Políticos procuram culpados à medida que Brasil aumenta exportações para China

In 2020, Brazilian beef accounted for 43 percent of all meat imported by Chinese consumers | Image: Giovana Fleck/Global Voices

Em 2020, a carne bovina brasileira representou 43% de toda a carne importada pela China | Imagem: Giovana Fleck/Global Voices

O consumo de produtos agrícolas brasileiros por parte da China cresceu fortemente em 2020, reacendendo o debate a respeito dos impactos ambientais de bens produzidos para o mercado chinês e sobre quem é o culpado e quem se beneficia.

A China tornou-se o maior comprador de produtos brasileiros na última década. Esse crescimento nas exportações tem sido acompanhado pela retórica nacionalista brasileira que acusa a China de “comprar” o Brasil e destruir o seu ecossistema. Ainda assim, órgãos governamentais brasileiros são responsáveis pelo uso e proteção de terras. Críticos dizem que as acusações de destruição do meio ambiente do Brasil feitas pelo governo brasileiro contra a China são uma forma de alinhamento com políticas populistas, mesmo que o setor agrícola brasileiro lucre bastante com o comércio com a China.

O The Guardian relata um crescimento de 76% nas exportações de carne bovina do Brasil para China em 2020 se comparado ao ano anterior. A carne bovina brasileira representou 43% de toda a carne importada pela China no ano passado.

Com o aumento das exportações, a demanda por terra para agricultura e criação de gado também aumentou, particularmente em áreas nas regiões da Amazônia e do Cerrado que foram responsáveis por quase 70% da carne bovina exportada para a China, acendendo um novo ciclo de desmatamento e degradação ambiental.

No entanto, o consumo de recursos naturais brasileiros por parte da China não é o problema central, segundo Evandro Menezes de Carvalho, especialista em direito chinês e comércio internacional da Fundação Getúlio Vargas.

Carvalho aponta que todas as exportações dependem do controle de agências federais, tais como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento, e são reguladas pela lei brasileira que determina especificamente quais áreas estão sob proteção.

O crescente desmatamento no Brasil, ele afirma, é em primeiro lugar de responsabilidade do governo brasileiro, não de outros países. “O problema não é a China. O problema é o atual modelo de desenvolvimento do Brasil que o torna uma grande fazenda”, disse à Global Voices em uma entrevista por telefone.

Desde 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil, tem ocorrido um crescimento gradual da devastação da Amazônia. O índice anual de desmatamento em 2020 foi de 11.088 quilômetros quadrados, mais de três vezes o tamanho do Central Park em Nova York, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse índice cresceu mais de 70% se comparado à média dos dez últimos anos.

O Brasil precisa investir mais em tecnologia e em formas de produção sustentáveis, tais como agricultura familiar, de acordo com Carvalho. “Porém, externamente, a China também tem uma função a desempenhar”, disse. Como consumidor, a China poderia ser mais rigorosa no que diz respeito ao cumprimento de resoluções e tratados internacionais por parte do Brasil, como o Tratado de Paris do qual os dois países são participantes.

“Dominando” o Brasil

Em 31 de março de 2021, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo que examina a posição do Brasil como um dos maiores fornecedores de commodities agrícolas do mundo.

A desvalorização do real em relação ao dólar e a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China contribuíram para a liderança do Brasil no setor.

O estudo também mostra que a China recebeu 33,7% do total de exportações agrícolas do Brasil em 2020. A China é o maior consumidor de soja do mundo, produto chave nas exportações do Brasil.

Conforme apontado pelo Ipea, a função da China como principal importador de produtos brasileiros vai além da guerra comercial com os Estados Unidos. A demanda chinesa por várias commodities brasileiras supera a oferta, para benefício das empresas agrícolas brasileiras. Essa demanda também prejudica os recursos naturais do país, já que a busca por ampliação de mercado instiga o desmatamento.

Nas redes sociais, a narrativa de que a China está apoderando-se dos recursos naturais do Brasil tem repercutido desde 2020, no mínimo, conforme documentado pela Global Voices por meio do Observatório Civil de Imprensa.

