecer até dezembro de 2029, com 100% do território nacional habitado tendo acesso à rede 5G.


Essa matéria é parte de uma pesquisa do Observatório de Mídia Cívica [29] sobre as narrativas envolvendo a Iniciativa Cinturão e Rota da China, e analisa como sociedades e comunidades têm percepções diferentes em relação aos potenciais benefícios e danos do desenvolvimento liderado pelos chineses. Para saber mais sobre este projeto e seus métodos, clique aqui [30].