
O 5G é 20 vezes mais rápido que o 4G e pode atingir a velocidade de 1 GB por segundo, o que facilitaria a conexão entre qualquer coisa que possa se conectar a rede. | Imagem: Giovana Fleck/Global Voices
Apesar de uma longa história de negócios no Brasil, a empresa de tecnologia chinesa Huawei correu o risco de ser excluída da licitação para o desenvolvimento de redes de comunicação 5G no país sul-americano, devido a oposição do governo do presidente Bolsonaro.
Em janeiro de 2021, Bolsonaro recuou dessa posição, porém seus apoiadores continuaram a disseminar informações deturpadas e a fazerem propaganda contra a Huawei, tornando o Brasil um mercado mais hostil à tecnologia chinesa.
Em março de 2021, o governo brasileiro anunciou que o 5G seria implantado em todas as capitais estaduais até julho de 2022. Tem sido uma longa jornada, pois o governo de Bolsonaro já havia adiado a licitação das radiofrequências que transportarão as redes 5G no Brasil.
A Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, aprovou diretrizes que permitem ao governo conceder espectro para a implantação do serviço 5G, e agora aguarda o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU). O tribunal deve concluir a avaliação da licitação no primeiro semestre de 2021.
A infraestrutura global para o 5G é oferecida basicamente por três empresas: Huawei, a empresa sueca Ericsson, e a finlandesa Nokia. Durante a presidência de Trump, a Huawei foi o alvo principal da diplomacia americana. O governo de Trump defendeu uma proibição mundial da empresa, por supostamente funcionar como braço de espionagem do Partido Comunista Chinês, tornando-se o próprio Trump, um forte opositor tanto da China quanto da Huawei. Essa visão é apoiada pela ala ideológica do governo brasileiro.
Em 2019, desde que as redes de banda larga começaram a ser implantadas internacionalmente, os países vêm negociando formas de implementar a tecnologia. O 5G promete conexão mais rápida para celulares bem como outros dispositivos conectáveis à internet—a chamada “internet das coisas”. De acordo com alguns especialistas, o 5G tem o potencial de fornecer velocidades de dados cem vezes mais rápidas do que as fornecidas por seu antecessor 4G.
No Brasil, isso pode significar a facilitação do acesso à internet para comunidades que vivem em áreas remotas, melhor integração entre os serviços públicos, melhoria ao acesso à educação, entre outras coisas, tanto no setor público quanto no privado.
Proibição da Huawei?
Há 22 anos a Huawei tem sido a principal fornecedora de tecnologia no Brasil. A maior operadora de celular do país, a Vivo, segundo consta, utiliza a tecnologia 3G e 4G da Huawei em 65% de suas redes. A Claro, segunda maior operadora, obtém 55% de seus equipamentos da Huawei, e a Oi, a terceira maior, 60%.
Apesar desse longo relacionamento, em dezembro de 2020, informou-se que o governo de Bolsonaro estava buscando um meio legal de impedir a Huawei de implantar redes 5G no Brasil. A ideia era limitar a influência da Huawei permitindo apenas que a empresa participasse de licitações para 5G locais e não nacionais. As motivações por trás desse pensamento não são claras, porém, o alinhamento estratégico de Bolsonaro com o governo de Trump pode ter desempenhado um papel.
Por fim, o presidente Bolsonaro percebeu que as tentativas de impedir a Huawei de participar da implantação do 5G eram contraproducentes. Se a Huawei fosse impedida, a empresa teria que parar de fornecer equipamentos 3G e 4G para as empresas brasileiras e isso, potencialmente, poderia resultar em perdas de bilhões de dólares. Além disso, com a saída do presidente Trump da Casa Branca, Bolsonaro perdeu um aliado na disputa do 5G.
Conforme salientado pelo jornal O Estado de S. Paulo, sendo a China é o maior parceiro comercial do Brasil e a Huawei competiria em custos, Bolsonaro teria enfrentado a oposição da indústria de tecnologia e de seu próprio governo, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão. Mourão representa o Brasil na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) e tem um relacionamento mais próximo com o país do que o presidente, muitas vezes apaziguando a relação com a China e os apoiadores de Bolsonaro.
