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Obrigadas a (não) ter filhos: mulheres peruanas ainda não podem decidir sobre seus corpos

Categorias: Peru, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Saúde, The Bridge

 

Foto de mulher peruana e seu bebê no pxhere [1], de domínio público [2]

Durante o Conflito Armado Interno, entre os anos de 1980 e 2000, no qual o estado lutou contra grupos terroristas [3] subversivos, o governo de Fujimori, do Peru, implantou uma série de políticas [4] para reduzir a taxa de natalidade no país.

Nesse processo, estima-se que mais de 270 mil mulheres e 22 mil homens, em sua maioria indígenas e camponeses, foram forçosamente [5] esterilizados. Ainda hoje, as sobreviventes continuam lutando para que suas histórias não caiam no esquecimento e que seja feita justiça [6]. Segundo Maria Esther Mogollón, representante [7] da Associação de Mulheres Peruanas Afetadas pelas Esterilizações Forçadas, a falta de celeridade desse processo deriva [5] da “má vontade política e da falta de compreensão no que se refere aos direitos humanos”.

Cerca de 20 anos depois, em 2020 e 2021, poderíamos pensar que a questão do controle reprodutivo estaria resolvida. Porém, isso não aconteceu. No Peru, o controle dos corpos das mulheres intensifica-se na violência sexual e na penalização do aborto.

Em 2020, houve um aumento de 12% [8] de gravidezes indesejadas no Peru, principalmente entre adolescentes. Além disso, foram feitas mais de 13.840 denúncias [8] de violência sexual. Desse total, 43% das vítimas foram adolescentes entre 12 e 17 anos e 20,7%, meninas de 6 a 11 anos.

Nesse contexto, a cada dez adolescentes mais de [9] uma já engravidou alguma vez. Os números são ainda maiores nas áreas rurais do país, onde a cada cinco menores, mais de uma engravida. Em 2020, o número de meninas menores de dez anos obrigadas a ser mães triplicou [10] no Peru, isso é uma consequência direta do crescimento da violência sexual durante a pandemia.

A coordenadora do Programa de Sexualidade e Autonomia Física do Movimento Manuela Ramos [11], Elga Prado Vasquez, me informou por telefone, que a pandemia deixou [12] a população ainda mais vulnerável e desamparada do que o previsto, uma vez que, com as medidas de lockdown adotadas, no momento em que o estado peruano suspendeu os serviços essenciais, houve um agravamento dos problemas do sistema de saúde. Muitas meninas, adolescentes e mulheres foram abandonadas à própria sorte [13] diante da violência física e sexual em sua própria casa. Embora o lockdown no Peru já tenha sido suspenso e os serviços públicos voltado a funcionar, causa preocupação pensar nos números caso um novo lockdown venha a ser decretado.

Devemos, ainda, adicionar a essa situação os abortos inseguros, que representam a terceira causa de morte materna no Peru, segundo a organização não governamental PROMSEX [14]. Mulheres de todas as classes sociais e com diferentes graus de escolaridade abortam, mas de acordo com o estudo [15] sobre abortos entre mulheres adultas, pessoas de classe média e baixa, com educação secundária e formação superior, realizam mais abortos. No total, quase uma a cada cinco mulheres adultas já realizou um aborto. De acordo com o Ministério da Saúde [16], em 2018, 2.480 adolescentes foram atendidas em hospitais públicos por terem feito aborto.

No Peru, desde 1924 [17] quase todos os abortos são proibidos, com exceção dos casos em que a vida e a saúde da mulher correm risco. Ainda assim, perante a lei, esses abortos são passíveis de punição. Entre os anos 2000 e 2019, 517 mulheres e adolescentes foram processadas [18] por interromper a gravidez enquanto 961 foram denunciadas. Segundo a organização Católicas pelo Direito de Decidir, são realizados 1.000 abortos diários [19] no Peru.

Apesar desses números, são poucos os partidos políticos [20] que, durante as eleições realizadas em 11 de abril de 2021, consideraram em sua pauta os direitos sexuais e reprodutivos. Dos 18 partidos, apenas dois [21] apresentaram propostas para o acesso a métodos contraceptivos e ao kit de emergência [22], um conjunto de medicamentos gratuitos destinados a garantir a saúde das vítimas de violência sexual.

Pelo visto, essa situação permanecerá a mesma durante o segundo turno das eleições presidenciais, programado para o dia 6 de junho deste ano. O mais grave é que os candidatos que disputarão o pleito eleitoral, Pedro Castillo e Keiko Fujimori, apresentam tendência pró-vida [23] e não contam com uma agenda clara [24] no referente aos direitos sexuais e reprodutivos com enfoque em gênero.

De esterilização forçada a gravidez imposta, fica claro que as mulheres peruanas ainda não podem decidir sobre seus próprios corpos e fertilidade.