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No México, cadastro de usuários de telefonia móvel gera preocupações

Categorias: México, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Governança, Mídia Cidadã, Política

Foto de Kristin Hardwick em stocksnap, [1] sob domínio público

O México aprovou um plano para cadastrar dados biométricos, nomes e endereços de usuários de telefones celulares em um banco de dados; uma decisão alarmante, segundo ativistas. O governo mexicano fracassou várias vezes na proteção de dados pessoais.

O Senado da República do México aprovou [2] e depois publicou, em 16 de abril, um decreto [3] que modifica a lei mexicana de telecomunicações e radiodifusão para criar o Cadastro Nacional de Usuários de Telefonia Móvel (Padrón Nacional de Usuarios de Telefonía Móvil, PANAUT, na sigla espanhol).

O cadastro, controlado pelas operadoras de telefonia, consiste em um banco de dados com informações sobre os assinantes de linhas  celulares. O decreto estabelece o seguinte:

El registro del número de una línea telefónica móvil en el Padrón Nacional de Usuarios de Telefonía Móvil será obligatorio para el usuario, que deberá proporcionar identificación oficial, comprobante de domicilio y datos biométricos para la activación del servicio de la línea telefónica móvil (…)

O registro do número de celular no Cadastro Nacional de Usuários de Telefonia Móvel será obrigatório para o usuário, o qual deverá fornecer identificação oficial, comprovante de endereço e dados biométricos para a ativação dos serviços de celular (…)

Isso significa que os usuários de telefonia móvel no México são obrigados a cadastrar os chips com seus dados pessoais e biométricos como impressões digitais e faciais. As operadoras de telefonia serão responsáveis por coletar e administrar esses registros. Estima-se que a criação do cadastro terá um custo de 700 milhões de pesos [4], ou 35,4 milhões de dólares.

Segundo o Senado do México, a motivação para realizar estas mudanças legislativas é “a colaboração com as autoridades competentes em matéria de segurança e justiça nos assuntos relacionados com a prática de crimes”. Até 2019, aproximadamente 22,3 milhões de pessoas haviam sido vítimas [5] de crimes, segundo dados nacionais. Alcançar “a paz e a segurança [6]” foi uma das principais promessas do presidente mexicano, Andrés Manuel Lopez Obrados, quando foi eleito em 2018.

Surgiram críticas durante o processo legislativo e após a sua aprovação. Este foi o caso da organização civil Red en Defensa de los Derechos Digitales [Rede em Defesa dos Direitos Digitais], que advertiu, [7] nas primeiras fases do processo, que não há evidência de que este tipo de mecanismo contribui para a redução dos crimes. Ao mesmo tempo, também violaria direitos fundamentais como a privacidade e poderia colocar em risco a segurança das pessoas devido à possibilidade de acesso não autorizado ou vazamento de dados pessoais. A organização afirma que afetaria a presunção de inocência uma vez que “a reforma estabelece que todos os atos jurídicos realizados a partir de um telefone [serão atribuídos] à pessoa registrada no cadastro” [8] e, assim, as pessoas teriam que provar que não são responsáveis em caso de, por exemplo, roubo ou falsificação de identidade.

Um setor da indústria eletrônica de telecomunicações, que reúne 1000 empresas [9], pediu aos legisladores que rejeitassem o projeto [10]. Dentre os argumentos está a dificuldade para criação de um banco de dados em um ecossistema onde cada operadora tem diferentes tecnologias, o desestímulo que esta iniciativa poderia ocasionar e também a alegação de que não reduziria os índices de criminalidade.

No México, segundo dados oficiais [11], enquanto houve um aumento na confiança do governo federal também foi notado um aumento de 7,5% no número de vítimas de corrupção, conforme informado pela Pesquisa Nacional de Qualidade e Impacto Governamental [12] de 2019. As organizações temem que a lista de dados pessoais se perca e caia em mãos de pessoas mal-intencionadas, aumentando assim o sentimento de insegurança.

O país conta com diversos casos documentados de instituições governamentais que fracassaram na proteção de dados pessoais, [13] segundo o órgão federal encarregado da proteção de dados pessoais. Um dos casos mais recentes é o da Secretaria da Administração Pública, que expôs os dados de 830 mil funcionários da administração federal [14].

Outro fato similar ocorreu no setor da saúde. Em 2018, ocorreu o vazamento e a exposição de 2,3 milhões de prontuários clínicos do estado de Michoacán [15]. Nesta exposição de dados, a autoridade federal determinou que a “potencial responsável” foi a empresa de tecnologia Hova Health. Também neste mesmo setor, em 2020, uma investigação revelou que os dados pessoais de pacientes empregados pelo Estado estavam disponíveis em ferramentas de pesquisa [16] da internet.

Em 2009 houve a tentativa de criar um cadastro semelhante, chamado Registro Nacional de Usuários de Telefonia Móvel (RENAUT, na sigla em espanhol). Ele funcionou durante dois meses até ser extinto após a menção de que o banco de dados estava à venda [17]. Em 2013, o cadastro eleitoral também esteve à venda [18].

Diante da criação do cadastro de telefonia móvel, os cidadãos promoveram ações de defesa legal por meio de amparos, mas a maioria destas ações foram rejeitadas [19] pelos juízes. Por sua vez, o Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais determinou a instauração de uma ação de inconstitucionalidade  [20]por considerar que o cadastro viola a proteção de dados pessoais e o acesso à informação. Também uniu-se a estas ações o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT), ao considerar [21] que não poderia destinar recursos para a criação e operação do cadastro pois o orçamento não tinha sido aprovado, e também poderia afetar a liberdade de expressão e o acesso aos serviços de telecomunicações.

Por sua vez, a iniciativa #NoALPadrón, [22] que reúne 10 organizações sociais, exigiu que a Comissão Nacional de Direitos Humanos, uma agência estatal autônoma, entrasse com um pedido de inconstitucionalidade contra o cadastro. No entanto, a agência respondeu que não faria isso e apenas acompanharia o caso.

#CNDH [23] acompanha a #AçãoDeInconstitucionalidade [24] e #ControvérsiaConstitucional [25] promovidas perante a @SCJN [26], por @INAImexico [27] e o @IFT_MX [28], contra a reforma da #LeiFederalDeTelecomunicaçõesERadiodifusão [29] que cria o #CadastroNacionalDeUsuáriosDeTelefoniaMóvel [30].#DefendemosOPovo [31] pic.twitter.com/CpZ7c3h7LH [32]

— CNDH no México (@CNDH) May 18, 2021 [33]