Na China, essa mudança foi vista como um indicador de que o mercado brasileiro adotou uma mentalidade relativamente aberta em relação ao desenvolvimento do 5G.
Durante uma entrevista à imprensa chinesa Yicai, Yue Yunxia, diretor do gabinete de Pesquisa Econômica do Instituto Latino-Americano da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse o seguinte em resposta à apresentação das novas regras para a licitação do 5G: “A divulgação dessas regras fornece condições para a Huawei participar da implantação do 5G no Brasil. Por ser o Brasil a maior economia da América Latina, a sua escolha também é um trampolim para o mercado latino-americano”.
Yue disse ainda que as ações do Brasil revelaram que o “rumor” envolvendo a China e o 5G, incluindo a influência dos Estados Unidos e as preocupações com a segurança nacional, enfraqueceram.
Em junho de 2019 , o vice-presidente do Brasil afirmou que, provavelmente, o governo não impediria a Huawei de participar da implantação do 5G no país. De acordo com a Anatel, a Huawei atendeu os mesmos requisitos de segurança da Nokia e da Ericsson e, se a agência de telecomunicações decidisse banir a empresa, isso poderia resultar em uma longa disputa judicial com as empresas de telecomunicação do país.
Entretanto, os principais apoiadores de Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo, que é deputado, continuaram a criticar a empresa chinesa, alegando possível interferência do governo chinês na empresa. Em uma entrevista ao jornal O Globo, Eduardo Bolsonaro fez a seguinte pergunta:
Para uma parceria militar com os Estados Unidos (…) como é que vão poder confiar [na Huawei] se houver interferência chinesa?
“Fábrica secreta”

Exemplo de post que circula entre grupos do Facebook. Foto: captura de tela do Facebook
Embora no âmbito governamental a polêmica sobre a Huawei aparentemente tenha sido resolvida, os apoiadores de Bolsonaro continuaram reforçando narrativas contra a Huawei nas redes sociais.
Em abril de 2021, uma mensagem viralizou nos grupos do Facebook, Twitter e Instagram, alegando que o presidente Jair Bolsonaro “havia surpreendido o mundo mais uma vez ao criar a fábrica de tecnologia 5G no Brasil”. Algumas versões dessa alegação afirmavam que a fábrica seria construída pela Ericsson.
Esse suposto empreendimento teria acontecido em absoluto sigilo pondo fim à “polêmica” sobre a aprovação dos produtos da Huawei no Brasil. No entanto, o boato não mencionava em que lugar do Brasil a fábrica seria construída, nem fornecia qualquer outro detalhe.
Na realidade, esse boato é uma distorção de antigas informações. A empresa sueca Ericsson não havia inaugurado uma “nova fábrica de 5G” no Brasil, mas sim inaugurado uma linha de produção para equipamentos de infraestrutura 5G dentro da já existente unidade operacional de São José dos Campos no estado São Paulo.
Também não houve sigilo: esses planos foram anunciados publicamente em 2019, tampouco o projeto recebeu financiamento do governo federal.
O site brasileiro voltado para tecnologia, Canaltech, entrevistou vários consultores, empresários e especialistas da área de tecnologia da informação, que foram unânimes em afirmar que a Huawei tem uma vantagem tecnológica sobre seus concorrentes, pois vem investindo em pesquisa e no desenvolvimento do 5G por mais tempo, e detém um número de patentes muito maior do que as demais empresas participantes da licitação.
Se tudo correr bem, as empresas devem oferecer a tecnologia 5G em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, até julho de 2022. A implantação total está prevista para acontecer até dezembro de 2029, com 100% do território nacional habitado tendo acesso à rede 5G.
Essa matéria é parte de uma pesquisa do Observatório de Mídia Cívica sobre as narrativas envolvendo a Iniciativa Cinturão e Rota da China, e analisa como sociedades e comunidades têm percepções diferentes em relação aos potenciais benefícios e danos do desenvolvimento liderado pelos chineses. Para saber mais sobre este projeto e seus métodos, clique aqui.