Os artistas malaios, Zunar e Fahmi Reza, estão sob investigação policial por publicarem on-line conteúdos considerados ofensivos às autoridades.
Fahmi foi detido no dia 23 de abril depois de a Polícia ter recebido uma queixa referente a uma lista de reprodução musical satírica, publicada pelo artista no Spotify. A lista de reprodução intitulada Dengki Ke (ciúmes) contém 101 canções e supostamente, ridiculariza a figura da realeza da Malásia – a rainha Azizah Aminah Maimunah Iskandariah.
No dia 19 de abril, a hashtag Dengkike virou tendência no Twitter, depois que um usuário do Instagram ter perguntado à rainha se os boatos sobre seus cozinheiros pessoais já terem sido vacinados contra a COVID-19 eram verdadeiros. A rainha supostamente respondeu: “Dengki ke”? (Você está com ciúmes?)”A família real já havia sido criticada anteriormente após relatos de que alguns de seus membros tinham sido vacinados com vacinas ainda não aprovadas pelo governo.
Fahmi foi libertado sob fiança, mas continua sob investigação para averiguar se ele violou a seção 4 da Lei de Sedição e a seção 233 da Lei das Comunicações e Multimídia (CMA). A seção 233 refere-se à publicação on-line de conteúdo ofensivo com a “intenção de importunar”.
Antes de ser detido, Fahmi defendeu o direito dos artistas de expressarem a sua discordância:
In a country where artists, designers & satirists have been censored, arrested & incarcerated for their art, it is important that this vital form of artistic expression — parody & satire as a form of political protest — is continued to be practiced & to be defended at all costs.
— Fahmi Reza (@kuasasiswa) April 21, 2021
Em um país no qual artistas, desenhistas e cartunistas são censurados, detidos e encarcerados por expressarem a sua arte, é importante que a prática indispensável desta forma de expressão artística – paródia e sátira, como forma de protesto político, – seja mantida e defendida a todo custo.
Esta não é a primeira vez que Fahmi sofre assédio por motivo de publicação de seu trabalho on-line. Em 2016, ele recebeu ameaças das autoridades por publicar memes de palhaços zombando do ex-primeiro-ministro do país, Najib Razak, que estava envolvido em um escândalo de corrupção.
Em março de 2021, Fahmi foi notificado pela Polícia de que dois tuítes publicados por ele estavam sendo investigados por suposta difamação do ministro de Saúde do país. No dia 10 de março, ele foi interrogado pela Polícia durante duas horas.
O Freedom of Expression Cluster, organizado por grupos da sociedade civil, destacou o caso de Fahmi como forma de pressionar o governo a rever ou revogar leis, entre elas a Lei de Sedição e a Lei das Comunicações e Multimídia (CMA), que dizem estarem sendo utilizadas de forma abusiva pelas autoridades, para silenciar os críticos. Em uma declaração conjunta, emitida em 23 de abril, o grupo acrescentou que a sátira é uma forma legítima de expressão:
Satire plays an important role in society as a space for commentary, discussion and debate on shared values. Political satire in particular, plays an important role to engage with institutional power in a way that creates space for humour. Such a space should be defended as a vital part of public participation, to enable a robust civic discourse and healthy democracy that is able to withstand critique and differing opinions.
A sátira desempenha um papel importante na sociedade como espaço de comentários, discussão e debate sobre valores comuns. A sátira política, em especial, desempenha um papel importante no envolvimento com o poder institucional de forma a criar espaço para o humor. Esse espaço deve ser defendido como uma parte indispensável da participação dos cidadãos, de forma a possibilitar a existência de um debate cívico sólido e uma democracia saudável capaz de se contrapor às críticas e opiniões divergentes.
Contudo, em 28 de abril, o cartunista Zunar, escreveu que a Polícia o advertiu de que seu cartum político, publicado em janeiro, estava sendo investigado por possível violação da seção 233 da Lei das Comunicações e Multimídia (CMA).
Contacted by the police, to be investigated over my cartoon, which was published 23 Jan. 505c Penal Code & 233 Multimedia Act. Will present at IPD Padang Terap, Kedah 2 May, 11 am @CRNetInt @CartooningPeace pic.twitter.com/90f76Tv087
— Zunar Cartoonist (@zunarkartunis) April 28, 2021
Fui contatado pela Polícia sobre uma investigação do meu cartum, publicado em 23 de janeiro. Ao abrigo da seção 505c do Código Penal e da seção 233 da Lei de Multimídia. Será apresentado na sede da Polícia Distrital (IPD) de Padang Terap, em Kedah, no dia 2 de maio, às 11h.
O cartum faz referência à decisão do governo do estado de Kedah de não considerar feriado o dia do Thaipusam, o festival anual hindu, devido às restrições impostas pelo governo por motivos da pandemia de COVID-19. A decisão tomada pelos oficiais do estado de Kedah foi criticada por alguns grupos que alertaram para o fato de que isso poderia perturbar a harmonia racial no estado.
Zunar defendeu o direito de comentar sobre seu estado natal e afirmou que o seu cartum pode gerar várias interpretações.
Da mesma maneira que Fahmi, Zunar também já foi julgado no passado por seus cartuns serem considerados ofensivos ao primeiro-ministro Najib. Seus livros foram anteriormente proibidos pelo governo e ele foi impedido de fazer exposições até o momento em que o governo de Najib perdeu as eleições em 2018.
Nalini Elumalai, responsável pelo programa ARTIGO 19 da Malásia, alertou que as investigações policiais contra Fahmi e Zunar poderiam causar um efeito perturbador na sociedade:
The investigation of Zunar is a further example of the Malaysian government’s intolerance of public criticism. The persecution of artists such as Zunar and Fahmi stifles creative expression, chills public discourse, and undermines trust in Malaysian authorities.
A investigação de Zunar é mais um exemplo da intolerância do governo da Malásia às críticas públicas. A perseguição de artistas como Zunar e Fahmi sufoca a expressão criativa, reprime o discurso público e mina a confiança nas autoridades malaias.