Ambos os países são membros do bloco econômico constituído por cinco países conhecido como BRIC, e as suas economias estão profundamente conectadas. “Eles não deveriam desperdiçar tempo culpando um ao outro”, afirmou o economista brasileiro Roberto Dumas, um especialista em economia chinesa, em uma chamada com a Global Voices. Para Dumas,  tal conflito apenas atrasa o que poderia resolver o problema: uma parceria mais engajada entre China e Brasil, que poderia abordar necessidades ambientais, bem como econômicas.

“O Brasil não é uma força industrial, nesse sentido. Ele precisa da China assim como a China precisa do Brasil para alimentar a sua população”, afirmou. “Para que isso aconteça de uma forma sustentável, tanto para o meio ambiente quanto para o futuro das relações internacionais, a diplomacia brasileira precisa abandonar ideias que não têm base em fatos”.

Nacionalismo crescente: “A China está comprando o Brasil”

O economista aponta para duas narrativas específicas que estão sendo difundidas por membros do governo Bolsonaro, e se espalhando rapidamente pelas redes sociais.

A primeira ocorreu em outubro de 2018. Bolsonaro, que naquela época ainda era um deputado concorrendo à presidência, virou manchete mundial ao dizer: “A China não compra do Brasil. A China está comprando o Brasil.

A segunda aconteceu cinco meses depois, com Bolsonaro já como presidente. Em uma Aula Magna com trainees para o Ministério das Relações Exteriores, quando Ernesto Araújo, chanceler naquele tempo e aliado de Bolsonaro, disse a diplomatas que o Brasil não venderia a sua alma para exportar minério de ferro e soja especificamente para o Partido Comunista da China. Araújo deixou o governo no fim de março.

Para Dumas, essas ideias enraizaram na imaginação coletiva dos brasileiros. A ideia de se opor a um país que quer roubar recursos naturais do Brasil está agora fixada dentro de um sentimento crescente de nacionalismo.

“Estas são ideias falsas que apenas bloqueiam o que poderia ser uma relação muito mais abrangente e autônoma para o Brasil”, disse.

Por que membros do governo promovem essa narrativa? Carvalho explica que o governo Bolsonaro começou a sua presidência abraçando uma narrativa carregada de vários estereótipos em relação à Ásia para esconder uma crise na democracia do Brasil. O país saiu de uma ditadura há 36 anos, regime que o presidente atual é conhecido por defender.

A economia brasileira

A economia do Brasil depende tanto de commodities que o país se tornou dependente de grandes compradores, explicou Menezes de Carvalho. Em 2020, a China gastou US$ 67 bilhões em importações de produtos brasileiros, três vezes mais do que o segundo maior parceiro comercial do Brasil, os Estados Unidos, que gastou US$ 21 bilhões.

Em 2020, o Brasil recebeu mais de US$ 29 bilhões provenientes da venda de soja para a China, o que equivale a 60.601 milhões de toneladas do grão.

A soja tornou-se a commodity agrícola mais procurada do mundo e talvez seja a mais polêmica por conta da sua utilização em forragem para alimentar gado. De acordo com o grupo de monitoramento Transparência para Economias Sustentáveis (Trase), as importações de soja brasileira por parte da China estão relacionadas a 223.000 hectares de desmatamento ocorrido entre 2013 e 2017.

 

 

O ex-presidente da Associação da Indústria de Soja da China, Liu Denggao, argumenta em um artigo publicado pelo China Dialogue que a indústria mundial de soja precisa mudar drasticamente para ser sustentável.

“Proteger as florestas tropicais e a biodiversidade, e combater o aquecimento global são fatores cruciais para o futuro da humanidade. Nós precisamos começar a trabalhar juntos agora. Nenhum indivíduo, nenhuma empresa, nenhum país pode ser deixado para trás”, escreveu.

Dumas e Carvalho também concordam que o caminho daqui em diante deveria incluir esforços conjuntos em futuras negociações, especialmente no futuro após a pandemia.

Para Dumas, os objetivos ambientais só podem ser alcançados “com a prevalência de leis rígidas que responsabilizem os autores de crescimento insustentável”.

Mesmo assim, os dois especialistas concordam que, com o crescimento do desmatamento e da hostilidade entre Brasil e China, o governo Bolsonaro parece ser um obstáculo no caminho para alcançar tais objetivos.

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